Música Synthética

Será que a artificialidade no mundo musical está ligada aos meios eletrônicos e instrumentos, como os sintetizadores, para tocar e compor?

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Se já dá tempo de fazer afirmações sobre 2013, uma delas deveria ser sobre o quanto Daft Punk marcou o período – se não apenas por seu Random Access Memories, por trazer à tona novamente a discussão sobre a artificialidade da música em nosso tempo. Give Life Back to Music, primeira faixa do álbum, surgiu como o apelo para repensarmos a automatização com que muitos músicos produzem em uma época em que os recursos eletrônicos são tão amplos a ponto de parecerem retirar o fator humano da composição – e isso vindo de dois caras que se apresentam como uma dupla de robôs.

O duo surpreendeu quem esperava um trabalho que usava apenas instrumentos eletrônicos. Ao invés disso, os timbres vindos de instrumentos elétricos encontraram seu espaço em meio aos sons computadorizados do álbum, tudo isso no argumento de deixar a Eletrônica mais orgânica.

Desde que fizemos uma entrevista com a cantora Grimes, em meados do ano passado, lembro do que ela nos contou quando perguntamos sobre essa tal pessoalidade que poderia ser impressa na música feita com o auxílio de computadores ou instrumentos eletrônicos. “Eu acho que a música Eletrônica é extremamente humana e expressiva”, contou a canadense, “acho que qualquer “artificialidade” implica nela ser ainda mais humana, por que ,diferente de outros sons, a música eletrônica precisa de uma pessoa para que ela exista. É produto de inteligência humana”. É um pensamento legal, mas tem um detalhe aí que não pode passar desapercebido.

“É um produto de inteligência humana”, concordo, mas qual música não seria? Veja bem, é uma discussão que não caberia aqui tentar entender o que é “Arte”, mas, entre a grande maioria dos argumentadores do assunto, há o consenso de que uma obra pode ser considerada arte se, e somente se, ela for feita com essa intenção. O som do vento entrando pela janela não é arte. Alguém gravá-lo com a intenção de mostrar isso para outra pessoa, sim.

Não estou discordando de Grimes quando ela diz que a Eletrônica é essencialmente orgânica, já que é feita por uma pessoa. Pelo contrário, concordo que, já que trata-se de música (ou seja, de uma linguagem artística), não teria como ela não ser humana, já que teve alguém com intenção de fazê-la por trás. O problema que Daft Punk parece trazer seria o dos músicos que deixariam as máquinas “fazer todo o trabalho sozinhas”, o que é uma ideia que também pode ser discutida, já que computadores e instrumentos musicais não começam a compor espontaneamente.

Mas, se a problemática ganha novos argumentos em 2013, a discussão não é de agora. Instrumentos musicais, do teremim ao sintetizador, já enfrentaram seus preconceitos ao redor do globo e o próprio gênero Eletrônico não é engolido por todos, principalmente porque o que chega dele no mainstream é, muitas vezes, o eco daquilo que já foi experimentado com sucesso por muitos artistas desde (ou mesmo antes de) Kraftwerk, por exemplo.

Se há beleza, isso além de harmonia ou ritmo, a música é produto de inteligência humana, lógica e emocional, sensível. Fazer música não é só apertar botões, assim como nunca foi apenas tocar as notas certas em um instrumento acústico. Até mesmo uma apresentação acapella pode soar artificial, rígida e sem vida se for feita em algum “piloto automático”, apenas focada no processo de cantar.

E o inverso pode acontecer também. Uma artista como Grimes, que já comentou diversas vezes que possui mais sensibilidade do que conhecimento musical, pode fazer uma obra interessante e orgânica, que estabeleça empatia com o ouvinte apenas com o uso de elementos eletrônicos.

Talvez o alerta dado por Daft Punk seja justamente esse, o da falta de organicidade na música como culpa não dos formatos ou instrumentos, mas das mentes artificiais que não sabem imprimir vida em suas composições. Afinal, que composições podem ser emocionais e sensíveis com o uso de instrumentos assim, muita gente já nos provou – e prova com certa frequência, nos mais diversos estilos.

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MARCADORES: Discussão

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.