Dez anos de “Franz Ferdinand”

Relembre a obra que alavancou a carreira dos escoceses

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Já se vão dez anos desde o lançamento do primeiro álbum completo dos escoceses Franz Ferdinand. Formada em 2002 e com apenas um EP na bagagem até então, foi em 9 de fevereiro de 2004 que o homônimo Franz Ferdinand veio ao mundo e acabou sendo o responsável por alavancar a carreira da banda mundialmente. Em terceiro lugar nas paradas britânicas e com os limiares de venda atingindo o ouro e a platina em diversos países, Franz Ferdinand figura como um dos principais exemplares do Indie dos anos 2000 e está entre os responsáveis por estabelecer um cenário e um estilo musical que sobrevive nas graças da “música alternativa” até hoje.

Não é difícil de entender porque o álbum se tornou tão querido na época (se você era adolescente ou “jovem adulto” na primeira metade da década, sabe do que eu estou falando). Além de ser dono de alguns dos riffs mais criativos e pegajosos do estilo, a temática quase narrativa de sua trama fala direto aos desejos e ao estilo de vida (mesmo que romantizado) de seu público. Alex Kapranos e companhia constroem um universo central que se desenrola em subtemas no decorrer do álbum todo e se reflete nos arranjos das músicas, com suas baterias e guitarras enérgicas e ardidas, tal qual a juventude que vai representar.

Vamos do começo. Em primeiro lugar, embora esteja amparado por referências visuais do construtivismo russo (identidade que vai continuar acompanhando a banda por um bom tempo, da citação assumida do famoso pôster de Alexander Rodchenko, até o visual do Kraftwerk em seu Man-Machine), o ambiente do álbum se dá em outra esfera.

Como eu disse, Franz Ferdinand (o álbum) é quase narrativo, começa, se desenvolve e termina de maneira emblemática. A primeira faixa, Jacqueline, chega acústica e é reponsável por introduzir sua personagem principal da história ao longo de seus 40 minutos. Mas, que fique claro, embora não seja necessariamente Jacqueline a protagonista de todas as canções, ela é o arquétipo perfeito de seu contexto. Inspirada na personagem da versão inglesa do seriado The Office, Jacqueline é uma secretária de 17 anos que está trabalhando temporariamente com o intuito de arrecadar dinheiro para se divertir nas férias, leitora de poemas (há uma referência explícita ao poeta conterrâneo de Kapranos, Ivor Cutler, na letra da música) e sonhadora. Uma vez de férias (e é aí que a história toda de fato começa, com a entrada das guitarras tão caracteríticas do grupo), confronta-se com o antagonista Gregor, que conhece os prazeres da bebida e representa o lado inconsequente desta etapa da vida, em que se pode matar e morrer por um pouco de liberdade (“for chips and for freedom, I could die!”).

A partir daí, desenvolve-se um hedonismo inofensivo, uma espécie de rebeldia cult da juventude da Europa ocidental, que narra as tão conhecidas dificuldades dos casos de amor efêmeros, os jogos cínicos da sedução adolescente, as tentativas exageradas da puberdade sobre o drama de ser cool, muitas vezes recheada de certa crítica irônica da ironia (tema vindo das faculdades de artes e que será aprofundado nos álbuns seguintes).

A terceira faixa, Take Me Out, é sem dúvida o grande hit do álbum e a maior música dos Ferdinand até hoje. Não à toa, pois, além de ter um arranjo cuidadosamente construído sobre uma veia Pop muito precisa, a faixa possui um “crescendo” cativante, à medida que joga de maneira inteligente com o ritmo (que se ralenta progressivamente) explode na hora certa fazendo soar seu riff inconfundível. Além disso, embora esteja dentro do contexto dos temas do álbum – podendo falar de duas pessoas que se conhecem numa festa, fazendo uso da metáfora da mira de uma arma (a tal da crosshair) para explicar o jogo entre os dois -, a faixa é a única que pode, por outro lado, se referir (por conta das mesmas metáforas bélicas e do próprio título da música) diretamente ao arquiduque da Áustria Franz Ferdinand que dá nome à banda, e que foi assassinado ao lado da mulher em Sarajevo.

Kapranos também faz uso insistente de uma fórmula poética prescrita que aposta na repetição das frases como recurso obsessivo do protagonista (“you see her / you hear her / you want her” em Auf Ausch e “goodbye girl / I’m cheating on you” em Cheating On You são alguns exemplos). Típico das letras de Rock, os temas são praticamente infalíveis na medida em que descreve inúmeros encontros amorosos como em Darts of Pleasure ou The Dark of the Matinee (namorar no cinema, típico!).

Outras variantes do tema também aparecem pontuadas com precisão, como o fogo das paixões (sejam elas por amor ou simplesmente rebeldia), em This Fire, tão emblemático na transição para a fase adulta, além da expansão dos limites morais da sexualidade que se dá de forma tão natural (ao mesmo tempo, um pouco inflamada pelo afã da descoberta e do ineditismo) com a dissolução sem culpa das fronteiras heteronormativas em Michael (“This is what I am / I am a man / so come and dance with me Michael”).

Terminando narrativo como começa, as duas últimas faixas esfriam o clima, encerrando a primeira fase do amadurecimento de uma pessoa. Come On Home narra um coração partido (e dramático) que enfrenta a melancolia de um término de relacionamento enquanto 40 ft põe nosso protagonista diante do abismo, de cabeça baixa e pronto para o pulo em direção ao desconhecido que marca a entrada para a próxima fase da vida.

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MARCADORES: Aniversário

Autor:

é músico e escreve sobre arte