The Band – Music From The Big Pink – 45 anos de Um Clássico

Um dos grandes álbuns do Folk-Rock faz aniversário mantendo toda sua relevância para o gênero que tem se tornado mais popular a cada dia

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Hoje em dia é comum usarmos o termo “Folk-Rock” aqui e ali, certo? Várias bandas surgem todos os dias e são rotuladas dessa forma, de Mumford And Sons a Vanguart. Poucos têm noção de que os gêneros “Rock” e “Folk” já foram quase antagonistas há cerca de 50 anos e não poderiam coexistir num espaço muito reduzido. Alguns poucos pioneiros derrubaram essa fronteira e aproximaram essas duas formas de contestação do sistema, que, em última instância, poderiam querer a mesma liberdade ou a mesma realização pessoal/coletiva, mas que corriam caminhos paralelos.

O grande responsável por isso chama-se Bob Dylan. Em 1965 ele resolveu mudar sua sonoridade, fazer algo com guitarras elétricas. Dylan era a grande esperança da Folk music até então. Aquele gênero que testemunhara a América do século XX tanto quanto o Blues, só que cantado pelos andarilhos e pequenas comunidades do interior do país. Aos poucos ele rumara para os grandes centros urbanos como se fosse uma reserva moral contra os novos tempos modernos ou, quem sabe, como um lembrete das tradições dos antepassados, das paradas de domingo, do cheiro de terra, da luta contra a fronteira, enfim, esses pilares sobre os quais ergueu-se o país que entendemos como Estados Unidos. O Rock’n’Roll entra neste contexto de novos tempos, de música e comportamento para jovens que não mais iriam para os campos de batalha e que poderiam aspirar uma vida mais tranquila. Dylan sabia da importância do Rock e da relevância do Folk, mas não por planejamento, talvez por necessidade, aproximou os dois estilos e ofereceu-lhes a primeira chance de coexistir: Bringing On Back Home, seu disco primeiro disco de 1965 (Highway 61 Revisited é o segundo lançado neste ano), no qual cada estilo recebe um lado inteiro de canções e atenção. Este processo de fusão entre Rock e Folk, em termos “dylanescos”, duraria até o ano seguinte, quando o mitológico acidente de motocicleta obrigaria Dylan a sair de cena por algum tempo. Ele vinha de uma rotina ininterrupta de shows, incluindo os tradicionais festivais de Folk – como o de Newport – nos quais os maiores nomes do estilo se apresentavam. Dylan queria mostrar ao vivo a energia guitarreira que estava imprimindo nos discos, além dos álbuns de 1965, ele lançara Blonde On Blonde em 1966.

Para que fosse possível mostrar a nova sonoridade, Dylan precisava de uma banda. Seu empresário Albert Grossman sugeriu uma banda que estava no circuito de shows de Nova York, formada por quatro canadenses e um americano do Arkansas. Esse pessoal era conhecido de John Hammond Jr., filho do mitológico descobridor de talentos da Columbia – que havia descoberto o próprio Dylan em 1961 – John Hammond. A referência é que esses cinco sujeitos tinham acompanhado Ronnie Hawkins e se chamavam The Hawks. Àquela altura, os Hawks estavam em uma nova fase, mantendo o baterista Levon Helm como o integrante original de um grupo de adolescentes do Arkansas que haviam se juntado para formar uma banda. Após uma temporada de shows no Canadá, a banda original se desfez à medida que novos integrantes vinham a bordo, a saber, Rick Danko, Richard Manuel, Robbie Robertson e o organista Garth Hudson. Dylan gostou tanto dos Hawks que já recrutou Robertson e Helm para um show em Forest Hills, Nova York, ainda em 1965.

A combinação sonora entre os Hawks e Dylan não foi fácil. Os rapazes eram totalmente versados no idioma Rock, com experiência em standards do R&B, no sentido Bo Diddley/Chuck Berry do termo, enquanto Dylan engatinhava no setor, vindo da instintiva necessidade de enguitarrar suas Folk songs. Após acertarem arestas e dominarem a arte de se apresentar para públicos maiores, os Hawks foram a banda de apoio de Dylan na sua turnê mundial de 1966, na qual ele foi chamado de “Judas” num show na Inglaterra, por conta de sua “traição” ao Folk a partir do uso de guitarras que, para os jovens folksters, eram o símbolo máximo da alienação. Após esse período e aproveitando a reclusão de Dylan por conta do acidente, os Hawks o acompanharam em várias sessões de gravações em sua casa, perto de Woodstock. A partir desse momento, entra em cena o novo nome, The Band, cheio de uma saudável pretensão.

The Band foi a responsável pela solidificação do tal Folk Rock a que nos referimos no início do texto. Claro que havia outras frentes em que os dois estilos estavam se mesclando, os Byrds são o maior exemplo disso. Mas não há como negar o pioneirismo da fusão a Dylan e The Band. Desses dias em Woodstock viriam à luz do dia, quase dez anos depois, o mitológico The Basement Tapes, mas também viria a estréia da Band como artista independente de Dylan, com contrato assinado com a Capitol Records. Music From Big Pink, lançado em 1º de julho de 1968, foi o marco zero da carreira da Banda. A grande casa rosa onde foram feitas as gravações das Basement Tapes dá o nome ao disco e à música que se produziu nesse tempo mitológico. A abordagem dos músicos em relação às canções e ao clima do próprio álbum, remete à informalidade e improviso, conferindo um diferencial poderoso. Com grandes cantores, a Band se vale de suas vozes distintas para obter a maior variedade possível em termos de nuances, com destaque absoluto para a voz assombrosa do pianista/baterista Richard Manuel, que assina com Dylan a abertura magnífica com Tears Of Rage. Manuel e Robbie Robertson se alternam nas composições, com destaque para o hit The Weight, canção de Robbie, maravilhosa e atemporal. Rick Danko também comparece no território da composição, com This Wheel’s On Fire, sobre a letra de Dylan, que também cede I Shall Be Released para o encerramento do disco.

A sonoridade de Music From The Big Pink só seria igualada pela própria The Band em seu disco homônimo de 1969. Nenhuma formação musical daqueles tempos era capaz de obter o resultado incongruentemente belo, cheio de aparentes erros, levadas tortas, virtuosismo disfarçado de indolência e, mais que tudo, retratar a América daquele momento tão peculiar como a Band. Claro que era uma visão mítica do país, ainda que houvesse espaço para as informações que vinham dos noticiários e dos fatos, mas era quase como se aquele conjunto de lendas, folclore e causos da beira do caminho fosse impermeável aos novos tempos. Foi preciso que quatro canadenses e um americano dos cafundós do sul do país se juntassem para que essa leitura dos Estados Unidos, juntando campo e cidade, passado e presente, sonho e realidade, fosse possível. Por isso, meus caros e caras, tenham cuidado quando disserem que a mais nova bandinha inglesa faz “Folk-Rock”. Isso é pra gente grande e cascuda. Como The Band.

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ARTISTA: The Band
MARCADORES: Aniversário

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.