Sofia Freire: “Cada música é um desafio diferente”

Musicista comenta sua relação com as composições e os desafios que toda mulher passa nesse meio

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“As pessoas duvidam muito de mim às vezes. Se fosse um cara fazendo tudo o que eu faço, todo mundo ia achar normal, ia falar ‘ah, massa’. Como sou eu, quando me veem pequenininha, magrinha, novinha e mulher, a galera fica: ‘mas como ela faz isso? Ela não faz tudo sozinha não'”.

Sofia Freire acabou de entrar na casa dos 20 anos e já apresentou ao mundo seu segundo álbum, Romã, um trabalho que concretiza mais não só sua estética Eletrônica e contemporânea para as canções, mas também o seu talento em ser uma musicista envolvida em todos os processos de concepção das músicas, como a produção dos beats e gravações, além de interpretá-las também vocalmente.

Falando ao Monkeybuzz por Skype, ela contou que cresceu cercada de arte – seu pai, Wilson Freire, é um importante letrista de Pernambuco, parceiro do icônico Antônio Nóbrega, enquanto sua mãe pinta e a irmã, Clarice Freire, é escritora. “Eu cresci indo muito a sarais, lançamentos de livros, shows”, ela explica, “crescer nesse ambiente assim obviamente me influenciou muito”, sendo o piano seu principal aliado dentro da música, mas sua criatividade não se limita ao instrumento.

Ela conta que seus processo de composição “é contínuo, é diário. Assim como um médico sai de casa todo dia para atender os pacientes, eu sento ao piano e componho. Às vezes sai alguma coisa, às vezes não sai nada, às vezes sai coisa péssima, às vezes sai coisa boa. Mas é o meu ofício. Eu sigo essa filosofia”. Ela comenta também que as melhores ideias nem sempre surgem dessa dinâmica: “Às vezes, eu não vou pro piano, vou fazer beat, e a partir dele me vem alguma frase musical que pode acompanhar [alguma letra]. Às vezes, estou tomando banho, ou indo dormir, e me vem alguma coisa à cabeça (risos)”.

“Apesar de ter essa rotina, essa disciplina, às vezes as coisas surgem do nada”, conta Sofia, “quando eu fiz Olhos de Camaleoa, eu estava em uma loja escolhendo roupa e me veio na cabeça a ideia. Tive que voltar para casa e fazer a música”. Essa inquietude de compor ganhou um novo desafio em Romã, disco no qual ela decidiu musicar textos escritos por outras autoras, a partir também da relação que ela estabeleceu com a palavra cantada durante e após o lançamento de Garimpo (2015).

“Seguir os textos é algo que eu gosto de fazer e aderi ao meu modo de compor”, conta ela, “é como se as minhas músicas hoje não tivessem uma estrutura definida, como a maioria das músicas Pop tem. A maneira como eu construo as minhas é seguindo a estrutura do texto. A questão musical segue a questão literária. Eu não toco no texto, tenho que me adaptar a ele. Isso me fascina muito, me ajuda a desconstruir esses formatos musicais já pré-estabelecidos, mesmo fazendo uma música mais Pop, me faz quebrar a cabeça e pensar mais na hora de fazer uma música ao invés de aplicar um formato. Cada uma é um desafio diferente”.

Segundo Sofia, produzir Romã foi “bem mais tenso” do que o primeiro disco: “Garimpo foi aquela coisa mais de experimentação, ‘vamos lançar isso aqui e ver no que é que dá’, e, felizmente, me trouxe frutos muito bons que me levaram também a lançar esse segundo disco. Mas ele foi mais tenso no sentido de que existia uma expectativa que não houve antes, quando eu poderia lançar qualquer coisa. Eu tive uma resposta muito positiva com o primeiro e a expectativa é que você lance algo à altura ou melhor”. Mais do que nunca, ela colocou à prova todas as suas habilidades de composição e de produtora para conceber as nove faixas do disco.

Sua relação com a produção veio justamente da inquietude criativa, quando as gravações com voz e piano deixaram de ser suficientes. “Eu queria gravar, queria fazer essas coisas, mas não tinha equipamento”, conta ela, “eu descobri o overdub no Audacity e decidi cantar tudo, fazer tudo com a voz. Então eu mesmo que gravava tudo, mixava sem saber o que era mixar (risos) e publicava no SoundCloud. Quando eu comecei a trabalhar em estúdio foi que conheci os softwares. Eu vi que eu tinha um leque enorme de coisas que eu poderia fazer, mil camadas e tal, descobri o mundo da produção de áudio. Me danei a fazer as coisas, produzia em casa e levava ao estúdio para trabalhar nelas. As coisas partem muito naturalmente de uma necessidade. Esse meu lado de produtora veio disso”.

“Eu sempre fui muito de ‘tá, eu mesma faço’, gosto de pôr a mão na massa e descobrir eu mesma como se faz as coisas, até porque, se a música é minha, acho que nada é mais justo do que eu fazê-la e pensá-la. Quando eu vi que existia essa possibilidade, eu vi que podia fazer tudo o que eu quisesse, que eu podia pensar na música como um todo: beat, bateria, camadas dos sintetizadores, violino e o que eu quiser colocar, foi a maneira de concretizar o que eu sempre pensei. Eu gosto de fazer isso, vira uma coisa muito minha”.

“Sempre gostei muito de estar sabendo, de ter noção de tudo o que faz parte de uma coisa minha. Eu sei o que eu quero e preciso dominar isso”, conta Sofia, e reflete em seguida: “Acho que vem muito de uma questão de machismo, nem só na música, mas na sociedade, porque a gente que é mulher tem que estar se provando sempre, né? É uma forma da gente ter que sempre mostrar serviço. Um homem mediano é muito diferente de uma mulher mediana, não só na música”.

“As pessoas ficam ‘nossa, ela toca sozinha?’, mas quantos caras não tocam sozinho por aí, não é? Por que ficam tão surpresos com isso?”, questiona ela e, emendando uma ideia na outra, podera: “Acho que o fato de também gostar de pôr a mão na massa e gostar de ter noção de tudo tem a ver com essa necessidade. Eu tenho que dominar, tenho que saber tudo o eu quero e mostrar que eu sei o que eu tô falando. E eu vou fazer o que eu quiser, você fique aí na sua (risos)”.

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ARTISTA: Sofia Freire
MARCADORES: Entrevista

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.