Dez Discos de Ilha Deserta

Selecionamos dez registros clássicos para se ouvir em uma ilha deserta

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Quando sugeri esta ideia para meus amigos monkeybuzzers, eles toparam na hora, mas me pediram que fizesse uma lista de discos em que coexistissem álbuns nacionais e estrangeiros. Eu havia levantado a hipótese de duas listas, uma gringa, outra nacional, o que me faria ficar com a consciência mais tranquila. Com uma única relação de dez álbuns para uma proverbial ilha deserta, minha consciência não teve mais sono, mas, em compensação, procurei chegar o mais próximo do ideal. E, claro, ainda vai ter muita gente desesperada com ausências e supostas omissões.

Usei uns poucos critérios para a lista. Eliminei os discos de trilha sonora, coletâneas e gravados ao vivo. Procurei escolher os mais originais possíveis, não só os que marcaram seu tempo mas que contivessem carga emocional forte. Afinal de contas, se vou ficar na ilha sozinho, preciso de algo que me dê conforto. Procurei cobrir um espaço de tempo amplo, mas não consegui. O disco mais antigo da lista é de 1968 e o mais recente, de 1985. É uma relação de respeito, apesar de alguns poderem criticá-la por ser muito “velha”. Vamos a ela, sem ordem de preferência.

Beatles – Abbey Road (1969)

O último disco gravado pelos Beatles e o meu favorito em sua carreira. Os quatro nunca foram tão individuais, nem no White Album do ano anterior. O antigo Lado B de Abbey Road traz uma suite não-progressiva em que John e Paul se entrelaçam, coisa muito bela. O Lado A tem “Here Comes The Sun” e “Something”, duas das mais belas composições de Harrison em todos os tempos. Não tem erro com esse disco.

Van Morrison – Astral Weeks (1968)

Folk celta? Jazz para leprechauns? Música para altas esferas? Tudo isso está presente nesse ramalhete de histórias sobre a infância e a adolescência numa Belfast imemorial, cheia de avenidas, frio e personagens imaginários. Movido pela perda de um amigo e pelo estranhamento do mundo, Van Morrison gravou Astral Weeks em Nova York, mal falando com os músicos do estúdio. Tudo acústico, tudo emocional e canções atemporais como “Madam George”, “The Way Young Lovers Do” e “Ballerina” podem salvar uma vida.

Prefab Sprout – Two Wheels Good (1985)

O melhor disco dos anos 80. Não tem Smiths, U2, Madonna ou Michael Jackson. Paddy McAloon e sua banda discreta, movidos por composições que juntam o lado mais pop e perfeito dos anos 60 à urgência urbana dos 80, conseguem o milagre musical mais bem guardado da chamada “década perdida”. Tudo é lindo por aqui: arranjos perfeitos em “Bonny”, emoção à flor da pele em “Apetite”, uma punhalada certeira no coração com “When Love Breaks Down” e versos incomuns como “Life’s not complete till your heart’s missed a beat/And you’ll never make it up, or turn back the clock” (“a vida não está completa até seu coração perder o compasso e você nunca consertará isso ou fará o relógio voltar”) em “Goodbye Lucille”. Perfeito.

Marvin Gaye – What’s Going On (1971)

Guerra do Vietnã, povo nas ruas, direitos civis, preocupação com o futuro, com a ecologia, com o futuro. Marvin Gaye abandona o posto de principal artista masculino da Motown a partir das experiências com seu irmão, que retornava da guerra e com o avanço do próprio tempo. What’s Going On é uma fotografia desse mundo de 1971 e trazia novos e ambiciosos parâmetros para a música em geral.

Carole King – Tapestry (1971)

O disco que conseguiu estampar o clima de decepção pela derrocada dos ideais hippies e de mudança de mundo dos anos 60. Carole King, uma das maiores compositoras da música pop em todos os tempos, escancara seu coração em favor da tristeza e da solidão de viver um destino burocrático, sem brilho e sem um mundo melhor. “So Far Away” é a canção mais triste e mais capaz de traduzir uma real saudade de alguém ou algo, além de nos dar a certeza exata que estamos sozinhos. Além dela, verdadeiras obras-primas da composição pop como “It’s Too Late”, “You’ve Got A Friend” e “Will You Love Me Tomorrow” fizeram de Tapestry um dos mais bem sucedidos discos de todos os tempos. Uma maravilha.

Paralamas – Passo do Lui (1984)

Meu disco de rock nacional dos anos 80. Alegre, arejado, bem gravado, capaz de traduzir com exatidão seu tempo e hora, O Passo Do Lui permanece como um dos mais bem sucedidos discos produzidos no Brasil dos anos 80. O trio Bi, Barone e Herbert finalmente mostra seu poder de fogo em termos de composição e execução e crava hinos como “Meu Erro” e “Óculos”; cria belíssimas canções menores como “Fui Eu”, “Me Liga” e “Ska”, além de outras, com dois dos mais sensacionais solos de guitarra daquela década: “Romance Ideal” e “Mensagem de Amor”. Um must have para qualquer um que tenha a pretensão de montar uma discoteca nacional.

Milton Nascimento e Lô Borges – Clube da Esquina (1972)

Bealtes e a poeira da estrada. Minas Gerais quebrando o bloqueio Rio-São Paulo e mostrando uma música absolutamente moderna, inspirada tanto em tradições ancestrais como na eletricidade das guitarras dos anos 60. A voz de Milton Nascimento no auge, a verve de Lô Borges em seu explendor e um monte de convidados e colaboradores quase transforma esse disco numa declaração de intenções. Canções como “Paisagem da Janela”, “Nada Será Como Antes”, “Tudo Que Você Podia Ser”, “Cais”, entre outras, vieram para os corações daqueles que imaginavam uma vida melhor e mais justa num tempo de ditadura militar. Enquanto isso, nenhuma outra canção feita até então era capaz de traduzir a sensação de estar no Brasil como a versão instrumental de “Clube da Esquina nº2”, gravada aqui.

João Gilberto – Amoroso (1978)

Não havia mais bossa nova em 1978. O que poderíamos dizer que existia então era uma saudade, uma certa vontade de imaginar as praias de Copacabana, Ipanema e todo o Rio de Janeiro como uma metáfora de paraíso terrestre, mas um paraíso com espaço para tristezas e dias cinzentos. Amoroso, mesmo gravado em Nova York e com canções em espanhol e italiano, é um disco 100% brasileiro, capaz de converter aqueles que insistem em não enxergar a magia de João Gilberto. Sua versão para “Wave”, de Tom Jobim, é um marco da perfeição musical em todos os tempos. Além dela, “Estate”, “Tin Tin Por Tin Tin”, “Caminhos Cruzados”, são densas e doloridas de tão belas.

Jorge Ben – Jorge Ben (1969)

Jorge nunca foi Jovem Guarda ou Tropicalista. Ele foi os dois e nenhum, na verdade, ele foi sempre Jorge Ben. Este disco de 1969, com a capa colorida e cheia de símbolos – feita pelo pinto Albery – traz uma cascata de sambas turbinados por rock e rock embebido em samba, numa medida exata e perfeita. Violões, percussão e o próprio firmamento se unem em canções como “Domingas” e “Descobri Que Sou Um Anjo”, enquanto toda a brejeirice possível na tradição da música brasileira toma de assalto “Que Pena”, “País Tropical”, “Cadê Tereza” e o mistério do cotidiano diz “presente” na versão ao vivo de “Charles Anjo 45”. Ben ainda manteria esse nível até 1976, indo num patamar bastante aceitável até 1981. Depois sua obra enfrentaria decadência que dura até hoje.

Erasmo Carlos – Sonhos e Memórias 1941/1972 (1972)

O disco mais bonito já feito pelo Tremendão. Aliás, não há um só sinal do popstar dos tempos da Jovem Guarda nessas canções. Temos o homem Erasmo Carlos, 31 anos, casado, pai, enfrentando o futuro que finalmente transformou-se em presente. Uma parte dele prefere lembrar dos tempos de infância a bordo de canções como “Largo da Segunda-Feira”, enquanto outra, ciente de que o sonho acabou e que as coisas não ficaram como pensávamos que seriam, prefere se refugiar em “Meu Mar”, esperando pelo idílio longe das pessoas. Uma obra assombrosa e pouco conhecida que todos precisam ouvir ontem.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.