Bananada 2018: Duas Décadas do Festival Mais Acolhedor do País

Evento goiano mostra sua importância para região comemorando seus vinte anos de existência

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Fotos: Fotos: Cabra

Ao longo de sete dias, Goiânia serviu mais uma vez como palco para reunião daqueles que gostam, trabalham ou estão à procura de música contemporânea brasileira. Neste ano, o festival Bananada completou duas décadas de existência, comprovando que sabe se reinventar e une diferentes tipos de público em um só ambiente. Inclusive, esse evento nos mostra perfeitamente como quebrar o estereótipo de “roqueiros clássicos fodas”, ao mesclar gêneros como Pop, Hip Hop, Tropicália, Indie em um só lineup — claro, sem perder a identidade e a sensação única de respirar os ares goianos.

Depois de várias edições no queridinho Centro Cultural Oscar Niemeyer (vetado no fim de 2017 pelo governo de Goiás), 2018 foi ano de explorar um lugar chamado de Arena Bananada — espaço montado no estacionamento do shopping Passeio das Águas, distribuindo quatro palcos no total, dois ao ar livre e dois cobertos. Além disso, a produção ainda teve o desafio e a ousadia de fazer algumas mudanças. Nos caixas, pulseiras com QR code ao invés de fichas; opções de chope artesanal no lugar de cerveja comum e a praça de alimentação reduzida em apenas três opções de lanchonetes. Logo no primeiro dia, 11, deu pra notar que essas alterações prejudicaram a circulação e causaram filas entre os banheiros, bares, caixas e área de alimentação. Com diversas reclamações nas redes sociais, o festival deu a volta por cima e nos outros dias esse ar “caótico” foi aliviado, mostrando com maestria que o objetivo do evento é livrar dos “perrengues” aqueles que apoiam a cena brasileira.

Bruna Mendez

Diferente das filas e da organização que precisou se recuperar, a programação se manteve consistente desde o seu primeiro dia. Único ponto negativo foi o atraso dos shows. Já na sexta-feira, as pessoas chegavam e se acomodavam se sentindo em casa, mostrando interesse em desbravar essa viagem musical. Meu primeiro contato foi com Bruna Mendez, artista de Goiânia (session gravada com o Monkeybuzz) que apresentou seu disco de estreia “O Mesmo Mar Que Nega A Terra Cede À Sua Calma” e levou todo mundo para viajar com sua voz incrível e interpretação sensível. “Estou muito feliz em apresentar no quintal de casa”, brincou a cantora depois da canção Brisa. Licença e Vento Bom foram bem recebidas pelo público com fortes palmas. O trio curitibano Tuyo subiu ao palco e fez uma apresentação emocionante ao lado de Bruna. Em seguida veio Gilberto Gil, que participou de oito músicas no show pautado nos quarenta anos do lançamento do álbum Refavela. O projeto e atração de Refavela 40 foi idealizada pelo filho do tropicalista, Bem Gil, junto de Moreno Veloso. O repertório, apesar do nome, não ficou restrito apenas ao álbum de 1977. Homenagem e duas canções de Bob Marley fizeram parte do setlist, uma delas foi Three Little Birds no ritmo de forró.

No palco coberto, mais intimista e prejudicado pelo som, Giovani Cidreira mostrou seu álbum “Japanese Food” com carisma, afinação e uma presença de palco impressionante. E por falar em domínio de palco, o que foi o show de Francisco, El Hombre? O grupo de Campinas se apresentou pela primeira vez em Goiânia na edição de 2015 e conseguiu roubar a cena mais uma vez. Triste, Louca ou Má, composição que desperta sentimentos profundos, às vezes doloridos, emocionou principalmente o público feminino. Já Tá Com Dólar, Tá Com Deus fez o público pular e cantar, lembrando muito o calor do carnaval.

O rapper Emicida conquistou uma multidão no palco Chilli Beans, do momento que apareceu pela primeira vez ao lado de Drik Barbosa com a faixa Mandume, até as mais comerciais e talvez desnecessárias por conta do contexto do setlist, Passarinho e Hoje Cedo. Coruja BC1 também teve presença confirmada, porém participou apenas de uma música. Seu setlist foi pautado em canções mais “pesadas” em críticas, privilegiadas pela formação DJ-MC, sem banda. Já no fim da noite, a programação trouxe os DJs consagrados KL Jay e Cashu. O integrante do grupo Racionais fez um show com sucessos que foram do Trap até à cantora Pop Dua Lipa, enquanto a paulistana que é uma das mentes por trás do projeto Mamba Negra teve o House como maior influência no setlist, deixando a atmosfera mais “agressiva” no decorrer da apresentação. O primeiro dia do festival acabou em clima de festa, com certeza.

Carne Doce

Sábado começou com agradáveis surpresas. Os goianos da banda Lutre fizeram um show com o repertório de seu disco Apego e o cantor e produtor pernambucano Roberto Kramer com o seu projeto RØKR, que criou uma atmosfera incomparável com sobreposições de vozes em lentas batidas e arranjos eletrônicos. Mas, com certeza, o ponto alto do começo desta noite foi com Ava Rocha. Seu repertório pautado no disco “Ava Patrya Yndia Yracema” foi na verdade, uma performance teatral, uma manifestação artística que ultrapassa o formato “quadrado” de álbum. Destaque para as faixas Auto das Bacantes, Hermética e Você Não Vai Passar. Em seguida, tivemos dois shows que, ao contrário de outros, foram favorecidos por serem em um lugar mais intimista e ruidoso. E foi instantâneo. O barulho veio de cara com o duo carioca gorduratrans, que serviu como um som cáustico em todos que estavam ali e depois veio o trio de grandes mulheres, Ema Stoned, que deu continuidade nesta viagem extasiada. Ainda na parte encoberta do festival, tivemos o show do grupo recifense Kalouv, que com a ajuda de projeções ao lado do palco, conseguiu criar uma atmosfera que casasse muito bem com o som — ao mesmo tempo em que flerta com o Dream Pop, Shoegaze e Post-Rock, ele é psicodélico. Inclusive, vale ressaltar que as faixas de seu último lançamento, “Elã”, têm duração um pouco grande para festivais — a menor tem 4:17—, então, eles resolveram encurtar algumas para ter o setlist mais recheado e diverso.

ÀTTØØXXÁ foi responsável por fazer o palco Chilli Beans inteiro remexer ao som de seu arrocha com dubstep, transformando Goiânia em uma pista de dança. O grupo baiano transmite e deixa claro durante o show que não tem medo de mostrar suas raízes, de ser Pop e conquistar a massa. Todas devidamente coreografadas, vale destacar as faixas Elas Gostam (Popa da Bunda), Rebola Raba e T∑M Q¡ S∑ JØG∂R (Tem Qi Se Jogar). Metendo dança, e que dança. Logo em seguida, Carne Doce fez uma das apresentações mais envolventes do Bananada. É impressionante como existe um contraste entre a gravação de um disco e ele em prática no show, principalmente quando o grupo está se apresentando em sua terra. Regional e hipnotizante, era muito difícil tirar os olhos de Salma Jô, vocalista que materializou o álbum “Carne Doce” e “Princesa” em uma presença de palco fascinante. Dentro da celebrada performance, ainda tivemos o privilégio de conhecer três faixas do próximo disco, previsto para o mês de julho: Comida Amarga, que abriu o show; Brincadeira, composição de Dinho Almeida (vocalista do grupo Boogarins) e Golpista.

Carne Doce

Vivendo um momento mais que especial, o rapper Rincon Sapiência figura em vários festivais e shows em diferentes estados pelo país. É notável como o tempo de estrada e a maior confiança são responsáveis por transformar um show aos poucos. Ele estava muito à vontade, dançando e rimando em cima das faixas de seu álbum de estreia “Galanga Livre”, que esteve presente em várias listas de melhores de 2017 (inclusive na do Monkeybuzz). Depois de se apresentar no Lollapalooza deste ano, foi a vez de despertar a vontade de dançar em todos os presentes em Goiânia. Uma das maiores esperas e surpresas foi Pabllo Vittar, que veio com tudo contra o estereótipo “tiozão do rock” citado acima. Todo o show foi animado e contou com as participações de Aretuza Lovi e Titica. Porém, a distribuição de músicas do setlist não ajudou tanto. A artista deixou seus maiores hits para o fim da apresentação, hora em que algumas pessoas já não tinham mais tanto interesse.

Mais que um encerramento do segundo dia, Heavy Baile conquistou todos os presentes com animação eletrizante e até aqueles que não conheciam seu som. Os cariocas seguraram boa parte do público até o final, mesmo passando das 3h da manhã. Um show explosivo com todos interagindo, uma pena que não teve participação de MC Carol.

Rimas e Melodias

Mais uma vez, as bandas locais se destacaram e mostraram estar mais à vontade do que o normal. Diferente dos últimos shows que Boogarins tem feito, este do Bananada só teve “as boas”, como brincou o guitarrista Benke Ferraz. O repertório focou nas faixas mais conhecidas do grupo: 6000 Dias, Foimal, Onda Negra e até Doce, hit do disco de 2013 que eles nem sempre tocam. Além disso, os integrantes estavam interagindo bastante com o público, conversando e fazendo piadas, com direito até homenagem para as mães. Com projeções hipnotizantes, os olhos de grande parte do evento estavam virados àquela viagem lisérgica. Depois veio Rimas e Melodias, apresentação que vale muito a pena por reunir mulheres talentosíssimas em um só palco. “Mulheres pretas continuam morrendo. Marielle morreu lutando por nós, disse Drik Barbosa. Tatiana Bispo, Tássia Reis, Stefanie, Alt Niss, Karol de Souza, Mayra Maldjian e Drik, guarde bem o nome dessas sete mulheres. O último show do evento esteve à altura do fechamento de todos os dias: BaianaSystem, queridinho dos goianos que voltou ao palco do festival depois de um ano. Sua apresentação contagiante roubou a cena, colocando o público para pular, dançar e abrir várias rodas (o número de fãs também foi impressionante). O grupo baiano fez o encerramento do Bananada valer a pena, com certeza.

BaianaSystem

Poucos lugares do país, fora eixo São Paulo, tem o grande poder em juntar um público jovem e com sede de shows como Goiânia. Isso fica muito claro com a quantidade de festivais que acontecem na cidade, além de ser a vigésima edição do Bananada. No entanto, o que mais saltou aos olhos foi o poder de acolhimento e perceber como as bandas locais reúnem multidões tão grandes quanto os headliners. Mesmo com falhas (filas, som prejudicado, atrasos, etc.) o evento encontra sucesso na tarefa de acolher bem seu público. No fim, o saldo é mega positivo: uma porção de amizades novas e uma generosa dose de música. Convenhamos, afinal é para isso que festival serve, certo?

Nos próximos dias, o Monkeybuzz soltará também uma cobertura fotográfica completa do Bananada 2018

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