César Lacerda: “tudo tudo tudo tudo” muda o tempo todo no mundo

Músico comenta o momento em que seu terceiro álbum solo é lançado

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Fotos: Lucas Silvestre

Há histórias que nos chamam atenção pela trama e suas reviravoltas, enquanto outras nos prendem por um personagem fascinante. Há ainda aquelas vezes quando esses dois fatores se encontram e temos um roteiro imprevisível por conta de um protagonista que age e reage de maneira única. Acompanhar a carreira e a discografia de César Lacerda possui muito desse último contexto, algo reforçado pelo lançamento de tudo tudo tudo tudo, seu terceiro álbum solo.

Além de músicas e parcerias em álbuns de outros (Fernando Temporão e Duda Brack são dois exemplos), César lançou na virada de 2015 para 16 o disco Experimental Sonto, com Luiza Brina e Pedro Carneiro, e há cerca de um ano, Meu Nome É Qualquer Um ao lado de Rômulo Fróes – um dos maiores nomes de uma cena paulistana que uns chamam de Indie, outros de Vanguarda. Depois de tudo isso, o enredo ganhou seu terceiro registro dito “solo”, de longe o seu trabalho mais Pop, ou, como ele disse em entrevista ao Monkeybuzz, um “desejo declarado de alcançar mais gente”.

“Acho que tem um lado que é vaidoso sobre a possibilidade da mutação”, explica ele, “meu primeiro disco é muito ambicioso do ponto de vista musical, o segundo é como um projeto artístico, mas, ao mesmo tempo, com um flerte muito específico com a cena Indie, tem um projeto especial no meio que é um mergulho na vanguarda de São Paulo e agora esse, que eu defino como um lugar no Pop brasileiro mainstream, que foi o lugar da Marina, da Adriana, do Herbert. Vaidoso, porque é gostoso pensar que eu tenho a capacidade de fazer isso”.

Porquê da Voz (2013) serviu como o primeiro capítulo de sua discografia e inseriu o nome César Lacerda em uma MPB contemporânea, bem feita e praticamente metalinguística – o ofício do cantor é o tema da faixa-título, por exemplo. Dois anos depois, veio Paralelos e Infinitos, um trabalho que traz César em quase todos os instrumentos e em uma ambientação mais próxima do que o Indie produz neste meio de década.

“Eu tive que ouvir o Paralelos há uns dias, disse ‘deixa eu ouvir o disco para entender alguma coisa aqui’”, comenta o músico, “e eu percebi que ele é o meu projeto mais ousado mesmo. São 28 minutos sobre uma lógica que une som, capa, muita coisa, ele é muito ‘obra’. Por conta disso, eu fiz muito poucos shows dele – com o Porquê da Voz, eu fiz em um ano 40 shows em sete países. Com o Paralelos, eu fiz Rio e São Paulo. Eu noto que já havia uma tentativa de comunicação direta, mas ainda tinha um flerte com questões poéticas, com o mundo Indie, o discurso dele era: ‘o amor pode, ou deve, ser compreendido como questão política e não como alienação’”.

“Existe uma confusão nessa coisa entre arte e política. Eu tenho uma postura que, em 2017 e em outros momentos da história, principalmente no século 20, pode ser taxada de alienada pelo seguinte ponto: Para mim, política é gestão. Se eu fizer uma música, não significa que o esgoto vai parar de vazar. Por outro lado, é hipócrita, porque a arte é transformadora a ponto de resolver o humano, e é o humano que vai repensar o esgoto, a política, enfim. Esse limite muito tênue entre as coisas criou para mim uma confusão, que é esse cenário em que as pessoas acham de verdade que elas tem que usar a arte como plataforma de posição política. Isso criou um rombo na coisa da arte enquanto arte”, disserta César.

“Acho super legal que a música do Francisco el Hombre esteja na novela”, comenta ele, “acho que as discussões sobre política são urgentes, e meu discurso não é tentativa de sufocar isso, mas que o procedimento por trás da questão não seja a ideia de que fazemos para poucos porque dialogamos com pouco. O legal é furar a bolha, falar para muita gente. E aí você faz com que o discurso chegue nas pessoas”.

E é nesse plot twist que chega tudo tudo tudo tudo, uma obra diferente das que Lacerda já fez e um tanto à margem daquilo que o meio produtor cultural ao qual ele sempre foi associado tem feito, principalmente nesta fase de tanta tensão na sociedade em que vivemos. “A gente sabe que a cena de MPB tem um lugar de privilégio intelectual. Eu poderia ficar muito estável no meu lugar de privilegiado, de quem fez faculdade e viajou para certos lugares, blá blá blá, mas eu estou cagando pra isso”, comenta ele, “a vida no Brasil hoje está muito chata, e eu não quero colaborar com essa chatice”.

Para fazer o novo álbum, ele foi contra as convenções e ouviu “pra caralho uma coisa que o Brasil ainda não tem como referência central na questão ‘estética musical’, que é a geração do fim dos anos 1980, início dos 90: Marina, Adriana, Herbert, Nando, Lulu Santos, enfim. A referência estética de música para nossa geração é a turma dos anos 70 e 60. A gente tem afetividade, mas não tem interesse estético por Lulu, e quando tem é uma coisa ‘vamos colocar uma bateria eletrônica como se colocava na década de 80’, mas não tem aquela dimensão de ‘letras sendo cantadas por um ginásio inteiro’. Eu fui nesse lugar, nas músicas dessas pessoas, e acho que tem um assunto aí pra gente cuidar agora como questão estética”.

Sobre a percepção que tem desse momento em sua história, ele diz que adora “o Paralelos, porque é um projeto muito pessoal, ao mesmo tempo em que eu faço muita coisa ali. Gosto do Porquê da Voz, mas enxergo a faceta da minha personalidade mais teimosa, ‘vai ter isso e aquilo’, e enxergo esse novo como meu álbum mais plácido. É um disco terno. Ouça e sinta carinho, fique feliz”.

“Pela primeira vez na vida, eu tenho gosto por essa coisa de ‘carreira’, de pensar que ainda faltam 30 discos, e que esse é apenas ‘mais um’. Muita gente está dizendo ‘Que louco, você acabou de lançar um disco todo esquisito com o Rômulo, aí você vai e faz esse disco todo Pop’, e muita gente dizendo: ‘Você está chegando perto do César, como se tudo aquilo que tivesse vindo antes fosse um ensaio para o que está apontando agora’”, ele comenta e sorri.

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MARCADORES: Entrevista

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.