David Crosby: Testemunha Ocular da História

Com o lançamento de um novo disco solo, revisitamos um pouco da obra de um dos nomes mais importantes da Folk Music

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Não sei de David Crosby iria gostar do título deste artigo, que pega emprestado o bordão do Repórter Esso, o primeiro informativo radiojornalístico brasileiro, exibido na Rádio Nacional ainda durante a Segunda Guerra Mundial, e, mais tarde, na TV Tupi, ficando no ar até o dia 31 de dezembro de 1970. Apesar de histórico, o informativo era um instrumento de propaganda dos Estados Unidos e essa ação talvez fosse o problema para um sujeito libertário como David Crosby. Sua participação em formações históricas dentro do Rock e sua presença em momentos fundamentais na própria formação do conceito do que seria o estilo a partir da segunda metade dos anos 60, no entanto, são credenciais de sobra para o uso do termo “testemunha ocular da história”. Este senhor de 72 anos está lançando um novo disco solo no dia 28 deste mês, algo que, acontecerá pela quarta vez numa carreira que teve início em 1963. Croz, título do novo trabalho, já chega com pinta de campeão.

Crosby não ficou afastado tanto tempo do disco como seria simples supor. Parte integrante do trio Crosby, Stills And Nash (e de sua mutação para quarteto, com a presença de Neil Young em algumas ocasiões), ele tem vários registros, digamos, comunitários, dentre os quais as obras com o trio de parceiros ou apenas com Graham Nash são as mais frequentes. David teve a sorte de estar presente ao nascedouro do Rock americano dos anos 60. Num tempo em que o melhor do estilo parecia vir da Inglaterra ou das praias da California, o jovem menino de Los Angeles, filho de pais ricos e intelectuais (o pai era cineasta, a mãe era descendente de uma nobre família holandesa com ramificação em Nova York), queria ser ator, mas abandonou tudo em favor da música, indo para a Grande Maçã em 1962, buscando um lugar na cena Folk de Greenwich Velai, inspirado em Bob Dylan. Em pouco tempo, Crosby estava gravando suas primeiras canções, mas logo voltaria para casa e teria um grupo chamado Jet Set, do qual também participavam Jim McGuinn e Gene Clark. O trio ensaiava em busca de algo que pudesse juntar os dois extremos possíveis naqueles tempos: o folk lírico de Dylan e o Rock dos Beatles. Com a chegada de Michael Clarke e Chris Hillman, a banda mudou seu nome para Byrds e gravou uma versão elétrica para *Mr Tambourine Man, da verve dylanesca.

Em 21 de junho de 1965, o primeiro disco da banda era lançado e logo chegava às paradas de sucesso dos dois lados do Atlântico. Se a assinatura musical dos Byrds estava no registro de guitarra de McGuinn, as harmonias vocais eram todas da autoria de Crosby. Ele permaneceu na banda até meados de 1967, quando as tensões entre os integrantes chegou a um ponto insuportável. Após convite de Stephen Stills, então guitarrista do Buffalo Springfield, David substituiu Neil Young (também no Buffalo à época) numa gravação e agradou. Ficou nos Byrds até depois das gravações de Notorious Byrds Brothers, nas quais foi voto vencido em todas as escolhas estéticas e de repertório, sendo demitido logo em seguida. Com a saída de Stills do Buffalo Springfield quase no mesmo momento, ambos se encontraram em março de 1968 e começaram a tocar e compor juntos. Graham Nash, que chegara da Inglaterra pouco tempo antes, descontente com sua carreira nos Hollies, juntou-se à dupla. Em agosto de 1969, durante o Festival de Woodstock, Crosby, Stills And Nash faria uma de suas primeiras apresentações.

O trio ajudou a formar o conceito de Folk Rock. Enquanto bandas anteriores – Byrds e Buffalo Springfield, entre outras – arranharam essa ideia sem conseguir se livrar de outros gêneros, como o country, por exemplo, CSN conseguiu forjar uma liga sonora única, em que as harmonias de Crosby eram fundamentais. A relevância das letras, compostas em parceria, além da postura libertária do grupo, compunham a imagem deles. O primeiro disco, homônimo, veio ainda em 1969 e fez enorme sucesso nas paradas americanas. Canções como Guinnevere, Almost Cut My Hair e Long Time Gone estão entre as melhores já compostas por Crosby. No início de 1970, Neil Young, já em carreira solo desde 1968, juntou-se ao trio para a gravação de Déjá Vu. Foi um período turbulento para David, que perdera uma amiga em um desastre de automóvel e fora abandonado pela namorada. Com o lançamento do segundo disco, a situação de Crosby evoluiu da depressão para o vício em drogas. Sua participação no duplo ao vivo Four Way Street, lançado em abril de 1971, já antecipava uma interrupção nas atividades do trio, que virara quarteto. Crosby conseguiu forças e amigos para seu primeiro disco solo, If I Could Only Remember My Name, que foi lançado ainda no mesmo ano.

A carreira de Crosby seria marcada, a partir de 1972, através de ciclos. Ele alternava o lançamento de discos em parceria com Nash, turnês de reunião de Crosby, Stills And Nash (com ou sem Neil Young) e participações aleatórias em álbuns e shows solo de Young. Grandes momentos surgiram nessas alternâncias, sobretudo o lançamento de Graham Nash David Crosby, em 1972, CSN, disco de retorno do trio em 1977 e Whistling Down The Wire, outra parceria com Nash, de 1976, com ele e Nash assumindo a posição de músicos de estúdio ao longo da década de 1970, participando de vários trabalhos de gente graúda como Joni Mitchell, Elton John, Carole King, Grace Slick, James Taylor, Art Garfunkel, entre outros. David adentrou os anos 80 enfrentando novamente a combinação drogas-depressão. Mesmo com o bom desempenho de mais um disco do CSN, Daylight Again, em 1982, ele não conseguia resolver seu problema com cocaína, que resultara num elemento ainda mais complicado, a posse de arma de fogo e a direção sob efeito de álcool. Crosby foi preso várias vezes ao longo da década, sendo que, a última vez seria em fins de 1988, logo após o lançamento de American Dream, outro disco do trio, dessa vez com a presença de Neil Young. Após nove meses, David saiu da cadeia e resolveu fazer seu segundo disco solo, Oh, Yes, I Can, lançado em 1989, cheio de participações especiais. Apesar de interessante, o disco foi eclipsado pelo péssimo Live It Up, novo disco de CSN.

Com uma coleção de tragédias que vão da perda total de sua casa em Los Angeles por conta de um terremoto em 1994 e da necessidade de fazer um transplante de fígado em 1995, Crosby encontrou abrigo junto a um novo trio, o CPR, formado por ele, seu filho James Raymond e o guitarrista Jeff Pevar. Provando ser um sujeito dono de fatos curiosos em sua biografia, Crosby tem duas indicações ao Hall Of Fame, uma com os Byrds, outra com o CSN. No início dos anos 00, foi anunciada a sua “participação” na maternidade da cantora Melissa Etheridge, que vivia com uma companheira, Julie Cypher. Melissa pediu que Crosby fosse o doador de esperma para uma inseminação artificial, algo que ele atendeu prontamente. Com a chegada do novo milênio e o lançamento de mais um disco de CSNY, Looking Forward (1999), Crosby começou a década na estrada, a bordo da turnê CSNY2K, que evoluiu para um evento regular, com frequência anual. Crosby também participou de trabalhos de David Gilmour, além de álbuns lançados por Nash (Reflections, 2009) e Stills (Carry On, 2013).

A chegada de Croz, novo trabalho solo de Crosby marca, não só um atestado de vida, mas a reafirmação dele como um dos pioneiros na cena do Folk Rock. Numa carreira tão extensa, um disco solo deste senhor jovem é um evento a ser celebrado. Com participação de gente como o saxofonista Wynton Marsalis e o guitarrista Mark Knopfler, ex-Dire Straits, Croz já promete, ao menos, uma mistura interessante de sons e, como sempre, a possibilidade de ver esses sujeitos que estiveram nos lugares e momentos certos dessa vida. A conferir.

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ARTISTA: David Crosby
MARCADORES: Redescubra

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.