Entrevista: Guilherme Arantes

Mestre do Pop brasileiro falou sobre a carreira de músico, fazer o que gosta e seu recém-lançado disco, “Condição Humana”

Loading

Guilherme Arantes está lançando Condição Humana, um novo disco de canções inéditas. Ele permanece como um dos maiores hitmakers do Pop nacional, na verdade, de uma forma de compor, tocar e cantar em português que era conhecida como “Pop” entre as décadas de 1970 e 1990, mas que foi, aos poucos, sumindo do mapa. Guilherme manteve-se na ativa mas fez um movimento estratégico em direção a Salvador, onde se instalou no início do milênio. Lá ele construiu com muito suor o estúdio Coaxo do Sapo, nome que também deu a um selo, responsável por lançar alguns artistas. Adotando uma postura mais low profile, Guilherme não deixou de compor e fazer shows, estando sempre presente nas mentes de antigos fãs e influenciando novos artistas. Seu maior pupilo, Marcelo Jeneci, é um grande exemplo. Fábio Goes, outro. Depois de tempo suficiente sem lançar novas canções, Guilherme solta o novo disco, Condição Humana. Voz, teclados, estilo, está tudo intacto. Letras mais ácidas, mais dispostas ao questionamento dos rumos que o mundo tomou também saltam aos ouvidos. É o velho Guilherme com alma contestadora e disposto a falar de si mesmo, por si mesmo, para seu grande público.

MonkeyBuzz foi ver de perto como esse processo aconteceu.

Monkeybuzz: Seu último disco, Lótus, é de 2007. De lá pra cá, você se mantém na ativa, fazendo shows, lançando novos artistas em seu selo. Como é ter que responder a perguntas sobre a sua “volta”?

Guilherme Arantes: É normal, como são normais as sumidas e as voltas, sempre foi assim, é a dinâmica da profissão, em 37 anos sempre foi um prazer reaparecer com ideias novas, um produto surpreendente, é bem legal.

Mb: Você considera Condição Humana como um disco de redenção?

GA: É claramente um disco de “combate”, de luta… Pra mim, a repercussão foi acima do esperado… Essa “redenção” vem também de fatores laterais, um estúdio aberto pra novos artistas, o selo, oxigenar a carreira com novos pontos de ligação, tudo contribui muito.

Mb: Como você define a proporção existente entre liberdade criativa e indústria musical?

GA: Acho que a imposição de gêneros predominantes traça prioridades na expectativa dos novos, então compromete um pouco a liberdade criativa. Mas a Internet representa um marco nas relações com o público, apesar da pulverização. O clima de hoje em dia é bem menos verticalizado. Em décadas passadas era mais complicado conseguir sair com trabalhos novos, tudo dependia de diretorias, de A&R, hoje cada um faz o que quer, mas é bem mais difícil se destacar, ter um lugar ao sol, porque tem muita gente saindo simultaneamente e não tem mídia pra todos.

Mb: Você descreve o cenário musical atual como algo muito ruim? Quando você acha que essa situação se estabeleceu?

GA: Não é que o “cenário atual” seja ruim. O que está ruim é a estrutura antiga desmoronar e não se oferecerem as mesmas oportunidades pra carreiras artísticas consistentes. Tudo é mais volátil. Essa situação se estabeleceu a partir da segunda fase da revolução digital. Na primeira fase, começo dos anos 90, as “majors” deitaram e rolaram… A capacidade de replicação industrial do digital, 10 vezes maior que o vinil, possibilitou carreiras fulminantes em números, trouxe uma verticalização do “jabá” (em forma de “promoções” na mídia). Mas logo em seguida – 10 anos depois, já nos anos 2000 tudo se mostrou uma miragem. O Digital seria uma armadilha com a replicação generalizada, descontrolada. Ficou demonstrado que o vinil era bem superior pra se construir carreiras de artistas e impérios fonográficos. Mas ainda há espaços para surpresas, para o bem e para o mal. Para o bem, existe a democracia digital. Fazer disco na favela, no gueto, é incrível, é algo altamente subversivo.

Mb: Ainda sobre o cenário musical, como você imagina que seu público se renova e mantém-se fiel a você em meio ao que se ouve hoje em dia?

GA: A renovação é devagarinho, não é de assalto. Existe um problema geracional – é muito improvável netos, filhos , pais e avós gostarem das mesmas coisas… Sei que tenho um público cativo porque fiz algumas músicas legais que ficaram, viraram clássicos. Não é tudo maravilhoso. Muita coisa ficou pra trás. Mas se em 450 músicas, dez ou quinze ficarem, a gente faz parte de um seleto grupo de privilegiados. Mas vejo muitos pais com filhos e netos me curtindo – e assim é o Roberto Carlos, também. Tem muito a ver com o público feminino, que não apresenta compartimentos geracionais tão radicais quanto entre os homens… Será que serei um dos pioneiros nisso? Porque o “geracional masculino” é uma das regras-pétreas do mercado. Cada geração tem sua época e seus porta-vozes. Também acho que uma guinada, um artista “velho” se tornar um pouco mais “rebelde” e inconformado nas letras, nas canções, pode trazer essa novidade. Vamos ver. Hoje em dia, sou pé-no-chão e estou aí pra experimentar e aprender.

Mb: Condição Humana é muito bem produzido por você. Como você vê a função do produtor musical? Das mudanças ocorridas no processo de gravar e viabilizar discos, qual a figura que você acha que faz mais falta?

GA: A figura que mais faz falta é a dos produtores apaixonados pelo que fazem, pelo lado humano, pela substância emotiva, lidando com vidas. Foi isso que se perdeu. Isso tem que se resgatar. O André Midani era um apaixonado pelo negócio da música. No livro dele explica que tudo perdeu sentido, perdeu sonho, quando o mercado caiu nas mãos de corporações gigantes, onde quem passou a mandar são acionistas, investidores frios , corporativos…distantes do estúdio, dos microfones, do amor em fazer a música. Veja-se o exemplo do Steve Job: não precisa dizer mais nada. Um apaixonado basta pra gerar uma revolução. A nova ordem daqui em diante ditará que só o amor valerá alguma coisa e gerará as “corporações emotivas” do futuro.

O Ahmet Ertegun e seu irmão Nesuhi foram muito importantes para o Ray Charles. O George Martin, para os Beatles. O Phil Ramone, o Ezequiel Neves, o Guto Graça Mello, o Aloysio de Oliveira, o Brian Eno, Malcom Mc Laren, Trevor Horn, todos foram ou são apaixonados pela “coisa” da música. A “coisa” não é a grana. Grana qualquer medíocre fabrica. Sonho e lenda, não.Eu trabalhei com um montão de emotivos, que choravam com as minhas músicas, Marcos Maynard, Max Pierre, Mazola, Liminha. Vivenciaram lendas, sonhos. Isso sempre ficará. Mas eles tinham uma indústria refinada por trás. Tudo isso faz muita falta. Acho que faço parte de um movimento, dos amantes da música.

Pra nós, a música retornará , “cairá no nosso colo”, porque ela é uma deusa misteriosa e exigente, procura sempre o amor para existir. E eu tenho muito amor pela música, quanto mais eu for velho, mais amoroso vou ficar. Me recuso a ser ranzinza, embora seja um “direito” – e às vezes, um dever.

Mb: Seu trabalho passou por mudanças ao longo da década de 1990, quando você ainda estava vinculado a grandes gravadoras. Você diria que a grande ruptura se deu com o disco Piano Solos, totalmente instrumental, lançado em 2000? Como foi fazer esse disco?

GA: Era um antigo sonho que eu realizei, graças à revolução digital… Vendeu pouquinho, porque instrumental é assim. Mas ajuda a construir uma “lenda pessoal” que é valiosíssima. Quando se faz o que se gosta, no lucro você já está. As pessoas se sacrificam, fazendo coisas que não gostam, pra um dia terem tempo e poderem fazer o que gostam – é besteira, perda de tempo. Nem sempre se consegue viver dessa forma, porque a grana é implacável, existe a fome, o despejo do aluguel, a humilhação do sonhador…. Mas o grande negócio é sempre fazer o que se ama. Porque o lucro já existe no valor agregado desde o início – não fica pra depois. Depois, pode nem existir. Foi assim que eu fiz esse instrumental. Por prazer.

Mb: Condição Humana foi gravado em um mês. Como você selecionou o repertório para o disco?

GA: Eu vinha armazenando uns temas aqui, outras letras ali, mas eu precisava parar de fazer show pra conseguir consistência. Esse é o meu conselho pra artistas hoje em dia: planejem uma parada de shows ao vivo, por mais que o mercado esteja aberto pra sempre ganhar um troquinho, numa viagem, tem que parar pra “escrever o livro” pessoal. Sem laboratório, sem estúdio, não dá. Ficar postando ideias em migalhas na rede, também pode ser contraproducente, não acumula energia. Foi só parar e encarar o desafio, que as músicas foram pipocando naturalmente, porque tenho um “radinho de pilha” tocando lá dentro de mim.

Mb: Quando você compôs Onde Estava Você tinha alguém específico em mente?

GA: Fiz acompanhando a maturação dos meus filhos, vendo as amizades deles que ficam pra trás na vida, e fiquei comovido ao olhar as minhas amizades que também sofreram com o passar do tempo. Sempre o tempo como tema…

Mb: Você acha que a presença de artistas da nova geração como Tiê, Tulipa Ruiz, Thiago Pethit e, sobretudo, Marcelo Jeneci, vão apresentar teu trabalho para um outro público?

GA: Acho que sim, eles espelham muito o mesmo amor pela arte deles, que é importante, guarda uma inocência e um sonho, um ideal. Nisso acho que eles me vêem como um exemplo de resiliência, de prazer, que a luta pela grana não contaminou.

Mb: Há uma grande carga de crítica ao momento atual do mundo em Condição Humana, mas envolto em belas melodias e sua habitual técnica no piano. Como você consegue equilibrar esses dois aspectos?

GA: Sei lá, acho que o tempo de maturação, a idade, ajudou a arredondar tudo em torno daquilo que eu sei fazer. Não tem aventuras fora da especialidade, fica coeso, integro. Também o desprendimento da idade ajudou. Aos 60, você volta a ser meio criança, sem papas na língua, sem o “projeto de sedução”, que é um filtro existencial, social, que prejudica um pouco a franqueza, a transparência. A gente envelhece pra ficar mais livre.

Mb: Você começa uma turnê nacional em junho, no Vivo Rio. Já há shows confirmados em que lugares?

GA: Tem também o Sesc Pompeia nos dias 28 e 29 de Junho. Vamos rodar capitais levando a banda, cenário, duas vocalistas, alguns convidados aqui e ali…Vamos ver o que dá pra fazer.

Mb: Alguma canção do disco novo já desponta como candidata a hit ou como sua preferida?

GA: Olha, nesse disco ficou difícil pinçar uma. A primeira balada tocando é Tudo que eu só fiz por você , que a gente escolheu por ser bem a minha cara tradicional, pra abrir caminho. Já está tocando e estou bem feliz. Só o tempo (mais uma vez o danado do tempo) dirá o que vai cair mais no gosto das pessoas. Mas esse mistério também tem o seu prazer.

Loading

MARCADORES: Entrevista

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.