Sigur Rós: O Idioma Acima de Nós

Grupo islandês concentra esforços para traduzir sua grandiosidade sonora para o palco

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O mito cristão da Torre de Babel nos conta que Deus, para prevenir a humanidade de concentrar o seu poder em torno de uma língua só, dividiu os idiomas terrenos garantindo a pluralidade das expressões, mas, com isso, causando a confusão entre aqueles diferentes entre si. A partir de então, a língua da Verdade corresponde àquela falada por Deus, enquanto a língua falada pela humanidade é uma versão imperfeita de sua anterior, cheia de ruído, podendo apenas intuir brevemente a pureza do idioma original.

Existe uma prática religiosa que, no entanto, pode manifestar a língua divina, conhecido como glossolalia, ou ainda, o “falar em línguas”. Falar em línguas significa falar em todas as línguas ao mesmo tempo, resultando em uma semântica incompreensível para a humanidade, mas que se assemelha ao idioma unificado de tempos pré-Torre de Babel.

Pensar em glossolalia, e, consequentemente, em verdades transcendentes que ultrapassam a compreensão é um excelente modo de adentrar o universo vasto da banda islandesa Sigur Rós. Não há como não pensar nas paisagens ao redor de Reykjavik para descrever a pureza atmosférica do som construído pelo grupo islandês: ouvir a banda é como pensar em tempestades de gelo, auroras boreais, montanhas sedimentadas através das eras geológicas que guardam segredos ancestrais maiores do que a humanidade.

É por isso que, essencialmente, o grupo faz uma música instrumental, atmosférica e que fala em um idioma inventado, ultrapassando algo que pode ser explicado e atingindo uma essência que todos os ouvintes compartilham. Seja mais inclinada à Música Ambiente, à Música Experimental ou ao Post-Rock, Sigur Rós sempre almeja momentos grandiosos de catarse.

No entanto, como pensar em tal experiência nos shows ao vivo? Se, por um lado, ouvir os álbuns da banda é como imaginar um trilha sonora para peripécias espirituais inventadas pelo ouvinte, presenciar um show do grupo é como ser absorvido por uma massa sonora. Imagine a diferença entre estar sentado contemplativamente de olhos fechados em quarto escuro e estar de pé em meio a uma multidão assistindo uma apresentação. Sigur Rós tem a consciência desse salto atmosférico e reúne suas forças em traduzir a experiência dos discos para o palco.

Ano passado tive o privilégio de assistir a um show da banda, e posso garantir que os esforços do grupo estão voltados para o envolvimento do público. Para além do som alto, da guitarra baleiante tocada com um arco, e da voz melodiosa que seduz o ouvinte, o grupo investe pesado em cenografia e efeitos de luz, criando um cenário onírico na tentativa de abarcar todos os sentidos do público, que pode até ficar embasbacado pela torrente de sensações experimentadas. A passagem de Sigur Rós por São Paulo promete manter o padrão transcendental da banda.

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ARTISTA: Sigur Rós
MARCADORES: Redescobertas

Autor:

é músico e escreve sobre arte