O Tempo, Ele Não Para

Grande obra de Bob Dylan ainda nos faz refletir cinco décadas após seu lançamento

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Quanto o mundo muda em 50 anos?

Se você já viveu metade desse período, só não admite o quanto o mundo mudou desde que você era criança por medo de parecer bem mais velho do que é. Falando nisso, olhar pros nossos pais pode também ser um bom indicativo do que cinco décadas significam. Se estudando eras históricas isso não é nada, em um ponto de vista pessoal pode ser muita coisa (é toda vida, quantos não chegam nem a essa idade, né?). Em nossa época, para a sociedade é também uma quantidade expressiva de tempo.

Em 13 de janeiro de 1964, era lançado The Times They Are A-Changin’, terceiro álbum de Bob Dylan, porém o primeiro formado apenas por canções autorais suas. A primeira faixa, a que batiza o disco, é tida como uma das mais expressivas sobre tudo o que ocorreu naquela época (e ao longo da década) e que reflete diretamente em como nossa vida é hoje, seja no campo político, social ou – como não poderia deixar de ser – cultural. Logo, não é de se surpreender que ela tenha sido uma das músicas mais compartilhadas na época das manifestações pelo Brasil no ano passado. Lembra?

“There’s a battle outside/And it is ragin’./It’ll soon shake your windows/And rattle your walls/For the times they are a-changin’” era um dos versos mais mencionados em redes sociais para explicar a sensação do povo nas ruas. Vários músicos tentaram criar aquele que seria “o hino das manifestações brasileiras”, mas não tinha nem como – Dylan já disse tudo em 1964.

É interessante notar como, bem no meio do caminho entre o lançamento do álbum e hoje, Cazuza lançava O Tempo Não Para (1989). Se o conceito político de The Times They Are A-Changing não se encontra nessa música, certamente ele está no disco (é nele que saiu Ideologia, por exemplo). Muito além disso, as duas possuem o mesmo espírito de registrar essa “metamorfose ambulante” que é o tempo, aquele “nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia” que Lulu Santos cravou em nosso repertório popular.

Outra coisa em comum que elas tem é a inspiração bíblica, seja no “eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades” de Cazuza (“Aquilo que é já foi, e o que será já foi anteriormente” – Eclesiastes 4:15) ou em “The order is rapidly fadin’/ And the first one now/ Will later be last/ For the times they are a-changin’” (“Muitos primeiros serão os últimos, e os últimos serão os primeiros” – Marcos 10:31) na tal faixa-título. A mesma inspiração que soprou na arte ocidental nos últimos milênios está tanto no poeta brasileiro quanto em Dylan, assim como em Mumford & Sons ou em várias outras bandas que ouvimos por aí.

Porque a vida é isso aí mesmo. Não tem como nada do que foi ser exatamente do jeito que já foi um dia, mas o tempo é tão repetível quanto segue constantemente em frente. O presente incorpora o passado, mas pode ter certeza que o futuro verá a muito do que já se passou (olha quantos revivals já vimos acontecer, por exemplo).

Os tempos mudaram na década de 1960, continuou em 89 e não para de se transformar hoje. A melhor maneira de comemorar os 50 anos de uma das maiores obras de um dos maiores trovadores do século 20 é reconhecer como ela não deixou de ser relevante em nenhum momento. É fácil demais apenas destacar a influência de Bob Dylan na música Folk, mas o momento é apropriado pra também parar e refletir em sua mensagem – até para podermos evitar, já que o tempo se repetirá eventualmente, que aquilo que é ruim volte a acontecer, principalmente nosso conformismo.

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ARTISTA: Bob Dylan
MARCADORES: Aniversário

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.