17 Discos Esquecidos dos Anos 90

Listamos alguns álbuns que permanecem obscuros nessa década, mas que não são ruins por esse fato

Loading

Toda década tem seu quinhão de injustiças e esquecimentos em termos de música pop e com os anos 90 não é diferente. Um dos grandes cacoetes da crítica musical tem sido a reavaliação de obras e artistas, uma vez que a percepção da arte varia com a passagem do tempo, exceto para aquelas obras ditas atemporais, que são imunes ao envelhecimento, algo cada vez mais raro. Cavocamos um pouco nos arquivos dos 90’s e fizemos uma listinha de discos esquecidos. Tem de tudo: de one hit wonders a medalhões do Rock e do Pop, que merecem uma audição mais cuidadosa.

Betty Boo – Boomania (1990)

Muita gente pensa nos anos 90 como um desfile sem fim de bandas de Rock dos dois lados do Atlântico, umas fiéis ao que se chamou de Grunge e outras, rezando na cartilha do Britpop. A década teve seu quinhão de (boas) produções pop, em que o mais avançado era misturar Hip-Hop/Rap às estruturas tradicionais da música pra tocar no rádio. Nesse quesito, Beety Boo, nascida Alison Clarkson, foi pioneira. Apareceu na MTV num belo dia do início da década, vestida de astronauta, num clipe bagaceira para seu primeiro hit, Where Are You Baby?, faixa que, junto com o outro single, Doin’ The Do, puxou este seu primeiro disco, Boomania. Betty era linda, cheia de charme britânico temperado por origens malaias e, rápido como veio, foi-se embora do mapa da música pop. Seu disco e suas cançonetas permanecem com o status de tesouro escondido.

Uncle Tupelo – No Depression (1990)

Uncle Tupelo foi a banda que mostrou ao mundo dois sujeitos bem importantes para a música das décadas seguintes: Jeff Tweedy e Jay Farrar. Eles seriam os responsáveis, respectivamente, por Wilco e Jayhawks, a dupla coexistiu criativamente nesta que foi a banda pioneira na sonoridade entendida por Alt. Country. Na verdade, o Uncle Tupelo não foi o único responsável, mas em suas músicas houve chance de Punk, Blues, Rock Stoniano dos anos 70 e Country music fazerem sentido juntas. No Depression, primeiro disco dos sujeitos, gravado de uma tacada só nos cafundós de Minneapolis, representou algo novo e inesperado naquele início de década esquisito.

Replacements – All Shook Down (1990)

Este é um dos mais sensacionais discos da década de 1990 e pouquíssimas pessoas sabem disso. Muitos preferem vê-lo como o canto de cisne de uma excelente banda de Punk Rock oitentista, devidamente obtusa pela passagem do tempo e pelas crises internas. O homem por trás da banda, Paul Westerberg, começou o disco como um projeto solo, pilotado pelo produtor do REM, Scott Litt. Aos poucos, no entanto, Westerberg foi admitindo que este poderia ser o último disco dos Replacements. Vários músicos convidados participam de All Shook Down, entre eles, John Cale, Benmont Tench, Terry Reid e a vocalista do Concrete Blonde, Johnette Napolitano. Não seria exagero dizer que este álbum seria influência decisiva para dois gêneros importantes da década, grunge e alt.country, sendo capaz de misturar instrumental eletroacústico, letras maravilhosas e punch inegável. Não foi por acaso que Paul compôs duas canções para a trilha sonora de Singles, filme de Cameron Crowe que tem Seattle e sua cena musical como pano de fundo.

Candy Skins – Space I’m In (1991)

Além dos medalhões, dos popstars e dos poseurs, toda década tem sua segunda divisão. Este conceito é subjetivo, uma vez que, muitas bandas consideradas “inferiores” pelo senso comum, podem ou poderiam ter potencial para estourar mundialmente. O destino do Candy Skinks foi permanecer um segredo para muitos, exceto para os que nasceram e viveram a virada da década 80/90 em Oxford, Inglaterra. Eram a banda mais querida da cidade, Radiohead e Supergrass nem existiam formalmente e o Ride, outra ilustre formação de Ox4, era o maior representante da região nas paradas do Reino Unido. Space I’m In é seu segundo disco e mostra bem a indefinição sonora do período entre as Acid Bands e o Britpop. Candy Skins escapava da maioria sem noção com belas canções como “Never Will Forget You” e covers espertas, como For What It’s Worth, do Buffalo Springfield, gravada com samples de Sympathy For The Devil, dos Stones.

Stereo MC’s – Connected (1992)

Era impossível escapar de Connected, a faixa-título deste terceiro disco do Stereo MC’s no início de 1993. Estava nas rádios, na MTV, nas festas da faculdade, junto com Step It Up, outro grande hit do álbum. Stereo MC’s veio como um contraponto dançante daquele início de década, no qual se formaram bandas de “Dance Rock” como EMF e Jesus Jones. SMC’s era mais malandro, mais ostensivamente pulante e sem qualquer compromisso com o Rock. Infelizmente, os sujeitos só conseguiram fazer sucesso com este trabalho, sendo engolidos rapidamente pelos primeiros indícios da música eletrônica da década de 90, algo que iremos destrinchar mais seriamente numa lista só para o estilo.

Screaming Trees – Sweet Oblivion (1992)

Parecia tudo bem na vida dos Screaming Trees. Finalmente assinavam contrato com uma grande gravadora – já estavam no quinto disco – e haviam batalhado ao longo da década de 80 em busca de alguém que se interessasse por seu Rock Psicodélico e pesado. Foram erradamente incluídos na onda grunge, sobretudo após seu maior hit em todos os tempos, Nearly Lost You, entrar na trilha sonora de Singles, o tal filme romântico de Cameron Crowe tendo a cena musical de Seattle como fundo. Nos vocais estava um certo Mark Lanegan, em sua melhor performance até hoje. Além dele, os irmãos Gary Lee Conner (guitarras) e Van Conner (baixo) e o baterista Barret Martin. O disco chegou a ser lançado no Brasil e tocou em rádios de rock alternativo. Pouco tempo depois, Lanegan iniciaria uma carreira solo e a banda ficaria quatro anos sem gravar. O sucessor de Sweet Oblivion, Dust, foi o último registro do Screaming Trees.

Grant Lee Buffalo – Fuzzy (1993)

Não é exagero dizer que Grant Lee Phillips é um dos maiores cantores da década de 90. Seu registro, oscilando entre o alto e o sofrido, é raro e belíssimo. Sua banda, Grant Lee Buffalo, é uma das grandes maravilhas daquela década, criminosamente relegada a um segundo, terceiro plano. A música do GLB era grandiosa, tangenciava o Country, o Rock, toques de David Bowie, tinhas guitarras cortantes e gentis, de acordo com as circunstâncias e era muito, muito bonita. Num tempo em que o Grunge determinava o que era jovem e vendável, um disco tão sutil e lírico como Fuzzy ficou de lado. A quantidade de canções belas aqui é enorme: a abertura com a levada skiffle de Shining Hour, a beleza noturna de Jupiter And Teardrop, o ritmo hipnótico da faixa-título, o humor negro de Dixie Drugstore, é um disco absolutamente perfeito. E pouco conhecido.

Verve – A Northern Soul (1995)

O segundo disco do Verve, banda que era considerada por Noel Gallagher e seus fãs como “a segunda banda mais querida” da Inglaterra, é o melhor de sua carreira. Muito mais interessante que o seguinte, Urban Hymns, que catapultou Richard Ashcroft e seus amigos ao estrelato, via Bittersweet Symphony. A Northern Soul é mais pé no chão, mais lírico e enguitarrado, com momentos de pura beleza como On My Own e History, simplesmente a duas mais belas canções compostas por Ashcroft e o guitarrista Nick McCabe. Com este disco, Verve seria considerado “a próxima banda a ser ouvida” e abria as portas para o estouro mundial, dois anos depois.

Cast – All Change (1995)

Impressionante como a Inglaterra da primeira metade da década foi capaz de produzir tantas bandas boas. A ideia de abraçar o Rock Inglês levada adiante pelo Britpop, contaminou totalmente todo o país. Cast vinha de Liverpool, capitaneado pelo baixista John Powers, que também tocava em outra banda do norte, The La’s. O primeiro disco dos rapazes, All Change, é um verdadeiro bálsamo para ouvidos cansados, obtido através de uma apropriação completa de várias vertentes do rock da Velha Ilha. Há belezuras saltitantes como Alright, contemplativas como Tell It Like It Is e líricas como Walkaway. O mundo seria um local mais feliz se essas bandas tivessem estourado mundialmente, mas Cast permaneceu como privilégio dos britânicos.

Passengers – Original Soundtracks 1 (1995)

Os anos 90 foram um tempo interessante para o U2. Os irlandeses tiraram uma década para brincar com sua imagem e sonoridade, sem culpa, sem medo, enchendo seu trabalho de novas e interessantes referências. Na metade da década, o U2 colhia os louros de sua guinada eletrônica, insinuada em Achtung Baby (1990) e levada adiante em Zooropa (1993). Bono gravava com Frank Sinatra, Larry Mullen e Adam Clayton se preparavam para atualizar o tema de Missão Impossível para a trilha sonora da versão cinematográfica da série de TV, que viria com direção de Brian de Palma e participação de Tom Cruise. Enquanto isso, decidiram participar do projeto que seu produtor, Brian Eno, Original Soundtracks 1. Era mais um disco com falsas trilhas de falsos filmes, como Eno já havia feito nos anos 70, com Music For Films. É o trabalho mais ortodoxo do U2, sem sombra de dúvidas. Para marcar o lugar nas paradas, fizeram Miss Sarajevo, uma das mais belas canções da carreira da banda, com participação do tenor Luciano Pavarotti. O disco, no entanto, merece audição renovada.

Mad Season – Above (1995)

Formado a partir de uma temporada de desintoxicação do guitarrista do Pearl Jam, Mike McCready, Mad Season surgiu numa clínica de reabilitação em Minneapolis. McCready encontrou com John Baker Sounders, baixista de Blues durante a internação e os dois decidiram montar uma banda. O guitarrista falara com Layne Staley, vocalista do Alice In Chains, que topara de imediato. Além dele, vieram para a nova banda o vocalista e o baterista do Screaming Trees, Mark Lanegan e Barrett Martin. De volta a Seattle, McCready organizou shows e gravações de improvisos no estúdio e, depois de dez dias, o grupo tinha um novo disco, Above. O resultado era uma espécie de híbrido entre o Grunge e o Hard Rock, mas próximo da sonoridade de Pearl Jam, mas com vocais marcantes de Staley, cantor tão importante quanto Eddie Vedder, mas pouco lembrado. A banda fez três shows na cidade e suspendeu atividades por conta dos compromissos dos integrantes com suas “bandas oficiais”. Above permanece como um pequeno tesouro escondido sob as nuvens de Seattle.

Alice In Chains – Alice In Chains (1995)

Em 1995 o Grunge era quase um termo pejorativo. A indústria do entretenimento encontrara esse rótulo para definir as bandas alternativas pesadas surgidas em Seattle e incluíra nesse balaio, um pouco de tudo. Dentre as formações da cidade chuvosa do noroeste americano, Alice In Chains sempre foi a mais próxima do Heavy Metal tradicional. Para muitos, a banda perdeu o brilho depois do Acústico MTV, de 1996 e seu terceiro disco, batizado apenas com o nome da banda, passou despercebido. Bem, o disco homônimo do Alice In Chains é seu melhor trabalho. Se não tem canções ganchudas como Man In The Box ou Would, tem pancadas como Grind, Brush Away e Over Now, além da baladona Heaven Beside You. Este álbum prova a importância da dupla Layne Staley/Jerry Cantrell para o rock daqueles tempos.

Pearl Jam – No Code (1996)

No Code é o disco mais experimental e difícil do Pearl Jam. Não foi possível encontrar um hit em suas canções, todas angulosas e estranhas, mas também brilhantes. A banda de Eddie Vedder e Stone Gossard sempre detestou o termo “Grunge”, lidou mal com a exposição pública e procurava expandir seus limites musicais. A abertura com a tensa Sometimes, entrega um disco atípico. A tensão sussurada dá lugar ao esporro estilizado de Hail Hail e o single do disco,Who You Are. Há várias crocâncias em No Code, a começar pela embalagem em digipack, cheia de fotos, além de detalhes como os vocais de Stone Gossard cantando sua primeira canção na banda, Mankind, além do clima Crazy Horse que assmbra Smile, uma das grandes canções do Pearl Jam desde sempre. Ainda veríamos o tempo fazer de Lukin e Off He Goes duas favoritas em shows.

Fatboy Slim – Better Living Through Chemistry (1996)

Depois de passar a década de 1980 pilotando o baixo dos Housemartins e bater ponto no Pizzaman logo em seguida, Cook resolveu assumir uma persona – Fatboy Slim – e abraçar a música eletrônica. Seu approach era através das batidas, da união rítmica de bateria pesadíssima e baixo com graves que vão direto no estômago. Gravou seu primeiro disco sozinho, mixando os instrumentos e usando vários samples. Estampou um disquete na capa, marca maior de que a eletrônica estava presente no disco e que conferiu a Better Living Through Chemistry um carimbo da época em que foi feito, por mais que sua proposta ainda soe atual. Certamente Fatboy não igualará sua sensacional Going Out Of My Head, hit a tal ponto que figurou na trilha sonora do Fifa 98, quando ainda era novidade uma música fazer parte de um game. E com samples de I Can’t Explain, do Who, gravada em 1965.

K – Kula Shaker (1996)

Quando o Britpop começou a dar sinais de cansaço, algumas bandas menos ortodoxas tiveram sua hora e vez. Kula Shaker apareceu como uma novidade em meio às formações usuais, justamente por conta de seu flerte estilístico com sonoridades indianas. Na verdade, Crispian Mills, o cérebro por trás do conceito, não era o pioneiro nisso, mas sua banda soava mais adaptada às sonoridades exóticas e fazia tudo parecer mais conciso. Canções como Hey Dude, Tattva, Govinda e Grateful When You’re Dead são bons exemplos desse curry musical, servido num restaurante inglês.

Fin de Siécle – Divine Comedy (1998)

Divine Comedy, banda-conceito formulada por Neil Hoon, teve sua década de 1990 vivida com discrição, dificilmente ultrapassando os limites do Reino Unido. Assim como o Pulp, o DC buscava sua razão de ser na encruzilhada do Pop refinadíssimo dos anos 60, executado por Scott Walker e congêneres. O que pode parecer cinismo e tiração de sarro com a sociedade, não passa de humor negro tipicamente britânico, disfarçando decadência e sentimentos resistentes pela perda do Império, misturando tudo com tédio e pouca perspectiva num futuro em que a Grã-Bretanha será nada mais que um estado exótico dos Estados Unidos. Fin de Siécle junta tudo isso, mistura com James Bond e decadência total anunciada em canções como National Express, Sweden, Sunrise e Generation Sex. Genial.

Propellerheads – Decksandrumsandrockandroll (1998)

Por falar em James Bond, os filmes do agente secreto com permissão para matar também inspiraram outra formação britânica dos anos 90, porém com carreira bem menos longa que Divine Comedy. Will White e Alex Gilford formaram Propellerheads em 1995 e demoraram até chegar ao primeiro disco. Três anos depois, Decksandrumsandrockandroll chegava às paradas de sucesso com uma sensacional canção chamada History Repeating, com a participação de Dame Shirley Bassey, a responsável pela clássica canção-tema de Goldfinger, um dos mais representativos filmes de Bond, James Bond. Com instrumentação próxima do big beat de Fatboy Slim, mas com vários twists em meio ao todo, Propellerheads conseguiu seu espaço no meio dos artistas de música eletrônica da década, mas não chegou nem ao segundo disco.

Loading

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.