Entrevista: André Mendes

Falando um pouco de seu novo disco, a relação com a política e a música atual brasileira, André Mendes nos deu um pouco de seu tempo para uma entrevista exclusiva

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André Mendes é um cara que insiste em ser íntegro. Postura meio arriscada e até anacrônica, se levarmos em conta que ele é um cantor e compositor de Rock no Brasil de 2013. O cara tem total noção de como funcionam as engrenagens do sucesso, afinal já figurou em listas de promessas e novidades quando capitaneava a Maria Bacana, lá nos anos 90. Hoje, independente, consciente e atuante, André também está mais maduro. É capaz de grandes ganchos melódicos, como ficou provado em seu disco anterior, Enfim Terra Firme, quando cantou sobre Salvador, sua cidade, ser impermeável à boa música e a movimentos espontâneos de cultura. Falou sobre solidão, sobre existir, tudo sem falso sofrimento, como parece ser a moda hoje em dia. André também está lançando disco novo, Amor Atlântico, que poderia ser um disco de fados, tamanha a identificação com Portugal que o nome do álbum sugere. Mas não é. Amor Atlântico é um trabalho soturno, de voz e violão, numa estética em que a idéia é valorizar as letras. Sim, as letras. Elas falam de política, opinião, amor, vida. Conversamos com André para saber o que vem por aí e praticamente adivinhamos que ele produzia novo trabalho. Agora você, leitor do Monkeybuzz, lê em primeiríssima mão, tudo sobre esse novo disco, que promete figurar nas listas de melhores deste 2013, algo que André, mesmo remando na direção oposta, consegue sem muito esforço.

Monkeybuzz: Fale um pouco do conceito que há por trás de Amor Atlântico.
André Mendes: O conceito básico do disco é ser “poesia musicada”… mesmo não sendo poeta, não dominando a técnica da poesia, quero imprimir esse conceito amplo da poesia no disco. Um segundo conceito é o de “trilha sonora”…durante a gravações, em alguns momentos, para descrever o que eu esperava do arranjo de uma canção pro produtor do disco (Jorge Solovera) eu citava um filme… ”eu quero essa musica com o clima de tal filme”.

Mb: Com o lançamento deste terceiro disco, você considera a sua carreira solidificada?
André: Não sei como responder essa pergunta…o que é ter uma carreira como musico e compositor hoje em dia? Antigamente falar em carreira solidificada queria dizer que o artista estava fazendo dinheiro ou começando a fazer; mas nos dias de hoje muito pouca gente pode falar isso. Acho que se existe algo solidificado é a minha vontade de continuar botando minha música na rua dando dinheiro ou não e se rolasse dinheiro seria muito bem vindo.

Mb: Você diria que seu trabalho é indie?
André: “indie” de “independente” sem dúvida alguma. Eu faço tudo sozinho. Banco os custos de gravação, me aventuro à fazer até a parte gráfica,etc. Antigamente, o que hoje chamam de “indie” era chamado de “alternativo” e “indie” eram as bandas que não tinham selo ou gravadora. Hoje indie é um estilo musical…e eu não me vejo nele. Talvez eu até seja e não saiba.

Mb: Por que a decisão de gravar um disco de voz e violão?
André: Pra valorizar a canção. Pra não ter muita informação e diluir a mensagem básica da letra/melodia/harmonia.

Mb: Qual a sua relação com a política e como isso influi no teu trabalho?
André: Não tenho uma ligação direta com a política, não sou filiado à partido nem quero ser, mas eu presto atenção ao que acontece no país. Como as pessoas são manipuladas pela mídia, pela “opinião publicada”. Eu lembro o que era o país há 25 anos, lembro de manipulações como a eleição de Collor e os caras pintadas. Hoje em dia, vejo gente que estuda pelo Prouni falando “PT nunca mais!” só porque é o senso comum falar isso…e coisas absurdas como os tratamentos diferentes dado à casos iguais como os “mensalões” do PT e o do PSDB. Mas percebo que falar essas coisas é bastante impopular e contraproducente à minha carreira…o bacana é chamar Dilma de torturadora. Um dado importante é que eu nunca tive dinheiro público pra tocar a minha carreira nem quero ter. Mas vou falar no disco, entre outros temas, sobre política e manipulação da mídia, mas no viés da poesia.

Mb: Como você vê a música jovem feita no Brasil atualmente?
André: Se estivermos falando do que é mainstream, faz sucesso,etc, eu acho deprimente. Só temos oficialmente três estilos de musica no país hoje em dia: Funk, Sertanejo universitário e Gospel, ou seja, a coisa está triste. Temo pela inteligência dessa geração criada à base dessa cultura musical.

Mb: Seu disco anterior, Enfim Terra Firme, falava da dificuldade de morar numa cidade – Salvador – em que há pouco espaço para o rock ou algo que não seja massificado pela mídia. Como Amor Atlântico lida com essa questão?
André: O disco novo não cita Salvador. Eu não moro mais em Salvador, eu moro na minha bolha. Salvador é capitania hereditária da família Magalhães e o povo daqui gosta e quer isso. Então eu não faço parte disso. E não espero mais mudanças em nenhum aspecto na cidade, muito menos artísticas.

Mb: Qual seu grande desejo como compositor/cantor?
André: Meu desejo básico é continuar compondo, gravando e lançando minhas musicas. Um outro desejo é ter uma boa vitrine, coisa muito rara de se conseguir hoje em dia e que eu nunca tive, uma vitrine, uma oportunidade de mostrar a minha música para muita gente, tocar no rádio.

Mb: Há uma grande influência de Legião Urbana no teu trabalho. Como isso foi metabolizado em Amor Atlântico?
André: Eu percebo isso, mas não é intencional, tanto que as primeiras musicas da minha antiga banda, a Maria Bacana, que eu compus num tempo que eu não ouvia Legião Urbana, foram parar na demo que mandamos pra vários selos nos anos 90 e caiu nas mãos do Dado Villa-lobos que identificou na banda algo parecido com o Aborto Elétrico inclusive nas letras. Uma letra minha falava “você me faz pensar no porquê das coisas” e a do Aborto Elétrico falava “você me faz pensar demais”. Ele achou incrível ainda mais que ninguém conhecia essa musica do Aborto Elétrico. Dado até falou numa entrevista pra MTV uma vez que a tocar com a Maria Bacana (ele tocou algumas vezes ao vivo com a gente) era algo próximo do que ele sentia tocando com a Legião, chegou a falar que eram bandas “primas”. Se é tão natural esse parecer, certamente estará no Amor Atlântico mas nunca de forma pensada, planejada.

Mb: As pessoas pedem músicas da sua banda, a Maria Bacana, nos shows? Você canta alguma?
André: Pedem sim! E eu fico muito feliz que peçam! É minha história musical e fico feliz que um disco que foi lançado já há algum tempo ainda seja lembrado e bem falado. Claro que eu tenho que rearranjar algumas canções pra caber no meu show solo, mas essas canções estão lá, presentes.

Mb: Conte pros leitores dessa vontade de lançar um disco sempre no dia do seu aniversário.
André: Eu detesto aniversário. Quando eu posso, passo o dia no cinema emendando um filme no outro pra ninguém me achar. No dia do seu aniversário você é o centro da atenção e eu detesto isso. Por outro lado, eu tenho o desejo e projeto de lançar um disco por ano e não vejo data melhor pra lançar uma obra que pretendo que seja de continuidade anual que o dia do meu aniversário. No futuro vou olhar e dizer “quando eu fiz tal idade lancei tal disco”. Eu gosto disso, tem algo poético nisso.

Mb: Dê um conselho pra quem está pensando em seguir a carreira de músico.
André: Faça Funk Gospel Universitário.

Mb: Como poderemos ouvir e adquirir o Amor Atlântico?
André: Dia 15 de Julho Amor Atlântico estará disponível pra streaming e download no meu site. É só chegar e ouvir.

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ARTISTA: André Mendes
MARCADORES: Entrevista

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.