Neutral Milk Hotel – Jornada, não destino

A banda volta para uma nova turnê após quinze anos, portanto analisamos seu maior clássico e o porquê continuam relevantes até hoje

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In the Aeroplane Over the Sea é o icônico, lendário, clássico, cultuado segundo álbum da banda americana Neutral Milk Hotel. A banda anunciou recentemente que voltará para nova turnê, algo que os fãs aguardavam há quinze anos.

Duas reações são comuns a respeito do disco: alguns amam e outros não entendem porque os primeiros amam. Até aí, nada de anormal, já que é um disco simples, pouco produzido e que acrescentaria muito pouco sem suas letras cheias de significado, beirando um surrealismo que serve de barreira para a identificação de muita gente. Inclusive, é algo a ser discutido em um artigo futuro, a dificuldade das pessoas em se soltarem das amarras narrativas tradicionais e aceitarem um pouco de sonho e imagens fantásticas em suas vidas. Para muitos, é mais fácil entender as críticas políticas de um disco instrumental do Godspeed You! Black Emperor do que assimilar uma faixa sobre um garoto de duas cabeças.

Mesmo assim, é perfeitamente possível perceber os motivos musicais que colaboraram para a lenda que se tornou ITAOTS.

Para quem nunca ouviu, a banda consegue misturar Noise Rock, Psicodelia e Folk de uma maneira poderosa, com melodias crescentes e épicas que buscam entregar ativamente algum significado e não apenas esperam que tentemos desvendá-lo. O álbum é muito bem arranjado e ganha a força da adição de instrumentos de sopro, que adicionam um alívio melódico nas cordas, e baterias rápidas presentes em boa parte das faixas. Impossível não citar a maneira única de cantar de Jeff Mangum, considerada desafinada por alguns, mas que impressiona pela quantidade de palavras que consegue jorrar em uma única respiração. A sensação é de que Jeff, ao cantar, está criando as letras naquele exato momento, de improviso e que a melodia simples acompanha esta espécie de “repente Folk”.

Toda a ideia do improviso é deixada de lado ao tentar analisar as composições de Jeff. O disco é coeso, conceitualmente muito bem definido, com suas letras enigmáticas que te forçam a buscar um significado, mas que fazem o ouvinte dar de cara no surrealismo frequentemente comparado a um Alice no País das Maravilhas para adultos, em que a fantasia acontece no mundo real. Aliás, em plena segunda-guerra mundial, temática que permeia a obra. Uma das inspirações assumidas pela banda foi o Diário de Anne Frank, mais um elemento que nos faz buscar tais referências em suas letras, ocasionando mais tentativas frustradas de pensar em narrativas individuais com começo, meio e fim em cada faixa (apesar de seus títulos e alguns trechos darem sinais de que devem ser consumidas daquela maneira.)

O segundo e para muitos principal motivo da lenda, é a espécie de mito que se criou e que é alimentado por novos fatores a todo momento. O disco ganhou esse status de clássico cult, por muitos listarem como seus álbuns preferidos, mas não pavonearem isso como a maior parte dos fãs de outras bandas costumam fazer. Muito disso deve-se a esse surrealismo que impede trechos das músicas de ilustrarem nicknames no extinto MSN ou Tweets em 140 caracteres. Esse é um disco para ser ouvido sozinho, sem funcionar muito como música de fundo para o trabalho ou estudos. Dessa maneira, ele é preciso ser apreciado como um audiolivro como se contasse um sonho de Jeff Mangum.

Cada um tem seu motivo para gostar ou não do disco, mas para muitos, é impossível negar essa relação de amor pelo enigma trazido, ou pelo menos para tentar entender o motivo de tanto amor de outras pessoas. Fazendo uma analogia bizarra, é como dizer que seu jogo preferido é um cubo mágico, sem nunca ter terminado um.

Mas então, qual seria a relevância do Neutral Milk Hotel ainda hoje, quando o público que teoricamente se interessaria pelo disco, está procurando cada dia mais a complexidade na música?

Talvez sua importância seja justamente essa, de trazer essa simplicidade de volta. Esse respiro de espontaneidade em momentos de muita procura pela complexidade é importante em qualquer elemento cultural. Principalmente pela máxima de que para desconstruir de maneira relevante, antes é preciso saber construir e está cada vez mais difícil encontrar essa identidade e personalidade calcadas na simplicidade.

Ao mesmo tempo, não faz-se necessário tentar dissertar tanto sobre o retorno da banda aos palcos. Essa discussão teria mais validade caso houvesse o lançamento de material novo, o que causa ansiedade e ao mesmo tempo medo por parte dos fãs, já que os elementos que agradam a maioria no disco, dificilmente serão replicados ou readaptados em uma nova obra. In the Aeroplane Over the Sea parece vagar sozinho em seu país das maravilhas, onde tratar a banda que o criou como qualquer uma, que lança novos trabalhos, faz turnê, vende e divulga discos é uma heresia e tiraria o disco de seu pedestal cult para todo o sempre.

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MARCADORES: Redescobertas

Autor:

Nerd de música e fundador do Monkeybuzz.