Entrevista: Nei Lisboa

O compositor gaúcho nos conta um pouco sobre seu novo disco, os caminhos da nova música brasileira e suas influências

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O cantor e compositor gaúcho Nei Lisboa está preparando seu novo disco, A Vida Inteira. Ele é um desses artistas que fazem muito sucesso regional, mas que não romperam as fronteiras de seu estado. Com o passar do tempo, Nei pareceu não se incomodar tanto com essa proximidade/distância das capitais do país e concentrou sua verve numa produção luminosa e bacana. Já são nove discos desde 1983, quando ele iniciou sua carreira. Para o novo trabalho, Nei recorreu ao crowfunding e disponbilizou um monte de recompensas legais para quem participar do projeto.

Monkeybuzz bateu um papo com ele sobre como vão as coisas por aquelas bandas lá de baixo, onde faz um frio de renguear cusco durante o inverno. Enquanto lê a entrevista, ouça sua nova faixa No boleto ou no cartão.

Monkeybuzz: Conte um pouco sobre o projeto de lançamento do A Vida Inteira.

Nei Lisboa: Eu vinha há dois anos compondo esse repertório, sobretudo ao longo de 2012. Ao final do ano fiz um show de apresentação das músicas. Agora estamos buscando esse financiamento coletivo para viabilizar a produção do disco, que deve sair até o final do ano. É um processo lento, mas bem de acordo com a minha maneira de trabalhar, e também com a etapa de vida, que já é de desacelerar um pouco…

Mb: Uma das recompensas para colaboradores é um show completo teu, com limite pra 50 pessoas. Como funciona a parte logística, repertório,,,

Nei: Estamos recém fechando os primeiros shows do crowdfunding, ainda vendo detalhes. Mas é o mesmo repertório autoral, em duo com Luiz Mauro Filho (teclado), ou o repertório do CD Hi-Fi, em formato trio também com Paulinho Supekovia (guitarra), Tem essa limitação de público, que propicia uma proximidade grande e quse um bate-papo com as pessoas.

Mb: Após muito tempo de carreira, e turnês fora do teu estado, teu trabalho ainda é privilégio do pessoal do Rio Grande Do Sul. Como furar isso?

Nei: Eu não pretendo furar nada já há bom tempo. As coisas são como estão, não será aos 54 anos que algo vai mudar radicalmente. Já está ótimo assim, não fiquei rico, não sou nenhum megastar, mas vou vivendo da minha música e durmo bem tranquilo. Suo e também me divirto bastante. Nem se trata tanto de uma fronteira física, sou menos conhecido do que gostaria, talvez, tanto em Passo Fundo quanto em Belo Horizonte. Mas não é o alcance maior ou menor na mídia que me deixa verdadeiramente satisfeito e vaidoso do meu trabalho.

Mb: Quais as tuas principais inspirações para compor?

Nei: É basicamente o tempo. No sentido de ver o mundo se mover, e também de dispor dele para que a composição não se apresse. Gosto de mergulhar, reservar meses para preparar um trabalho por inteiro, e aí escutar bastante os outros, brincar muito no violão, até que as músicas começam a aparecer. E nisso vai se desenhando junto um texto, uma ideia que alinhave todo o trabalho também.

Mb: A impressão que dá para quem está de fora do Rio Grande é que a comunidade de músicos daí é bem unida e se vira diante dessa dificuldade de atingir o resto do país. Procede ou há rivalidades mil entre vocês?

Nei: Sim e não, acho que os artistas muitas vezes se alinham por grupos e se fortalecem, mas também há a noção corrente de que somos um “balde de caranguejos”, quando um começa a subir os outros puxam pra baixo. Eu sinceramente penso que esse balde é imaginário, tenho a pretensão de viver aqui, de ser gaúcho, sem fazer disso uma profissão ou uma sina.

Mb: Você se considera um artista cult?

Nei: Não. E se alguém responder que sim, passa na mesma hora a ser apenas pretencioso.

Mb: Conta um pouco pros leitores do Monkeybuzz sobre a tua carreira.

Nei: Em panôramica: comecei a me apresentar dentro da Universidade, onde estudava música, em 1979. Gravei meu primeiro disco em 1983, aos 24 anos, e de lá pra cá mais oito, de sonoridades bem diversas, e em situações idem. Nos anos 80, discos conectados com o pop/rock brasileiro. Nos anos 90, experiências extremas, um trabalho sobre o candombe uruguaio e um de releituras do folk/pop setentista. Nos anos 2000, entre baladas folk e mpb. Também dois livros lançados, um romance e um de crônicas. E uma filha linda de dez anos. 🙂

Mb: Qual o seu disco preferido?

Nei: Ishh. Difícil, né? Mas vai um: Turbulent Indigo, da Joni Mitchell.

**Mb: Quais tuas influências como compositor e cantor?

Nei: A MPB dos anos 60 e 70. O folkrock da mesma época. Um pouco de música barroca.

Mb: Você lançou um disco muito legal em 1999 chamado Hi-Fi, no qual trazia interpretações para clássicos do pop rock setentista. Você ainda faz esse show de vez em quando? Tem planos para um Hi-Fi volume 2?

Nei: Esse “volume 2” de certa forma já existe: é uma pequena edição bootleg em DVD de um show que fizemos pra comemorar 10 anos do Hi-Fi, incluindo várias músicas mais, pérolas da mesma estirpe… E o show está sendo oferecido especialmente para apoiadores do crowdfunding.

Mb: O que você tem ouvido atualmente? Algum artista te interessa?

Nei: Andei ouvindo Bruno Morais, muito bom, o trabalho do Siba que ouvi lá em Garanhuns, muito legal, o Ben Taylor, filho do James, é bom demais. E escuto muita coisa dos 70. Steely Dan. Laura Nyro, conhece? Muito boa.

Mb: Qual o grande diferencial do A Vida Inteira em relação a teus outros discos?

Nei: Nenhum :). Claro que espero cantar melhor do que nunca, que esteja melhor gravado do que todos os outros e acho que as músicas estão muito boas. Mas não creio que vá haver alguma ruptura de estilo, nem na sonoridade nem no texto. Nessa matéria, estou tecendo uma densa crônica da hipermodernidade, mas esse olhar sócio-crítico sobre determinada época já aconteceu em Carecas da Jamaica e Cena Beatnik. Espero que seja mais do mesmo Nei Lisboa, em sua melhor forma.

Mb: O que você acha da produção pop nacional hoje em dia?

Nei: Bom, ser “pop” hoje é quase tão esclarecedor quanto “ser gente”. Mas falando de forma bem genérica, há uma prioridade em atender ao alto consumo, a um público que quer ser entretido de imediato, sem maiores reflexões e crocâncias (vide Frank Jorge), sacudir os braços, a bunda e gritar até se esvaIr da chatice do cotidiano e nada mais. Passo ao largo disso, mas não deixo de gostar de artistas que são também sucesso, o Nando reis, a Maria Gadú etc.

Mb: Como os leitores podem participar do projeto de lançamento do A Vida Inteira?

Nei: É bem simples, e está tudo explicadinho no Catarse.

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ARTISTA: Nei Lisboa
MARCADORES: Entrevista

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.