Documentário: “Springsteen And I”

Filme, que preza pela qualidade e nostalgia, conta com registro raros do cantor durante sua carreira

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Desde o início de sua carreira, no início da década de 1970, Bruce Springsteen sempre precisou de pessoas comuns em suas letras e narrativas. Misto de trovador dylanesco e pós-adolescente empobrecido, Bruce também cedia à sua New Jersey local um espaço privilegiado, como uma espécie de miniatura daquela América estranha, que vivia sob o governo de Nixon e amargava derrota no Vietnã, desemprego, opressão, injustiça. Poderíamos dizer que Bruce era uma espécie de porta-voz do lado escuro do chamado american dream.

Ao longo do tempo, sua música deixou o formato voz e violão e incluiu um híbrido rock’n’soul herdado de sua educação formal pelas estações de rádio AM ao longo da década de 1960, quando passava suas tardes entre o colégio católico e canções de Roy Orbison, Motown, Beatles. Springsteen já declarou várias vezes que aquelas canções e o rock, propriamente dito, o fizeram ser um homem de bem, digno, que foram tão ou mais valiosas que faculdades e diplomas. Essa mentalidade deu ensejo a uma estrela do rock com pouquíssimo distanciamento de sua plateia, com verve capaz de compor discos como Born To Run (1975) ou The River (1980), todos personalíssimos, cheios de canções protagonizadas por gente que poderia – e estaria – em seus shows, ouvindo e se reconhecendo a cada verso.

Essa prática vem sendo utilizada por Bruce há mais de 40 anos, fazendo com que a fórmula “shows enormes e periódicos + canções identitárias” tenha funcionado com eficiência através dos tempos, proporcionando uma enorme base de fãs no Hemisfério Norte. Contando com tal espontaneidade e emoção, o diretor Bailey Walsh e o produtor Riddley Scott realizaram Springsteen And I, a partir de depoimentos de fãs do Boss ao redor do mundo. Não espanta que haja uma grande variação de faixa etária e de locais de origem, passando por jovens dinamarqueses, crianças americanas, quarentões ingleses, americanos, espanhóis e poloneses, todos com uma grande quantidade de narrativas emocionante sobre como a música de Bruce ocupa lugar importante – ou mesmo vital – em suas existências. Há relatos líricos, inocentes, sexuais, bem humorados e tristíssimos, todos unidos pela grande força que Bruce Springsteen possui em cima do palco, lugar no qual, ao contrário do pressuposto original de estar acima da multidão, ele abre espaço – sem deixar de lado sua majestade – e permite que o povo desfrute de sua posição. Como se não bastasse fazer isso em canções, dando espaço para gente comum figurar como seus anti-heróis do cotidiano, Bruce permite que essas mesmas pessoas se sintam como suas amigas e companheiras, mesmo sem conhecê-lo formalmente. Muitos lhe concedem epítetos como “companheiro”, “conselheiro”, “irmão de sangue”, “amante”, “amigo”, por conta de seus discos e aparições ao vivo.

Springsteen and I é extremamente preciso ao capturar a intensidade e a veracidade desses depoimentos, entremeando registros raros de Bruce no palco e mostrando como ele está próximo de sua audiência. Ao fim dos créditos, recomenda-se a permanência na sala, uma vez que terão lugar seis performances de uma E-Street Band encorpada com metais, vocalistas e especialmente com fome de bola num show no Hype Park londrino em 2012. Há um convidado especialíssimo nas duas últimas canções, mas não vamos estragar a surpresa por aqui.

A lamentar apenas a presença de cerca de 20 pessoas na estréia mundial do documentário, na noite de ontem, algo que seria diferente em qualquer parte do mundo que tem no rock algo muito mais importante que um mero ritmo musical. Enquanto muitos viam a novela das oito, Springsteen and I proporcionava emoção em grande dose. Altamente indicado para quem acredita no poder da música e do rock’n’roll, por mais ingênuo que isso possa parecer em pleno 2013.

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MARCADORES: Documentário

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.