Pequeno Guia Cat Stevens/Yusuf Islam

Preparamos um pequeno guia para você se deliciar pelas obras do músico, cobrindo boa parte de sua obra

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A esta altura do campeonato, poucos são os artistas vetereanos que jamais pisaram em solo tupiniquim. Podemos lamentar as (até agora) ausências de gente como Eagles ou Simon And Garfunkel, mas temos motivos de sobra para celebrar a vinda de Cat Stevens/Yusuf Islam em novembro deste ano. De uma geração de trovadores folk britânicos surgidos na aurora dos anos 70, Cat é o mais injustiçado. Todos gostam de Nick Drake ou Donovan, deixando para ele um lugar abaixo, uma espécie de segunda divisão, que vem junto com o desconhecimento total de sua obra. Talvez uns poucos espertinhos saibam que Wild World, canção que, volta e meia recebe uma versão, é de sua autoria. Quem sabe um grupo ainda mais malandro perceba o plágio descarado de Father And Son feito pelo Flaming Lips em Fight Test, do badalado disco Yoshimi Battles The Pink Robots.

De qualquer maneira, este pequeno guia aponta coisas legais da carreira de Cat Stevens, além de indicar uma discoteca básica do sujeito, tornando quase irresistível a sua ida ao show.

Steven Demetre Georgiou nasceu em 1948. Apesar do nome, o sujeito é londrino, filho de pai grego e mãe sueca. Começou a carreira com 18 anos cantando Love My Dog, já contratado pela Decca/Deram, que se encantara com sua voz e sua pegada no violão. Em janeiro do ano seguinte, Cat já estava novamente na parada com um novo single, Matthew And Son. Seu maior sucesso dessa primeira fase da carreira seria The First Cut Is The Deepest, lançada em 1968. Tudo ia bem até que Stevens contraiu tuberculose e precisou se internar por três meses num hospital e de um ano para se recuperar totalmente. Depois desse episódio, sua forma de compor mudaria, suas letras seriam mais pessoais e ele romperia seu contrato com a Deram.

Ao longo dos anos 70, Cat Stevens seria uma das maiores estrelas de uma espécie de folk britânico meio místico, meio pop, algo personalíssimo e capaz de atrair grandes multidões. Contratado pelo selo Island, sua nova carreira começaria em 1970, com Mona Bone Jakon. Este primeiro disco teria Lady D’Arbanville como primeiro single, mas um grande empurrão seria dado pela gravação de “Wild World” por Jimmy Cliff, o que deu origem ao segundo disco, Tea For The Tillerman, que veio recheado de futuros sucessos. Além da versão autoral para Wild World, temos pérolas como Father And Son, Sad Lisa e Where Do The Children Play. Estes sucessos levaram o álbum a ultrapassar a barreira do Disco de Ouro e posicionou Cat como uma resposta britânica a nomes como James Taylor e Carole King. Um ano depois, mais um disco veio para consolidar a posição de Stevens. Teaser And Firecat, inspirado num conto infantil, vem com outra leva de canções belíssimas. Se tornam hits Morning Has Broken, Moonshadow e Peace Train.

O próximo disco, Catch Bull At Four, lançado em outubro de 1972, mostra um Cat Stevens já mais reflexivo. Canções como Sitting e Ruins entregam um clima mais plácido e etéreo. As mudanças viriam mais acentuadas em Foreigner, lançado em julho de 1973, no qual todo o primeiro lado foi batizado de Foreigner Suite, belíssima, interligada e da qual o Coldplay teria surrupiado o fraseado de sua Viva La Vida. Este disco marca a estréia de Cat como produtor e foi gravado em Nova York, longe de seus músicos e ambiente de composição. O retorno a Londres e à velha forma se daria com o álbum seguinte, Buddah And The Chocolate Box, com novos hits em potencial como Oh, Very Young e C79. Se o novo trabalho representou uma retomada da velha forma, o álbum seguinte, Numbers, lançado em novembro de 1975, viajaria totalmente na maionese, com um conceito maluco de Teorema de Pitágoras aplicado a uma galáxia distante. Em meio à doideira total, canções como Banapple Gas mostravam que talvez a carreira de Cat iniciasse a proverbial subida no telhado. Os dois discos seguintes, Izitso (1977) e Back To Earth (1978) dão a noção exata de um declínio como compositor. A vida na estrada, a fama, o dinheiro, tudo isso aos 30 anos de idade, fez com que o jovem cantor e compositor inglês saísse de cena e se convertesse ao islamismo, saindo de cena pouco tempo depois.

Poucos poderiam imaginar que ele voltaria ao disco. A surpresa vinda com o lançamento de An Other Cup, em 2006, foi imensa. Com o nome adquirido após 28 anos de conversão ao islamismo, Yusuf Islam agora surgia para o mundo. A voz permanecia a mesma. O bom gosto na escolha das músicas, também. As agruras retratadas em Back To Earth, no distante ano de 1978, pareciam superadas e incorporadas a um manto de sabedoria que sua figura agora parecia ostentar. Sereno, com uma barba longa e grisalha, além do olhar plácido e tranquilo. Yusuf, definitivamente, não era mais um popstar ou algo no gênero. Parecia um menestrel. A canção que abre An Other Cup, Midday, é de uma beleza profunda, cheia de discretos flertes com ritmos caribenhos sem nunca revelar isso completamente. Além dela, uma cover sensacional para Don’t Let Me Be Misanderstood, dava o ensejo de que o sujeito não estava ali para doutrinar ninguém, apenas para dar prosseguimento a uma carreira de meteórico sucesso.

Um novo disco viria três anos depois. Roadsinger aprimorou a forma de An Other Cup e deu a Yusuf a garantia de que seu retorno não era uma ação caça-níqueis baseada na nostalgia. Aqui estava um homem voltando a cantar, a sentir vontade de se expressar em forma de música. Durante seu tempo de ausência da indústria músical, Yusuf lançou vários discos com canções em árabe, além de um disco infantil, A Is For Allah, motivado pelo nascimento de sua filha.

Finalmente o homem vem tocar no Brasil. Seus shows ao redor do mundo não procuram evitar a nostalgia e sua banda consegue não só recriar arranjos originais como atualizá-los sem que isso resulte num modernismo vazio. O potencial de uma apresentação recheada de hits, entremeados por novos futuros clássicos, credencia as apresentações de Cat/Yusuf para as listas de melhores do ano. Não perca.

Discoteca Básica

Mona Bone Jakon (1970)
Tea For The Tilerman (1971)
Teaser And Firecat (1971)
Foreigner (1973)
Buddah And Chocolate Box (1974)
An Other Cup (2006)

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ARTISTA: Cat Stevens
MARCADORES: Guia

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.