Nick Cave: Restaurador de Almas

“O Brasil parece estar em um outro nível de ódio”, comentou o músico em passagem pelo país

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Fotos: Divulgação

(colaborou Gabriel Rolim)

Nick Cave possui uma dessas presenças que preenchem todo um espaço, que fazem todas cabeças se virarem em sua direção assim que ele aparece. Dono de um olhar intenso e de uma fala carregada de ironia e de significado, o artista australiano retornou a São Paulo depois de 25 anos para trazer sua música e sua personalidade em uma das épocas mais difíceis da história recente do país – “o Brasil parece estar em um outro nível de ódio”, em suas palavras.

“Eu tive uma vida brasileira por um tempo, uma vida em São Paulo”, contou o músico, “tenho um filho brasileiro. Não vim apenas visitar a Bahia, usei uns percussionistas e fui embora”. Sua relação com o país foi reafirmada durante entrevista coletiva para a imprensa na quinta, 11 de outubro, e repetida no show do domingo, 14, no Espaço das Américas, ambas ocasiões que mostraram como seu carisma e sua intensidade parecem combinar tão bem com o Brasil.

Obscuro sem perder o bom humor, não é difícil olhar para aquela figura na sua frente e combiná-la com o que ouvimos em seus discos. No show, a entidade Nick Cave torna-se ainda mais grandiosa e, consequentemente, suas músicas também. Suas composições música se transformam entre os extremos do amor e da raiva de forma tênue – a entrega e o sentimento pelo que é passado se torna semelhante a uma celebração religiosa na qual a figura do músico canaliza as emoções também sentidas pelo público. Isso vale tanto para as faixas mais antigas, mais Rock’n’Roll, quanto para as mais recentes, calcadas em um Spoken Word ritualístico.

“O que um compositor faz é sair daquilo que conhecemos para entrar em um mundo desconhecido, o da imaginação, para lidar com aquilo que não sabemos”, disse ele durante a coletiva, “por isso o trabalho criativo é espiritual”. Em uma semana em que Roger Waters foi notícia por todo o país por sua mensagem política explícita nos shows, Cave preferiu catalisar o sentimento presente nas ruas para, em meio a mensagens sobre o quanto ama o local, cantar Into My Arms como uma prece ao país.

“O que eu tento fazer com minha música em qualquer lugar onde toco não é curativo, nosso trabalho é transformador por natureza”, disse Cave, “e eu espero que as pessoas se sintam restauradas, de certa forma. Não estamos tentando resolver os problemas do mundo – deixo isso para Roger Waters -, queremos restaurar as almas”.

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Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.