Guia Rápido Sobre Bruce Springsteen

Após uma ótima apresentação no Rock In Rio, preparamos um guia para você conhecer mais deste incrível guitarrista

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De repente você viu a performance de Bruce Springsteen no Rock In Rio e ficou se perguntando “por que diabos eu nunca prestei atenção nesse sujeito?” ou “mas esse cara não era aquele americanoide, chato, que só cantava Born In The USA, que o meu pai diz que é um hino patriótico americano? Pois é, gente, muita informação truncada sobre a carreira e a obra de Bruce Springsteen, esse sujeito de 64 anos (completados ontem, dia 23/09), que deu as caras no Brasil pela segunda vez, 25 anos depois de se apresentar numa turnê conjunta com Sting, Tracy Chapman e Peter Gabriel em São Paulo.

Monkeybuzz resolveu fazer um pequeno guia sobre o que vai pela cabeça do Boss, seus discos mais importantes e abrir as portas para que você, jovem fascinado/a pelo carisma do sujeito, possa descobrir mais sobre ele. Vem que a gente te leva.

Bruce Frederick Joseph Springsteen é nativo de Long Branch, New Jersey, estado americano vizinho a New York. Desde cedo mostrou talento para escrever, cantar e tocar violão. Sempre disse em entrevistas ao longo do tempo, que foi educado pelas canções Rock, Soul e Pop que ouvia em seu rádio nos anos 60. Gente como Smokey Robinson, Beatles, Stones, bandas da Invasão Britância, soul da Motown, hits passageiros, toda a produção da Stax, enfim, um caldeirão musical de primeira grandeza. Mesmo assim, Bruce estava mais para um Bob Dylan rocker que para qualquer outra coisa no início de sua carreira. Seu primeiro disco, Greetings From Asbury Park e The Wild, The Innocent And The E Street Shuffle, de 1973 e 1974, respectivamente, o mostram ainda vacilante sobre seguir os caminhos do trovador ou abraçar o Rock. Ele optou pelo segundo, sem, no entanto, jamais abandonar o primeiro.

Seu primeiro disco essencial é Born To Run, lançado em 1975, terceiro de sua carreira. Bruce queria colocar no papel e musicar o sentimento das pessoas menos favorecidas, operários, gente sem futuro ou esperança, veteranos de guerra, enfim, os coadjuvantes do tal american dream e dar-lhes voz. Escolheu uma metáfora querida a todo americano: carros e pistas que fornecem meios para deixar uma New Jersey adjacente, acessória e pouco capaz de fornecer oportunidades para uma juventude que queria viver em paz após a derrota na Guerra do Vietnã.

Canções memoráveis como a faixa título, Thunder Road, Tenth Avenue Freeze Out e Jungleland mostram essa mistura de corrida pela vida e reforço dos valores da família, do passado como lembrança do que somos e norte do nosso destino, enfim, um disco redentor. Também é o primeiro trabalho em que a E Street Band adota a importância que passaria a ter na carreira de Bruce, sobretudo com a presença de gente como o guitarrista Little Steven Van Zandt, o saxofonista Clarence “Big Man” Clemons e o baterista “Mighty” Max Weinberg.

Em 1978, após uma pendenga legal com seu manager anterior, Mike Appel, Bruce já pode lançar seu novo disco, que ficara embargado na justiça por conta da intransigência de Appel. Jon Landau, ex-crítico da Rolling Stone, deixara sua profissão de lado para empresariar Bruce e assumir a produção executiva de seus discos. Appel ocupava essa posição e houve divergência, devidamente superada após três anos. O resultado foi um disco pessimista, uma espécie de primo sombrio de Born To Run, chamado Darkness On The Edge Of Town. O quarto disco do Boss é um compêndio de situações de perrengue máximo, adversidades mil e contém algumas receitas sobre como lidar com isso. Era um tempo estranho nos USA, a chamada Era Carter, em que o país atravessava uma entressafra de valores e situações. Muita gente perdendo emprego nas fábricas, muita desilusão reinando e, para combater isso, canções como Badlands, Adam Raised A Cain, Prove It All Night surgiam como hinos ou lamentos, dependendo do freguês.

Depois da sombra, uma certa dose de luz. É o que temos em The River, o quinto disco do Boss, lançado em 1980. É um álbum duplo, que procura conciliar a esperança de Born To Run e a vida real de Darkness…, produzindo um efeito precioso. Nesse disco está um grande sucesso radiofônico de Bruce, Hungry Heart e outras canções, ainda usando a velocidade dos carros como passaportes para novas oportunidades na vida, como Stolen Car, The River, Ramrod e a beleza de Independence Day.

O grande sucesso comercial da carreira de Bruce viria em 1984, com seu sétimo disco, Born In The USA. Lançado após Nebraska, um disco totalmente acústico, gravado em casa, o novo trabalho era absolutamente voltado para as grandes multidões que o Boss conquistara ao longo da carreira. A faixa título foi o primeiro sucesso, interpretada erradamente – fora dos USA – como uma canção patriótica, enaltecedora da Era Reagan, a qual foi responsável pelo surgimento do neoliberalismo, dos yuppies e de decisões que culminaram com o fim de várias instâncias e situações legais nos anos seguintes. Bruce cantava pela recuperação da América que ele sonhava existir fora de Jersey, em Born To Run. A mesma entidade mítica que pode proporcionar redenção, transformação e felicidade numa dança, retratada em Dancing In The Dark, cujo clipe varreu o mundo numa época em que o meio mais avançado de comunicação era a TV via satélite.

Ao dançar com uma Courtney Cox adolescente e de cabelo curtinho, Bruce cristalizava uma atitude que lhe trouxe notoriedade: elevar o público ao palco ou, se preferirem, igualar todos lá embaixo do palco, uma vez que ele vai e volta no meio das multidões como se todos fossem (e essencialmente são) uma coisa só. Outras músicas belas surgem no disco, como I’m Going Down, a discreta homenagem ao estilo de Elvis Presley cantar em I’m On Fire ou a ode à camaradagem de bar em Glory Days, tudo em seu lugar, tudo americano como uma tarde no Drive In, mas irrestivelmente bem feito, bem produzido e bem tocado. Tamanha projeção lhe renderia espaço de destaque na canção We Are The World, gravada em 1985, para o projeto USA For Africa. Muita gente o viu pela primeira vez ali, se esgoelando no clipe da canção beneficente. Outros muitos, num dos clipes de Born In The USA.

Podemos dizer que esses discos, entre 1975 e 1984, incluindo talvez, as canções sombrias de voz, violão e gaita de Nebraska, constituem o filé mignon da obra do Boss. O disco seguinte a Born In The USA, Tunnel Of Love, lançado em 1987, é um belo trabalho, cheio de tristeza e desilusão, fruto de um relacionamento amoroso, na verdade, o casamento do Boss com a modelo Julianne Phillips, que terminaria em 1989. Canções como Brilliant Disguise e a faixa título são lancinantes declarações de sentimentos confusos e desviados, sempre sinceros e certeiros. Em 1991, Bruce se casaria com Patti Scialfa, cantora e integrante da E Street Band, com quem vive até hoje.

Ao longo da década de 1990, Bruce lançou vários discos, mas sua parceria com a E Street Band fora interrompida a partir de Tunnel Of Love. Ele fez bons trabalhos como The Ghost Of Tom Joad (1995), seu segundo disco totalmente acústico, gravou singles importantes como “Streets Of Philadelphia” (de Filadélfia) e Dead Man Walking (Os Últimos Passos de Um Homem), canções que o levaram para a Cerimônia do Oscar, sendo vencedor com a primeira e indicado com a segunda. Outra canção de sucesso foi Secret Garden, incluída na trilha sonora de Jerry Maguire.

O Boss retornaria a tocar e compor com seus colegas por um curto momento em meados dos anos 90 e, definitivamente, a partir de 1999, quando o velho time de músicos e amigos se reuniu para uma turnê nostálgica, que teve uma apresentação no Madison Square Garden, em New York, devidamente registrada para a posteridade. Em 2002, pouco tempo após o atentado às Torres Gêmeas, Bruce soltou o seu primeiro disco de inéditas com a E Street Band desde Born In The USA, o celebrado e maravilhoso The Rising, que completa a sua sequência de discos perfeitos. Canções como Lonesome Day, Waiting On A Sunny Day e a faixa título recuperam sua sonoridade solene e confessional, emotiva e emocionante, mantendo intacto o seu valor como intérprete e cantor de Rock.

Os discos lançados a partir de The Rising, a saber, Devils And Dust (2005), Magic (2007), Working On A Dream (2009) e, sobretudo, Wrecking Ball (2012), sem mencionar a coleção de covers de Folk songs tradicionais The Seeger Sessions e seu desdobramento ao vivo Live In Dublin, mantiveram a qualidade da obra de Bruce, fornecendo uma canção aqui, outra ali, além da mudança de concepção na E Street Band, encorpada com percussionista, trio de backing vocals, naipe de metais e substitutos para os falecidos integrantes originais, Dan Federici (2008) e Clarence Clemons (2011), sendo que, este último foi sucedido por seu sobrinho, Jake Clemons desde 2012. O forte do Boss, no entanto, é o palco. Sua versão do Rock e como o estilo pode significar mais que simples música, tem cativado o mundo há muito tempo. Vê-lo ao vivo é uma experiência redentora, única e transformadora.

Além dos discos, o Boss tem DVD’s/Blu Rays que merecem aquisição imediata. O registro do reencontro da E Street Band em 2000, Live At New York City é emocionante, mas perde em espontaneidade para a apresentação de Bruce no Hyde Park, documentada em London Calling: Live At Hyde Park, mostrando o show no famoso parque londrino na íntegra, ainda com Clarence no line up da banda. Entre ambos os registros ao vivo, há VH1 Storytellers, documentando um episódio da série VH1, no qual artistas e grupos surgem no palco para contar casos sobre suas músicas e carreira. O Boss nos presenteia com explicações sensacionais e interpretações emocionantes de clássicos como Thunder Road e Waiting On A Sunny Day, ainda respondendo a perguntas da plateia.

Os fãs aguardam o lançamento de Springsteen And I, documentário feito a partir de filmes caseiros enviados por fãs, contando a importância da música de Bruce em suas vidas. Poucos felizardos brasileiros viram o filme no cinema e a espera é tenaz. Bruce Springsteen, gente, é um cara como qualquer um, podia ser nosso pai/avô e andar no mesmo chão que pisamos, ele demole o mito do Rock ao mesmo tempo que o reafirma como sendo algo do povo para o povo. É uma grande contradição, mas é disso que a vida é feita. Bruce é 100% verdade, com ele não tem erro.

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Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.