O Alvorecer d’O Jardim das Horas

A identidade do povo brasileiro é fruto da mistura de outras tantas culturas diferentes. A miscigenação, que torna nossa cultura tão rica, variada e profundamente interessante, é também vista em nossa música. Sempre em mutação e evoluindo, não faltam exemplos de como nosso hibridismo gera música boa: ritmos e batuques africanos, em nossas mãos, se tornaram o Samba, que mais tarde se juntou ao Jazz norte americano para formar a Bossa Nova e que mais tarde ainda se juntou ao Rock para dar forma a Nova MPB. Esta cadeia de eventos é só um exemplo da formação de nossos novos gêneros, mas sabemos muito bem do grande número de estilos e cenas que surgiram em nosso país graças à inventividade do nosso povo e a vontade de amalgamar e experimentar com os mais diversos ritmos e dar a nossa cara a eles.

É mais ou menos neste mesma toada que surgiu o trio cearense O Jardim das Horas, formado por Laya Lopes, Carlos Eduardo Gadelha e Raphael Haluli. Juntando o Trip-Hop, de bandas como Massive Attack e Portishead, ao Tropicalismo, tipicamente brasileiro (além de toques aqui e ali da MPB), o grupo sabe muito bem trazer tendências da música eletrônica ao sertão nordestino sem em nenhum momento se desviar em qualquer tipo de regionalismo. Esta é música brasileira feita para brasileiros, mas sem em se tornar um pastiche cultural (seja da nossa própria ou da que vem de fora). Um hibridismo perfeito, tal qual a identidade de nosso povo.

Cheias de experiências letárgicas, as faixas da banda sabem muito bem emaranhar amarras eletrônicas à instrumentação convencional. O dinamismo das guitarras e ótimas linhas de baixo fazem a cama para a bela voz de Laya, tudo isso sendo costurado por programações, batidas e tonalidades computadorizadas. Falando na voz da moça, sua interpretação é outro pilar da sonoridade da banda. Ora mais rasgada, ora mais introspectiva, o som da banda viaja com naturalidade entre os dois opostos – e o faz muito bem.

Anteriormente conhecida como O Quarto das Cinzas, que veio a se tornar o nome do primeiro disco do grupo, lançado em 2010, foi somente em 2007 que assumiu seu atual nome e começou a ganhar algum destaque no cenário nacional, se estabelecendo como uma boa atração nos mais diversos festivais nacionais (e até mesmo nos internacionais, chegando a tocar no SXSW em 2008).

Desde então, O Quarto das Cinzas (2010) e, mais recentemente, o EP Cidadela (2013), foram lançados e continuaram a levar a musicalidade do grupo à outros caminhos. Exemplo disso, o novo EP, além das usuais tendências já vistas no disco, traz toques do Post-Rock à mistura do grupo. Passeando mais uma vez pelos mais diversos sentimentos e humores, a pequena obra passeia por momentos de sedução, amargura, agressividade e dor – uma viagem poética embalada por uma rica e vertiginosa experiência sensorial.

Como disse Vitor Ferrari em sua resenha do EP: “Jardim das Horas é uma boa escolha para quem procura uma sonoridade com elementos brasileiros – ritmo, poesia, lirismo, sensualidade e energia – mas sem soar como algo enlatado e moldado, mas sim algo orgânico, de expressão natural.” Não haveria jeito melhor de definir o som a banda e melhor forma de encerrar este breve redescoberta de um dos bons nomes da música nacional.

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MARCADORES: Redescobertas

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Apaixonado por música e entusiasta no mundo dos podcasts