Oito anos sem lançar um álbum já seria argumento suficiente para responder a pergunta do título, mas não é só uma questão de tempo. Daft Punk foi alvo de blogueiros, críticos e curiosos há bons meses tentando descobrir detalhes da possível volta dos robôs, gerando boataria e, obviamente, muita expectativa. Desde nomes falsos para a obra, até faixas hipotéticas (e erradas), tudo girava em torno da esperança de que o mito da Eletrônica voltasse. Mas por que essa volta é tão importante para a música?
Thomas Bangalter e Guy-Manuel não são somente produtores ou DJs com uma identidade musical. A dupla é reconhecida fortemente por sua força de perfeccionismo e controle musical. Pequenos detalhes são fundamentais para que se passe uma mensagem ou encontre a melodia correta. Em uma época em que boa parte da nova leva de produtores mantém seus conhecimentos em cima de packs prontas, sons sintéticos e produção digital, Daft Punk sabe a fundo tudo sobre todos os processos fundamentais que levam à execução da música, desde a captação de som até o uso da gravação com o microfone correto. Esse domínio avançado trouxe para eles uma liberdade sem fronteiras de criação, de chegar geralmente onde não têm ousadia, de ter um som sempre à frente do tempo.
Essa liberdade é usada e abusada por ambos. A dupla permanece em estúdio por muito tempo para que se construa um conceito, se execute de forma impecável. E nada disso faria sentido se não houvesse uma mensagem nova a se passar e, por conta disso, cada álbum do Daft Punk tem uma proposta distinta e igualmente talentosa. Desde o mais comercial de Homework (1997), ou o início da era eletrônico-vintage com o magestral Discovery (2001) até o Electrorock minimalista de Human After All (2005), todos passam por gêneros diferentes – do French Electro às batidas reconhecidas de Hip Hop -, influências ora sessentistas ora oitentistas, mostrando uma capacidade gigante em metamorfose, adaptação e originalidade. Cada qual com a necessidade que os dois sentiam carência na época.
Random Access Memories é o quarto álbum do duo francês e segue a linha de inovação que todo trabalho do Daft Punk possui. Em crítica, Thomas e Guy falam bastante sobre a falta de intimidade e impessoalidade que o EDM tem hoje. A produção atual aleatória, “na sorte”, apenas pela busca de sons que combinam, já teria estagnado e tornado tudo repetitivo, sem “alma”. E é exatamente nessa última palavra que Daft Punk aposta no novo CD. Resgatar o Soul, trazer de volta o Groove de uma época em que a música realmente tinha uma importância na vida das pessoas, naquele tempo em que uma música movimentada multidões, ela tinha vida e ritmo. A regressão dos anos 80 para os 70 é coerente com a proposta de caminho inverso à ideia DF, conseguir uma humanização dos robôs, uma criação de vínculo, de vivacidade. E para isso, os tradicionais vocoders robóticos foram trazidos para forma mais humana possível, os sintetizadores receberam um apelo maior do analógico, e as batidas sampleadas foram substituídas por bumbo de bateria e riffles de guitarra. Tudo para tornar a melodia mais única possível. Buscaram Nile Rodgers pra isso, rei do Groove, responsável pelo hit Le Freak, pra não ter que citar as outras dezenas de sucessos.
O álbum contou com uma estratégia de marketing absurda. A começar pela liberação do loop, que todos agora já conhecem, de Get Lucky, no site do projeto, bem parecido com o que fizeram em Voyager (Discovery). Depois, em março, quinze segundos da música durante os comerciais do Saturday Night Live. E agora, há duas semanas, a jogada mais ambiciosa: a veiculação de pedaços de um possível clipe do primeiro single no Coachella, com a presença de Pharrell Williams e o legendário guitarrista Nile Rodgers, e a lista completa de todos os colaboradores de RAM – na lista também: o grandioso Giorgio Moroder, o vocalista do The Strokes Julian Casablancas, cantor do Animal Collective Panda Bear e o incrível Chilly Gonzales, entre outros. A atitude fez surgir uma leva de remixes para Get Lucky (até então nem lançada oficialmente) de produtores querendo aproveitar a onda pela visibilidade e até colagens tentando passar pela música original.
Em paralelo a isso, começaram a soltar curta-documentários com entrevista aos próprios colaboradores sobre o que estava por vir e onde cada um entrou e agregou no trabalho. Um (enorme) pitada de sensacionalismo aqui e ali, mas com muito conteúdo que nos faz sentir mais perto da realidade do o que é e como funciona, de fato, a produção de um álbum pelos robôs.
Resultado? Get Lucky chegou em número 1 de vendas no iTunes em 46 países, ensinando uma lição a todos os produtores que vangloriam o artificial. O que esperar disso? Expectativa gera frustração? Depende. Analisando a partir de um ponto de vista que “hitaram” um loop por quatro minutos ininterruptos não parece digno do brilhantismo do Daft Punk. Gosto de enfatizar que o Groove funciona e o loop é incrível, só proponho a reflexão de que estender o mesmo riff não parece condizente a tanto barulho. Mas, por fim, seria errado tentar resumir toda uma obra em cima de um único single. Quem tentar analisar o álbum através de um prisma eletrônico do French Electro vai certamente se frustrar. Guy e Thomas não têm a responsabilidade de seguir com a linha eletrônica pesada nas costas, mas de trazer uma nova tendência, provar por que o Daft Punk tem toda uma fama por se preocupar em mudar um cenário e inovar com uma proposta futurista. E isso inclui sair da comodidade da CDJ e trazer um ar de banda ao Daft Punk, assim como o vídeo no Coachella mostrou. Random Access Memories será lançado no dia 21 de maio (17 de maio na Austrália) e tem todos os motivos para que seja o álbum mais esperado de 2013.