Música Pra Você

A relação do ouvinte com a obra do artista pode ser, além de intensa, pessoal e íntima. Entenda mais

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Fotos: Gui Moraes

“Você faz uma música falando de você, aí aquela pessoa longe pra caramba ouve, se identifica, e agora a música fala dela, então aquela música parece ser tão dela quanto sua. Na minha opinião, não é o meu sentimento e a minha vida que estão naquela música, aquela música ta pra representar todo mundo que se identifica com ela, sabe? É como se eu compartilhasse daquela música tanto quanto a pessoa que ta ouvindo, nós dois ouvindo aquela música e se identificando com ela. Não vejo como uma coisa minha que estou “dando pra alguém”, vejo como uma coisa minha que eu botei no mundo pra todo mundo compartilhar, inclusive eu.”

Cícero me contou isso em uma entrevista há um ano e pouco, quando conversávamos sobre o quanto seu Canções de Apartamento teve aceitação de um público que visivelmente se identificava com sua música. Eu poderia provar isso só pela quantidade de versos seus espalhados e divulgados pela Web, mas conheço dúzias de pessoas que se enxergaram claramente nas letras do moço, incorporando as dez faixas do álbum não só a suas playlists, mas também a momentos de autorreflexão, já que as músicas as ajudam a conhecer mais de si mesmas.

E é claro que esse é só um dos milhares exemplos de histórias de gente que ouve o que um artista escreveu e pega aquilo pra si. Mais do qualquer outra forma de arte, a música é capaz de mexer bem fundo nas pessoas imediatamente – e poucas situações são tão preciosas quanto se emocionar de primeira com uma canção. A intensidade disso permite que uma relação bem possessiva acontece. “Essa é minha música” – quem nunca ouviu, ou mesmo disse, uma coisa dessas? E, como o Cícero falou, é bem isso mesmo. Ver-se a si mesmo na obra que outra pessoa fez te dá a sensação de que ela foi feita especialmente para você.

Isso costuma acontecer a partir das letras, como foi o caso de Canções de Apartamento, mas pode também ter a ver com uma relação de espaço e tempo – aquele momento e/ou aquele lugar em que aquela foi a trilha sonora da sua vida. É a faixa que te transporta para aquela viagem ou para uma época da sua vida, ou mesmo te lembra especialmente uma pessoa.

Mas o que ocorre também é uma certa empatia que você pode criar, imediatamente ou não, ao ouvir uma certa música ou disco. É aquela guitarrinha que te faz querer dançar, uma percussão que te faz batucar automaticamente na mesa ou um refrão que é apenas bom de cantar. Talvez ninguém precise explicar tanto, aquela canção apenas te faz bem.

Talvez também quem passe por isso tenha uma noção mais definida do que significa o gosto. Você pode achar vários sons interessantes por diversos aspectos, admirar alguns artistas etc, mas tem músicas que você apenas gosta. Ou ama. E até nessas horas o amor pode ser cego.

Acima de tudo, da mesma forma que acontece com qualquer forma de arte, cada obra musical pode ter um significado único e exclusivo para cada pessoa que a ouve – e poucas coisas me fazem tanto sentido especialmente em uma época de tantos fones de ouvido, quando escutamos nossas músicas sozinhos. Tê-las como meras companhias, ou mantê-las longe em um plano em que só existam como parte de cenas, estilos ou discografias distantes, é desperdiçar grandes amizades em potencial que você pode encontrar nelas.

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Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.