A Jam Dos Iroquois – Remasterizada e Ampliada

Enquanto a Sony Music relança os três primeiros trabalhos da banda, relembramos as boas obras de uma das mais populares bandas do Reino Unido

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Imagine integrantes de uma tribo indígena americana tocando instrumentos de Funk e sacolejando as cadeiras num bailão Funk setentista. A idéia – estapafúrdia, pra dizer o mínimo – surgiu da mente de Jason Kay, um nativo de Manchester, filho de uma cantora de Jazz com certa projeção na cena local. Jason parecia não gostar de muitas coisas em casa, tanto que já estava vivendo nas ruas aos 15 anos. Chegou a ter uma vida agitada, cometendo alguns pequenos crimes até ser esfaqueado e quase morrer. Após esse incidente, JK decidiu que era cedo para sair de casa, voltando em seguida. Para substituir a vida de pequeno outsider, ele decidiu acrescentar grandes doses de música em seu cotidiano. Algum tempo depois, a tal tribo fazendo uma jam surgiu como o nome de seu projeto musical, que consistia numa vigorosa imersão no universo do Soulfunk dos anos 70.

Jason já havia composto e gravado uma demo de When You’re Gonna Learn em 1992 quando o selo Acid Jazz se interessou e resolveu lançá-lo como single. O projeto deixou de ser pessoal para compreender todo o pessoal que tocava com JK na época, a saber, o baterista Derrick McKenzie, o tecladista Toby Smith, o baixista virtuoso Stuart Zender e o vibrafonista Wallis Buchanan. Com o sucesso do single, logo o Jamiroquai estava no estúdio para gravar seu primeiro disco, a se chamar Emergency On Planet Earth, cujo lançamento aconteceria em agosto de 1993.

Interessante lembrar que o mundo estava voltado para o eixo USA-UK, mas não dava ouvidos a nada que fosse estranho ao Grunge ou ao Britpop. Haviam cenas interessantíssimas na Inglaterra, sobretudo o que se entendia por “Techno”, mas que abrangia Drum’n’Bass, Trip-Hop, Jungle, Big Beat, entre outros termos. Esse pessoal começava a ganhar seu espaço nas paradas e publicações mas outra cena, menos conhecida, também estava em ebulição: o renascimento dos grupos e artistas de Funk inspirados na matriz americana dos anos 70. Gente como Brand New Heavies, Incognito e M People já apareciam para o mundo e o Jamiroquai veio cerrar fileiras com esse pessoal. Com a junção de um elemento ideológico de preocupação com a ecologia. A própria menção à tribo dos iroquois vem da admiração de JK pelo modo como viviam, sempre respeitando a natureza. Além disso, o jovem ainda fazia questão do uso de um instrumento cuja origem remontava aos aborígenes australianos, o didgeridoo. Semelhante a um berrante, maior, com uma sonoridade grave, o artefato era marca registrada nos primeiros shows da banda.

Ao ouvir When You’re Gonna Learn no rádio, você tinha a impressão de que Stevie Wonder – ou alguém muito próximo dele – havia gravado algo moderninho e legal. Quando a informação de que um bando de ingleses branquelos havia cometido a faixa, não havia outra escolha a não ser comprar o primeiro disco daquele pessoal. Além do primeiro hit, Too Young To Die fazia bonito nas pistas de dança e paradas de sucesso ao redor do mundo. Além disso, a faixa-título, instrumental, parecia saída de algum disco de música brasileira dos anos 70, com um potente groove impulsionado pelo baixo de Zender, lembrando muito alguma faixa perdida do Azymuth. Os USA ainda estavam imunes ao efeito dançante dos sujeitos mas capitulariam em breve.

O segundo disco do Jamiroquai, The Return Of The Space Cowboy, lançado em 1995, ajudou os rapazes a adentrar o maravilhoso mundo do mercado japonês. A terra do sol nascente sempre foi fissurada por sonoridades que remontam à encruzilhada Pop/Funk/Lounge dos 60/70, logo recebendo o novo trabalho dos rapazes de braços abertos. Dessa vez, a ecologia estava em segundo plano, substituída por uma ambiência espacial no sentido “futuro do pretérito” do termo, ou seja, aquele futuro idealizado, imaginado nos 60/70 mas que nunca se realizou. O mergulho no oceano do Acid-Funk era mais profundo agora, tornando a sonoridade da banda mais limpa, trazendo uma perda significativa de impurezas necessárias ao bom Funk. De qualquer maneira, a versão para Space Cowboy, original da Stevie Miller Band e Light Years, adentraram as paradas com ímpeto, enquanto o disco era mais e mais executado na Europa e Japão. Mesmo assim, o rapper Guru chamou Kay e Zender para uma participação no segundo volume de sua série Jazzmatazz, mostrando que a conquista dos USA era uma questão de tempo.

No ano seguinte, 1996, a banda soltou seu terceiro disco, Travelling Without Moving e, finalmente, chegou aos ouvidos norte-americanos. Com uma sequência de quatro sucessos, a saber, Virtual Insanity, Cosmic Girl, Alright e High Times, a banda cravou seu nome na terra do Tio Sam. Credenciada por um clipe inventiVo e intrigante, “Virutal Insanity” varreu a MTV ao redor do mundo e deu à banda espaço para se apresentar no MTV Video Music Awards de 1997. Nesse embalo, ainda gravariam uma faixa para a trilha sonora de Godzilla, “Deeper Undergound” e enfrentariam sua primeira crise, que culminaria com a saída de um dos responsáveis pelo pedigree sonoro da banda, o baixista Stuart Zender. Aqui nossa história é interrompida.

Sabemos que o Jamiroquai seguiu em frente, lançaria novo disco em 1999, Synkronized, e está na ativa até hoje, basicamente levado adiante pela mente fértil e criativa de JK. O que nos interessa nesse pequeno texto é avisar a todos que a Sony Music está relançando estes três primeiros discos em versões duplas remasterizadas, cada uma com um disco bônus cheio de sobras de estúdio, versões ao vivo e remixes até então contidos em singles que valem fortunas nos e-bays da vida ou que estão fora de catálogo.

Esse Jamiroquai inicial guarda os elementos originais da banda, entre eles, o flerte com algum revestimento ideológico, estético ou mesmo uma maior espontaneidade musical. Com o passar do tempo, JK foi deixando esses temperos de lado e se tornou, de fato, um dos mais bem sucedidos artistas do Reino Unido, dono de uma coleção de Ferraris (a paixão do cantor pelo automóvel italiano já é revelada na citação explícita na capa e contracapa de Travelling Without Moving). De qualquer forma, é uma oportunidade para conhecer melhor uma banda que manteve-se na ativa enquanto grunges e britpoppers caminhavam pela Terra e que está em seu vigésimo ano em atividade. O tempo passa rápido, amigos.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.