Cadê “Ok, My Gay”, segundo disco do João Penca e Seus Miquinhos Amestrados?

Na coluna de hoje trazemos um disco que seria obrigatório nas prateleiras de um bom colecionador de Rock Brasileiro dos anos 80, caso ele tivesse sido lançado em CD

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A idéia nesta coluna semanal é cuidar de uma pequena memória musical, de alcance não tão longo. Discos lançados no Brasil são coisas muito grandes para esquecer e devem estar vivos na nossa lembrança ou, quem sabe, na das outras pessoas. Portanto, essa é nossa pequena contribuição: falar de álbuns nacionais que sumiram na poeira, que nunca saíram em CD ou que saíram e nunca mais foram reeditados. Num tempo em que o próprio formato de disco – com dez, doze canções – é colocado em dúvida pela modernidade, vamos meter a mão na massa e resgatar essas pequenas pérolas toda semana.

João Penca e Seus Miquinhos Amestrados – Ok, My Gay (1986)

Em meados dos anos 80, uma discoteca de Rock Nacional digna de respeito, precisava exibir alguns itens primordiais. Naquele primeiro momento, que duraria até o Rock In Rio, era necessário ter os dois primeiros discos de Paralamas (Cinema Mudo e O Passo do Lui, de 1983 e 1984, respectivamente), o primeiro do Kid Abelha (Seu Espião, de 1984), o primeiro disco homônimo da Legião Urbana (1984) e os três discos da Blitz (Todas As Aventuras Da Blitz, Radio Atividade e Blitz 3, de 1982, 1983 e 1984, respectivamente). Além deles, era recomendável que este colecionador ideal de LP’s nacionais do início dos anos 80, tivesse trabalhos de Lulu Santos, Lobão, Ritchie e … Eduardo Dusek. Sim, isso mesmo.

Dusek era pianista com formação em teatro e já atuava desde a década de 1970 e já começava a ter suas composições gravadas por gente como Ney Matogrosso e Maria Alcina. Ele causaria espanto em 1980 ao aparecer cantando no MPB-Shell, festival organizado pela Rede Globo, defendendo Nostradamus, canção cheia de influências do besteirol teatral muito em moda naquela época, a qual ele cantou vestido de cuecas e terno branco, exibindo cabeleira e barba à la Jesus Cristo. A música sobre o fim dos tempos, não foi classificada, mas a presença de Dusek ficou marcada na memória do público. Logo seria lançado Olhar Brasileiro, seu primeiro disco que, apesar de trazer a gravação de Nostradamus, não fez o sucesso aguardado. O grande movimento veio em seguida, com o lançamento do segundo trabalho, Cantando no Banheiro, de 1982. Através da aproximação com Léo Jaime, então um orbitante, integrante da banda João Penca e Seus Miquinhos Amestrados, Dusek acabou convidando esse pessoal para participar das gravações.

A partir daí, cortamos para o Leblon do início dos anos 80. A cena do tal “Rock de bermudas” carioca fervia. Em meio a esse burburinho, João Penca e Seus Miquinhos Amestrados ensaiava seus primeiros passos. A participação no LP de Eduardo Dusek, principalmente através de canções como Barrados no Baile e Rock da Cachorra, conferiu à banda um tom cômico que eles já adotavam antes de qualquer sucesso. Eram nove integrantes no início: Bob Gallo, Avellar Love, Selvagem Big Abreu, Léo Jaime, Leandro Verdeal, Cláudio Killer, Mimi Erótico, Gulherme Hully-Gully e Del Rosa. Em 1983, após contrato assinado com a Barclay/Ariola, o João Penca lançava Os Maiores Sucessos de João Penca e Seus Miquinhos Amestrados que, longe de ser uma coletânea, trazia canções hilárias, compostas quando ainda estavam cogitando fazer algo mais “sério”. Psicodelismo em Ipanema, Como o Macaco Gosta de Banana e várias versões de canções Pop dos anos 60, entre elas Calúnias, que ficou conhecida por Telma, Eu Não Sou Gay, refrão que foi criado para emular a sonoridade do original, Tell Me Once Again. A canção foi gravada por Ney Matogrosso com grande sucesso nacional e abriu as portas para os Miquinhos, que ainda participariam do disco seguinte de Eduardo Dusek, Brega-Chique, lançado em 1984, que traria mais um grande sucesso: Doméstica.

O sucesso nacional dos Miquinhos viria com seu segundo disco, Ok, My Gay, lançado em 1986. A tal discoteca de Rock nacional lá do primeiro parágrafo também só seria digna de respeito se ostentasse um exemplar deste disco. Reduzidos a um trio, apenas com Abreu, Love e Gallo (cujo irmão, Claudio Killer falecera anos antes por conta de um escapamento de gás em seu apartamento), os Miquinhos levaram adiante sua proposta estética de juntar elementos dos primeiros momentos do Rock (ternos, penteados, dancinhas) à sonoridade vigente na época. Com um contrato firmado agora com a RCA Victor, os Miquinhos soltaram OK, My Gay em meio a grande sucesso. Logo saltaram para as paradas Popstar, Lágrimas de Crocodilo e Romance em Alto Mar, o que levou o disco aos primeiros lugares nas paradas de sucesso. A produção de Marcelo Sussekind conferiu identidade sonora à banda, além de um alto nível na gravação do long play. A presença do letrista Ronaldo Bastos nas versões de Never Say Goodbye, que se transformou em Sou Fã e na produção executiva, também foi importante.

Além dessas canções, Universotário, um Rockabilly irresistível e altamente crítico sobre o vestibular, também fez muito sucesso, com o “refrão” sensacional, que se resumia a repetir “um babacão”, com Avellar Love usando sua voz de baixo doo wop e Ricota, de autoria de Edgar Scandurra nos tempos em que fazia parte do Ultraje A Rigor, compunham a linha de frente do disco. Outras pequenas pepitas que mereciam mais sucesso eram Celso Carlos e Menino Prodígio, ambas com participação de Léo Jaime, além da versão que ele fez para Heartbreak Hotel, transformada em Cachet. Com tanta verve humorística e um disco tão legal, não demorou para os Miquinhos aparecerem no Chacrinha e no Globo de Ouro, além de conseguirem apelo junto ao público infantil.

Mesmo com OK, My Gay ultrapassando a marca das 250 mil cópias vendidas, o disco nunca foi lançado em CD. A obra dos Miquinhos segue amputada no formato, resumindo-se a uma coletânea, lançada em 2000, cujo preço é altíssimo, uma vez que está fora de catálogo, e o registro de um show ao vivo nos anos 90, A Festa Dos Micos, igualmente rara. Com seis álbuns lançados entre 1983 e 1993, um monte de sucessos radiofônicos, João Penca e Seus Miquinhos Amestrados não pode tornar-se ítem de colecionadores nerds.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.