Cadê “Tomate”, do Kid Abelha?

Terceiro disco da banda, apesar de ter sido um fracasso de críticas, tem suas qualidades e hoje é item de colecionador

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A idéia nesta coluna semanal é cuidar de uma pequena memória musical, de alcance não tão longo. Discos lançados no Brasil são coisas muito grandes para esquecer e devem estar vivos na nossa lembrança ou, quem sabe, na das outras pessoas. Portanto, essa é nossa pequena contribuição: falar de álbuns nacionais que sumiram na poeira, que nunca saíram em CD ou que saíram e nunca mais foram reeditados. Num tempo em que o próprio formato de disco – com dez, doze canções – é colocado em dúvida pela modernidade, vamos meter a mão na massa e resgatar essas pequenas pérolas toda semana.

Kid Abelha – Tomate (1986)

Se alguém for procurar o terceiro disco do Kid Abelha em CD, deve se preparar. Ausente das lojas virtuais (as “físicas” onde estão?) há muito tempo, ele só pode ser encontrado em sites de compras alternativas. No Mercado Livre, por exemplo, há quatro exemplares à venda, com preços variando entre 100 e 200 reais.

É simples entender o motivo de tamanha distorção no mercado de discos. Trata-se da velha teoria da oferta e da procura. Lançado em 1987, Tomate só saiu em CD em 1996, pela Warner. Ficou disponível por pouco tempo e nunca mais foi visto, a não ser na mão de colecionadores empedernidos, capazes de pedir valores abusivos como os mencionados acima. Apesar de massacrado pela crítica na época do lançamento, Tomate não é um álbum ruim do Kid Abelha, que usava o complemento Abóboras Selvagens pela última vez na capa do disco. É apenas um trabalho de transição, no qual Paula Toller e George Israel precisam se mexer para dar conta do trabalho árduo de composição.

Até o segundo – e belíssimo disco – as canções do Kid Abelha eram da autoria de Leoni, baixista e cérebro da banda. Até hoje Leoni é considerado um dos grandes songwriters do rock nacional oitentista, capaz de assumir a figura feminina em suas letras como, por exemplo, em Os Outros ou Garotos, ambas de Educação Sentimental, lançado em 1985 pela banda, com a missão de manter o nível da estréia, Seu Espião, que emplacara quase todas suas faixas nas rádios. Educação era mais contido, mais maduro e totalmente identificado com aquele momento espaço-tempo de Zona Sul carioca e seus jovens, saindo dos pátios dos colégios, chegando em casa e ligando seus rádios ou vendo programas de clipes na televisão. Era o pessoal que ia ao Circo Voador nos fins de semana, que ligava para a Rádio Fluminense para pedir música, enfim, um tempo que não volta mais e Leoni foi capaz de dar conta do relato de seus tiques e taques emocionais. Era, portanto, uma presença enorme a ser suprida. Após uma discussão pesada, na qual estariam envolvidos assuntos amorosos – Leoni era namorado da vocalista Paula Toller no início do Kid – o baixista deixou a banda e fundou outro grupo, o Heróis da Resistência e, hoje em dia, tem uma simpática carreira solo.

Paula Toller e George Israel, saxofonista da banda, assumiram então a composição e não se saíram mal. Aproveitaram um movimento natural – a maturidade da banda – e centraram fogo em letras que falavam de assuntos ainda não abordados. O maior exemplo é a bela Amanhã É 23, balada que encerra o disco, cheia de climas e viradas de bateria (a cargo de Claudio Infante, da banda de Lulu Santos) bem executadas, que servem de moldura para uma Toller melancólica assumindo uma voz maternal insuspeita para falar de uma filha, numa estranha associação. Toller foi criada pelos avós, talvez o motivo para essa visão. A música puxou o álbum e ainda vieram três outros sucessos: No Meio da Rua e Me Deixa Falar, além da faixa-título. A presença de Nilo Romero e Claudio Infante deu à sonoridade do Kid Abelha uma ressonância inédita até então, mas que não se repetiria, uma vez que Romero era apenas um convidado e Infante deixaria o grupo no ano seguinte. É possível detectar alguns slaps de baixo e viradas de bateria que não apareceram em qualquer gravação antes (e depois) de Tomate. A produção de Liminha, repetindo a particpação nos dois trabalhos anteriores, contribui para a sonoridade mais profissional, como evolução natural do próprio uso do estúdio por conta das bandas daquela época, todos se aprimorando tecnicamente.

A idéia do título do disco é o lado negro da Força da presença da dupla Israel/Toller nas composições. Paula havia um texto do poeta Murilo Mendes sobre a apreciação crítica de um tomate como uma escultura de arte. Além disso, o óbvio trocadilho com “too much” também se fazia presente no contexto. Em 1987, no entanto, gravar um disco “ruim” significava chegar às 100 mil cópias vendidas, número atingido por Tomate sem muitos problemas.

Editado em CD há 17 anos e nunca mais posto à venda em nenhum formato, Tomate é ítem de colecionador para fãs do Kid e um bom exemplo de banda em busca do amadurecimento enquanto lida com fama, imagem e perda. Vale a pena, é um trabalho bem interessante e cheio de nuances.

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ARTISTA: Kid Abelha
MARCADORES: Cadê?

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.