Alguns Velhos Sons Ainda São Novos

Artistas como Francis and the Lights reciclam sonoridades que já ouvimos antes

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Noutro dia, este site resenhou o novo disco do projeto Francis And The Lights, Just For Us. Dei uma lida porque não só escrevo aqui, considero o Monkeybuzz o único veículo informativo que traz notícias e mostra artistas realmente novos e inéditos por aqui. Sim, “novo” e “inédito” não são sinônimos. Podemos conhecer algo feito em 2018 que não tem qualquer aspiração de seguir as fórmulas musicais vigentes hoje. Também é possível topar com gente desprovida de qualquer preocupação em relação a isso, que vai, sim, expressar-se usando parâmetros e convenções que foram propostos há tempos. E há quem diga que a música pop não evolui significativamente, uma posição temerária, de acordo com o ponto de vista deste que vos escreve. O fato é que, após tal resenha ser publicada, surgiu a ideia de usar o tal lançamento de Francis And The Lights como um bom pretexto para essa discussão novo x inédito. Ou não.

Dei uma olhada em quem é o tal Francis, ele atende pelo nome de Francis Farewell Starlite, nascido em Oakland, Califórnia, em 1981. Esta cidade tem com San Francisco uma relação equivalente à que Niterói tem em relação ao Rio. Separadas por uma ponte, menos glamour de um lado, visibilidade do outro. O que é importante saber sobre Oakland é que lá é um fértil celeiro de talentos musicais desde muito tempo. Por lá nasceu o West Coast Jazz e uma das mais importantes formações da Soul/Funk Music, o Tower Of Power. Também foi às margens da Baía de San Francisco que o personagem de Sittin’ On The Docks Of The Bay, no caso, seu autor, o falecido Otis Redding, falou da vida e como lidar com ela. E Oakland também teve uma importante cena musical de bandas de Heavy Metal nos anos 1980/90. Por lá Francis começou a fazer suas produções e gravar seus discos. Qual seu estilo? O que se convencionou chamar de Nu-Soul ou Alt-R&B.

O sujeito fez sucesso, impressionou gente distinta como Drake e Bon Iver, que se tornaram seus fãs, porém, uma audição mais atenta a Just For Us aponta um trabalho sem muita novidade. A própria resenha diz isso quando critica uma escolha acomodada por parte de Francis, que teria optado por um disco relaxante, com canções curtinhas e descomplicadas, enfileiradas num feixe que foi lançado de surpresa, quase no fim de 2017, sem qualquer alarde. De fato, todas as composições do álbum estão na fronteira entre o simples e o simplório, com um conceito de aproveitar poucos instrumentos, oferecendo arranjos “enxutos”, quase minimalistas, com predomínio de teclados e piano sobre outras fontes harmônicas. Além disso, Francis usa batidas intencionalmente datadas, provenientes de uma época bem distinta: a passagens dos anos 1980/90, na qual houve a incorporação dos beats do Rap ao R&B, formando estilos que tiveram vida curta, como Freestyle e New Jack Swing.

A verdade é que esta sonoridade, além de não ser nova, promove – usando um termo caro aos neoliberais – um “downsizing” na estrutura original das canções. Vejam, os anos 1980 foram pródigos por oferecer uma eletrônica assistencialista de estúdio aos artistas. Vieram teclados, sintetizadores, drum machines, vários instrumentos emuladores, como se fossem protótipos do Exterminador do Futuro, engatinhando na incumbência de simular timbres de orquestras, metais, tudo o que a música negra americana oferecia de melhor. Claro, isso não é decisivo para um disco ser ruim ou bom, mas é decisivo para ele soar datado. Belas gravações oitentistas soam terrivelmente encapsuladas naquela época para sempre. Por isso, a versão 2018 dessa abordagem parece inundar os artistas que fazem essas versões “novas” dos estilos cascudos do passado. É a tal música de laptop, de notebook, que os sujeitos fazem enquanto, sei lá, viajam de avião por aí. Uma música que olha para o passado sem achar que olha.

Se há algo interessante em estudar História, algo que este amigo de vocês ama fazer, é perceber que cada época olha para o passado de um jeito diferente e este movimento ajuda a construir versões deste passado, que nunca serão ele, propriamente dito. Difícil entender? Bem, o olhar para o passado muda de acordo com o passar do tempo. Não olhamos para ele como fazíamos em 1986. E isso é o que nos dá alento para continuar ouvindo a boa música pop, um gênero autorreferente por si. O que é preciso é notar que o tempo passa e esta impressão é mutante, assim como é a sociedade e nós mesmos. Tal reflexão pode estar contida num simpático álbum de menos de meia hora, como o de Francis And The Lights e é ótimo que façamos estes exercícios mentais. De repente nos pegamos entendendo melhor o mundo e usando melhor as palavras. Lembrem-se: o novo não é o inédito. Pelo menos, não necessariamente. Boa viagem.

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MARCADORES: Artigo

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Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.