Arcade Fire: Muita História pra Contar

Com seu quarto álbum saindo do forno, uma das características da banda se destaca ainda mais que as outras

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Há cerca de uma década, ouvimos muito sobre Arcade Fire, que se tornou uma das bandas mais celebradas e comentadas em editoriais, resenhas, blogs, redes sociais e conversas entre amigos – assim como aquela resposta natural da oposição que todos que recebem muita atenção precisam lidar. E muito é conversado sobre sua formação fora do comum (principalmente na época de seu lançamento), as escolhas dissonantes e as quebras nas estruturas em que os músicos apostam, ou mesmo o grande reconhecimento que o grupo canadense conseguiu atingir fora do meio Indie.

Ainda assim, uma de suas maiores qualidades não pode passar desapercebida, que é a capacidade que a banda tem de criar obras que vão muito além do “conceitual”. Elas chegam a ser narrativas. Se você se deixar envolver pelo disco, ele vai parecer um filme com começo, meio e fim, ou mesmo um livro que te conta histórias e levanta questionamentos sob um mesmo tema e te faz projetar as mais diversas cenas na mente.

Mais legal ainda é como Win, Regina e seus companheiros parecem fazer isso naturalmente na maneira com que criam as músicas e álbuns. Não existem personagens definidos que percorrem as faixas em uma saga ou drama, mas cada uma delas trata os temas propostos sob um mesmo ponto de vista. Por isso que a gente pode ouvir Arcade Fire em qualquer momento ou contexto que as músicas continuam fazendo sentido. Porém, se você investir em uma audição atenta de cada um dos discos, terá uma experiência com muito mais significado.

O que toda a discografia tem em comum nas letras e temas, desde sua estreia com Funeral (2004) ao novo Reflektor, é uma grande imersão no que existe por dentro, de sentimentos e sensações à nostalgia e suas referências. Mais do que revelar qualquer assunto, seja retratar o momento em que vivemos ou algum aspecto da sociedade, tudo é exposto como uma resposta emocional – o que condiz também com a maneira sensorial e orgânica com que as melodias são compostas.

Isso ajuda muito na empatia do ouvinte com o trabalho da banda, até porque os temas escolhidos são de fácil identificação e a maneira com que tudo é feito é muito sincera, orgânica. Em seu primeiro álbum, por exemplo, um tom bastante pessoal toma conta da narrativa e a palavra “neighborhood” (literalmente “vizinhança”, empregada bastante em inglês no sentido de “comunidade”) aparece diversas vezes, inclusive batizando quatro das dez faixas, com cenas que remetem à infância e família por melodias ora doces, oras fantásticas.

Neon Bible (2007) surge com uma proposta menos pessoal e mais crítica, tratando de temas da sociedade em nossos tempos, principalmente nos Estados Unidos. Com uma aura muito mais densa do que no anterior, dá pra sentir a postura carregada de negativismo e tensão em cada uma de suas faixas.

O pós-industrialismo e pós-modernismo, com lamentos que lembram o que Sufjan Stevens fez em seu Greetings from Michigan, aparecem em figuras de linguagem que usam carros e aviões ou músicas inspiradas pela alienação pelos meios de comunicação e o pensamento pré-formatado.

É interessante notar como muitas palavras ou versos são repetidos ao longo dos discos, reforçando sua coesão. Isso aconteceu muito em The Suburbs (2010), já que muito do que ouvimos na faixa-título reaparece em algum outro momento do álbum. Mais do que isso, sua melancolia é estendida por mais quinze faixas, até uma reprise como um poslúdio para o encerramento.

Neste seu terceiro álbum, Arcade Fire conseguiu encontrar um meio termo entre os temas mais pessoais de Funeral e os coletivos de Neon Bible. O resultado é um grande retrato de sentimentos que temos, até mesmo como sociedade, ao olharmos para o passado recente e nos perguntarmos o que aconteceu para nossas vidas estarem deste jeito hoje.

Com uma trilogia tão impecável, chega Reflektor continuando o desenvolvimento de sensações e questionamentos íntimos, desta vez mais existencialista do que nunca. Ele coloca em jogo questões sobre a insatisfação espiritual sem medir palavras, emoções ou euforia. Sim, o álbum entra pra história com grandes momentos de histeria musical da banda, como se seus músicos tentassem sair dançando de sua condição de existência.

É claro que ainda há muito mais o que se dizer sobre o álbum, mas isto acontecerá na semana que vem em forma de resenha. E, obviamente, há muito mais a ser dito sobre Arcade Fire e cada uma de suas obras. Estas observações são apenas pequenos argumentos para que você preste ainda mais atenção na hora que quiser ter mais contato com a banda.

E, assim como muitos dos temas trabalhados são pessoais, a experiência de ouvir seus discos acaba sendo muito pessoal e cada um pode ouvir uma história diferente. Por mais qualidades que ela tenha, é isso o que faz Arcade Fire ser ainda mais especial que as outras boas bandas que ouvimos na última década.

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ARTISTA: Arcade Fire
MARCADORES: Discografia, Redescubra

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.