The Orb: O Futuro Ainda Presente

A música sempre importante de um pioneiro da Eletrônica noventista inglesa

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Quantos artistas em atividade no campo da música popular inventaram um gênero musical? Pois o projeto Eletrônico The Orb, sempre liderado por Alex Paterson, acrescido de colaboradores mais ou menos fixos ao longo do tempo, é responsável único e direto pelo surgimento do Ambient House, em fins dos anos 1980. Sabemos muito bem que décadas e séculos não duram exatamente 10 ou 100 anos, podem ser maiores ou menores. A década de 1990, por exemplo, talvez o século 21, em termos de uso da Eletrônica em estúdios e composição tenha começado lá em 1988, quando Paterson resolveu deixar de ser roadie e partir para o mundo insinuante e novíssimo da Eletrônica via cena musical noturna britânica. Era o tempo do segundo verão do amor, a passagem de 1988 para 1989, quando as raves e a junção do Rock Alternativo inglês com a House Music havia criado o Acid Rock. A bordo dele, gente como The Stone Roses e Happy Mondays lideravam um simpático, colorido e alucinado grupo de bandas, que deram uma boa sacudida na Velha Ilha, abrindo espaço para o que viria ser conhecido como Britpop alguns anos depois e tornando obsoleto tudo feito até então. Pois bem, é nesse tempo que The Orb começa a existir.

A ideia aqui não é mostrar feitos no passado do grupo/projeto. Eles estão aí, disponíveis para consulta em sites enciclopédicos. O que é interessante é mostrar como um artista mantém-se em atividade por 30 anos, com uma proposta de constante busca por novidades e quebra com o sistema tradicional da música popular, baseado em vendas/audiência e lucro. Alex Paterson não deve ter enriquecido, apesar de ter participado de vários festivais de verão europeus ao longo do tempo, ter remixado artistas importantes, de Louis Armstrong a Primal Scream, e lançado 19 discos como The Orb, de 1991 pra cá. Sua proposta era misturar a Psicodelia de bandas sessentistas, Pink Floyd (da qual é fã) à frente, adicionar o conceito da música ambiente de Brian Eno e a liberdade promovida pela lógica do Dub jamaicano, um pai caribenho do remix, de ênfase em graves, simbiose entre baixo e bateria e intervenções de eco em faixas já gravadas. Além disso, Paterson, como todo mundo em seu tempo, fissurado por House, resolveu usar a criação dos clubes de Chicago como fio condutor lógico, desacelerando suas batidas. Deu no que deu.

Os dois primeiros discos de The Orb são clássicos da música Eletrônica noventista, investindo na mesma receita musical acima. Adventures Beyond The Ultraworld (1991) e U.F.Orb (1992) mostraram um outro lado do rescaldo da cena musical surgida nos escombros do segundo verão do amor. As raves continuavam, até na ilegalidade, reprimidas pela polícia do governo Thatcher em fim de feira, mas os participantes chegavam de manhã, chapados, exaustos e precisando de outro tipo de música. As epopeias épicas de The Orb, cheias de efeitos, samples de ficção científica e linhas de baixo calcadas no Dub, erguidas por baixistas amigos, como Youth, do Killing Joke, tinham efeito revigorante nos pobres sujeitos. Nessa propaganda feita in loco, diretamente nas boates londrinas daquele tempo, o projeto foi consolidando seu nome e marcando presença nesta que foi a cena musical mais criativa dos anos 1990, marcada pelo surgimento de artistas, DJ’s, grupos e remixadores, todos ao mesmo tempo, lançando discos, singles e compilações gravadas em estúdios próprios, em casa, desafiando limites comerciais e radiofônicos, nem por isso deixando de cativar públicos consideráveis.

No caso do Orb, a produção discográfica sempre foi constante, alternando EPs, singles e CDs, que surgiam em profusão, mantendo Paterson numa estranha vanguarda estética que poucos foram da Inglaterra chegaram a conhecer. Quando a cena eletrônica inglesa surgiu medianamente aqui, já no fim da década, gente como The Chemical Brothers e Fatboy Slim, com trabalhos mais Pop e convencionais, se tornaram conhecidos, restando um obscurantismo maior para o pessoal que apostava na flexibilização de limites estéticos, caso de The Orb. Logo depois, com a virada do milênio e o surgimento da insossa EDM, todos esses pioneiros estetas revolucionários foram arremessados para a obsolescência, mesmo tendo um compromisso artístico muito maior e mais relevante que os David Guetta da vida.

Felizmente não houve encolhimento por parte de muitos desses pioneiros e Dr.Alex Paterson seguiu produzindo e gravando. Nos anos 2000 ele adentrou o selo alemão Compakt, deixando as pequenas gravadoras inglesas e a distribuição mundial do prestigiado selo Island (responsável pelo lançamento de alguns poucos discos da banda por aqui no passado) para trás. Essa medida deu ainda mais liberdade para Paterson. Ele gravou parcerias com dois ídolos: David Gilmour, que coestrelou o bom Metallic Spheres, em 2010, lançado aqui pela Columbia, e Lee “Scratch” Perry, pioneiro do Dub, em dois álbuns sensacionais em 2013. Desde então, The Orb lançou dois álbuns (Moonbuilding 2703 AD e COW – Chill Out World, abrindo caminho para o mais novo lançamento, o ótimo No Sounds Are Out Of Bounds, há alguns dias e devidamente resenhado aqui.

A música de Paterson segue procurando o futuro, mas sem alarde e mídia. Acredito até que ele já tenha encontrado um tempo próprio, no qual limites foram/são quebrados sem que haja aquela perda de substância advinda do compromisso com lucros, mídias, marketings e demais acessórios atuais. The Orb tem sua discografia minuciosamente disposta no Spotify e em outros mecanismos de audição, pronta para ser descoberta e amada por quem não tem muitos limites. Suas criações são perfeitas como trilhas sonoras caóticas – ou não – para um cotidiano que pode nos engolfar se deixarmos. Algumas dessas gravações nos concedem proteção para isso. Conheça.

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ARTISTA: The Orb
MARCADORES: Redescobertas

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.