Cadê: “Vôo de Coração”, primeiro disco de Ritchie (1983)

Disco de estreia do cantor é quase sempre na história da música brasileira, sendo atualmente apenas encontrado em sua edição de relançamento

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Era difícil estar no Brasil em 1983 e não ouvir Menina Veneno tocando em algum lugar. Emissoras de rádio, programas de TV, gente cantarolando nas ruas, é possível cravar que a composição de Ritchie e Bernardo Vilhena foi um dos maiores hits de todos os tempos na nossa simpática Ilha de Vera Cruz. Quem pensa que Ritchie era um novato no ofício da ourivesaria Pop naquela época, cometerá grande erro. Uma olhada para os dez anos anteriores ao lançamento de seu primeiro disco, Vôo de Coração, mostra que o sujeito já batalhava por seu espaço.

Richard David Court nasceu em Beckenham, Inglaterra, em 1952. Passou sua infância e adolescência indo e vindo, dentro e fora do Reino Unido, por conta da profissão do pai, que era um militar inglês vinculado à OTAN. Quando tinha 20 anos, Ritchie conheceu Rita Lee e Liminha, que estavam na Inglaterra. Nesta época ele já havia abraçado a música e tocava flauta numa banda obscura chamada Everyone Involved, e a presença de 2/5 dos Mutantes era algo que não acontecia todo dia. No fim de 1972, Ritchie desembarcou no Brasil por conta da amizade que havia feito com Rita e Liminha, além da perspectiva de tocar com eles por aqui. Logo ele estava com uma banda nova, a Scaladácida, que não decolou, levando nosso herói a trocar seu destino inicial, São Paulo, pelo Rio de Janeiro. Participou de outras bandas como Soma e Barca do Sol, para, em 1975, integrar uma nova formação, o Vímana. Seus companheiros de banda eram Lobão, Fernando Gama, Luiz Paulo Simas e Lulu Santos. Tiveram um único compacto editado pela Som Livre, Zebra, que não os levou muito longe. Quando Lulu deixou a banda em busca de uma carreira solo, o Vímana deixou de existir. Ritchie tornou-se amigo de Jim Capaldi, baterista do Traffic, e com ele gravou um disco, Let The Thunder Cry, em 1981. Logo após, resolveu procurar um velho parceiro de letras dos tempos do Vímana, Bernardo Vilhena.

Durante todo esse tempo em solo brasileiro, Ritchie atuou como professor de inglês. Deu aula para muita gente famosa, de Egberto Gismonti, Paulo Moura ao amigo Liminha, que topou produzir a demo-tape de “Menina Veneno” em meados de 1982. Como o resultado foi muito mais legal do que poderia supor, Ritchie decidiu gravar outras composições que vinha fazendo com Vilhena. Esta fita circulou pela noite carioca até cair nas mãos de executivos da CBS/Epic, que decidiu bancar a gravação de um compacto com “Menina Veneno”. Em fevereiro de 1983 ela já invadia as rádios, sedentas por novas “músicas jovens” nos mesmos moldes do que a Blitz começara a fazer pouco tempo antes. Em poucas semanas já eram 500 mil cópias vendidas e a gravação de um disco era o caminho natural.

Veio então Vôo de Coração. A faixa-título, uma balada futurista, já trazia a guitarra impressionante de Steve Hackett, recém-saído do Genesis. Além dela, “A Vida Tem Dessas Coisas”, uma bela balada pop, “Pelo Interfone”, cheia de traços cyber-latinos e o decalque eficiente de technopop de “Casanova”, configuravam, além de “Menina Veneno”, um feixe irresistível de boas canções, dando ao disco uma cara de coletânea de sucessos. Os velhos companheiros de Vímana tocaram no disco, além de Liminha, que tocou guitarra, baixo e produziu. O álbum colocou Ritchie na pole position de ídolo nacional, seguido de perto por Lulu Santos, num páreo em que Lobão ainda corria por fora, sendo que o inglês saíra na frente. Seus discos seguintes não foram tão importantes como Vôo de Coração, apesar de cravarem hits certeiros como “A Mulher Invisível” (de E A Vida Continua, 1984) e “Transas” (de Loucura e Mágica, 1986). Ao longo dos anos 90, a carreira de Ritchie entrou em declínio, levando-o a investir na informática, sobretudo na área de webdesing musical. Em 2002, Auto-Fidelidade, o recolocou no mapa de discos de inéditas.

Ano passado, Ritchie gravou um disco de covers em inglês, o primeiro de sua carreira, comemorando seus 60 anos de idade, batizado simplesmente de … 60. Está na ativa, periodicamente rodando o país e acaba de participar de uma série no canal HBO, Destino: Rio de Janeiro. Vôo de Coração foi relançado em 2011 numa edição especial de 25 anos, podendo ser encontrado com preços variando entre R$20,00 e R$75,00.

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ARTISTA: Ritchie
MARCADORES: Cadê?

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.