Essa Onda Beach House

Banda se consolida como importante nome do Dreampop

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Baltimore, na costa leste dos Estados Unidos, não é uma cidade de tanto glamour. Recentemente, ela foi vista numa relação de lugares mais violentos e desassistidos do país de Trump, mostrando que a situação por lá é bem diferente do que pensamos por aqui. É interessante que uma dupla como Beach House surja num habitat como esse. Digo isso porque a sonoridade perpetrada por Victoria Legrand (vocais e teclados), Alex Scally (guitarras e vocais) nada tem a ver com violência ou metrópoles convencionais. Ela parece feita em outra dimensão, num lugar em que só há paisagens litorais em entardeceres emocionais, que se moldam ao gosto do freguês, podendo ir da alegria à tristeza com facilidade e eficiência. É Dreampop mas também é um monte de coisas, tudo se encaixa e credencia a banda para um protagonismo nessa atualidade, meio casual, meio justo.

Victoria e Alex são músicos graduados em universidade. São conhecedores num nível, digamos, mais profundo da coisa. Ela é neta do compositor francês Michel Legrand, um cara que assinou várias trilhas sonoras para o cinema. Se estiver a fim de conhecer, dá uma procurada no belíssimo score de Verão de 42 e você verá que se trata de um mestre do gênero. Pois bem, acredito que este conhecimento da música em nível maior sirva para conferir à dupla uma capacidade ampliada de exploração de texturas e climas. No caso de Beach House, tudo é textura e clima em sua música e este é seu grande trunfo. A exploração deste caminho não é nova, ela já foi feita por gente diferente ao longo do tempo, de Brian Wilson a Cocteau Twins, sempre deixando ao ouvinte uma impressão de que aquelas canções pediam, imploravam por uma apropriação por parte dele. Resumindo: quase são músicas manipuláveis, familiares, desses que a gente sempre ouviu, mesmo quando ouve pela primeira vez.

A faixa composta e gravada por Beach House que sequestrou o coração do crítico musical atende pelo título de Walk In The Park, de seu belo terceiro álbum, Teen Dream. Ela tem essa alquimia “praia cinzenta”, que a mistura desses dois artistas sugere. Lançado em 2010, o disco é considerado como o momento em que a dupla deixou de ser um pequeno tesouro de conhecimento de poucos para mostrar-se num nível maior a uma audiência igualmente mais ampla. Com a chancela do selo Sub Pop, o disco surgiu como um diamante gentil naquele ano, dando a Victoria e Alex um status maior e mais adequado. A proposta emocional da música feita por Beach House é semelhante à de outra banda americana, Real Estate. Ambas parecem fora de lugar (Real Estate é de Nova Jersey) e dialogam com emoções mais adequadas em formatos erguidos por ingleses litorâneos dos anos 1980, no sentido Echo And The Bunnymen da coisa. Mesmo assim, são fluentes no que fazem, atualizando o formato e trazendo uma espécie de “generosidade geográfica” pra ele. Que termo, hein?

Voltando aos álbuns, os antecessores de Teen Dream, Beach House (2006) e Devotion (2008), de fato mostram uma banda em busca de contornos mais nítidos para sua obra. Mesmo assim, é possível perceber a receita central das canções já perfeitamente formatada. A partir do quarto disco, Bloom, que seria lançado em 2012, estas canções já estavam absolutamente consolidadas e ofereciam chance para explorações reveladoras. Um belo caso disso é a segunda faixa, Wild. Todos os elementos estão ali, da bateria eletrônica, ao clima dos teclados, passando pela voz etérea de Victoria e, num papel de extrema inteligência, as guitarras de Scally. O que ele consegue aqui é um trabalho bem próximo da genialidade, são vários fraseados discretos e minimalistas sob o concreto tecladeiro, conectando toda uma linhagem de canções contemplativas e afetuosas. Quando o refrão explode, a guitarra já quase não está mais presente, mas sentimos sua proximidade mesmo assim. Depois tudo muda e parece o mesmo. Sutil e muito bonito.

A dupla sempre está na estrada e permitiu-se ficar até 2015 sem lançar nada de inédito, algo que foi compensado largamente quando soltou dois álbuns em um espaço de poucos meses: Depression Cherry surgiu em agosto e Thank You Lucky Stars veio em outubro. Diferentes entre si, sendo o primeiro mais próximo dos anteriores e o segundo uma sutil variação dentro do modelo, os dois, juntos, apresentam um feixe único de 18 canções e mostraram o quanto de inspiração cabe na música de Victoria e Alex. As guitarras, os teclados, as vozes que parecem vir de cima, com o vento, estão presentes e se dobram, mesclam, intercalam, criando painéis que podem ser quase tudo. No meio do caminho, ainda encontram espaço para autorreferência, como é o caso da lindíssima Space Song, que é uma espécie de irmã mais nova de Walk In The Park, aquela faixa que fisgou o coração deste escriba.

Há poucos dias está disponível nos melhores serviços de streaming o mais recente lançamento da dupla, a compilação B-Sides And Rarities, que dá uma geral nas faixas raras e nas versões alternativas lançadas por Beach House ao longo deste mais de 10 anos de carreira. Além deste pequeno inventário, duas canções inéditas saltam aos ouvidos: as lindíssimas Chariot e Baseball Diamond, que consolidam esse modelo de artesanato musical-emocional tão bem executado pelos sujeitos. Como curiosidade adorável, uma cover de Play The Game, do Queen, surge como pepita de ouro garimpada numa colaboração com a fundação beneficente Red Hot em 2010.

Doze anos de carreira, seis discos de inéditas, uma compilação de raridadas e um lugar no nosso coração. Nada mal, Beach House. Nada mal. Só falta dar as caras por aqui e partir pro (nosso) abraço.

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ARTISTA: Beach House
MARCADORES: Artigo, Novo Disco

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.