Sopros na Música: Tendência Hoje, Uso Atemporal

Alt-J, Arcade Fire e Radiohead são alguns dos adeptos dos timbres de metal e madeira

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Fotos: alt-j, por Roy Wilkins

Se você for olhar na História da música popular, verá que ela, como o nome sugere, é uma manifestação cultural que se origina das camadas mais, digamos, populares de uma sociedade. Apesar da redundância inevitável, o que se quer dizer usando a expressão, é que tais pessoas que não pertencem às camadas mais enriquecidas e “educadas” de uma sociedade. Quando o termo se origina, lá pelo Renascimento, ele quer exaltar as cantigas desta natura, já existentes desde muito tempo. Há registros de obras desta natureza desde muito antes, por exemplo, na Espanha do século 13, que tem nas Cantigas de Santa Maria um bom indicativo de documentação de tradições religiosas e, acima de tudo, muito populares, do confronto com os muçulmanos. Mesmo assim, o que prevaleceu ao longo do tempo foi a “música clássica ou erudita”.

O fato que conecta a música popular (no conceito do século 20) com o passado está na chamada “música erudita”, das orquestras, filarmônicas, sinfônicas e seus compositores clássicos. A esta música fez-se uma oposição cultural não declarada, que veio em forma de estilos musicais surgidos no chamado Novo Mundo, produtos de uma nova relação entre seres humanos, costumes, sociedade e ambiente. Os mais conhecidos e emblemáticos foram o country (branco, descendente de irlandeses e ingleses) e o binômio Jazz/Blues, originários dos negros, habitantes das cidades e do campo, respectivamente. Desses três novos gêneros, antagonistas da música aprendida em escolas, por via escrita, o jazz incorporou um traço marcante da música Erudita/Clássica: o uso de metais e sopros. E é disso que queremos falar aqui.

Veja, é impossível falar disso sem um pouco de contexto histórico, sobretudo porque o uso de metais e sopros na música popular é uma conquista e um sinal explícito de evolução. Ele segue até hoje, com idas e vindas de popularidade e intensidade, corresponde a um novo patamar dentro do espectro sonoro da coisa toda. Claro que estamos falando da principal via de acesso, há outras, como o Chorinho brasileiro, por exemplo, que incorporou flautas ao uso de instrumentos de cordas, cujo uso era indicador inescapável de falta de estudo por parte de seu usuário. Mesmo assim, como o conceito moderno de música popular é proveniente dos Estados Unidos, ficaremos com a trilha do Jazz, que deu origem a uma visão democrática de música.

A ideia de música popular é bem complexa e abrangente. Ela pode incluir, no mesmo contexto, albuns como September Of My Years, lançado em 1965, por Frank Sinatra, e Amnesiac, primeiro trabalho do Radiohead no século 21, que traz Life In A Glasshouse, uma faixa esquisita, retrô e com uso pouquíssimo ortodoxo de metais. Em algum ponto entre o meio do século passado e os nossos dias, ela tornou-se “música Pop”, sobretudo quando teve sua apreciação vinculada ao público mais jovem, que tomava conhecimento de sua existência pela mídia crescente e/ou pela indústria musical/cultural, que fabricava ídolos e discos com as gravações musicais. Sejamos específicos: o que nos interessa aqui é mostrar como os metais e sopros seguem participando dos arranjos de muita gente que você gosta, permanecendo como um importante traço da música pop.

Cada um tem sua canção com metais na memória. A minha talvez seja The Logical Song, do grupo inglês Supertramp, lançada em 1979. Ela estava em todas as rádios na época, um tempo que este escrivinhador musical começava a ouvir canções com atenção e carinho. Certamente muitas pessoas nascidas nos anos 1990 irão lembrar-se da banda Cake, com sua versão anárquica de I Will Survive, clássico da disco music dos anos 1970, transformada numa intencionalmente tediosa canção sobre alguém que vai resistir aos maus momentos para ressurgir em seguida. Cake, grupo de Sacramento, Califórnia, trazia um trompete meio mexicano como uma de suas marcas registradas, que nos faz lembrar do quanto a música latina moderna, descendente de orquestras populares, conservou metais e percussão como traços principais e marcantes.

Outros podem lembrar-se de Close To You, dos ingleses The Cure, Careless Whisper, de George Michael ou o colosso Let’s Dance, de David Bowie, como indicativos do uso de metais em canções pop de grande alcance radiofônico e televisivo em sua época de lançamento ou ampliar sua busca e chegar aos dias de hoje, quando formações como The National, Arcade Fire, Beirut, Belle And Sebastian, Calexico, além do já citado Radiohead, seguem usando os recursos dos metais e sopros com razoável desenvoltura e apreço pela modernidade. Um ótimo exemplo disso está nos moderníssimos Alt-J, que têm uma baita canção revestida pelo uso inteligente dos instrumentos, a ótima In Cold Blood, do seu terceiro álbum, Relaxer, lançado no ano passado. Lembre-se que estamos falando da música popular, deixando de lado, por questões de foco e espaço, todo o manancial inesgotável das produções Soul, Funk e R&B americanas desde o fim dos anos 1950 até hoje.

Seja lá qual for seu artista favorito, notar o uso inteligente de qualquer recurso musical numa gravação é um exercício que todo fã de música não hesita em fazer. Veja os traços marcantes que seus sons mais queridos têm em comum e dê um primeiro e largo passo para entender melhor o que você gosta e de onde tudo isso vem. É boa viagem garantida.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.