Kanye West Enquanto Estreante

Há dez anos, se iniciava o reinado de um dos maiores ícones da música contemporânea e do Hip Hop

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Dez anos é muito tempo? Uma década normalmente separa tendências, diferencia períodos e normalmente inicia ou termina marcos. No entanto, o tempo é relativo, certo? A minha percepção de espaço-tempo é particular, como diria Einstein e mesmo assim, imaginar que o disco de estreia de Kanye West foi lançado há exatos dez anos, me parece pouco, muito pouco dado o seu status atual dentro da música contemporânea.

Em um caminho sem volta, sempre rumo ao topo, o rapper conseguiu neste curto espaço de tempo passar de um produtor promissor e um cantor desacreditado pelos selos de músicas a um dos maiores ícones Pop atuais. Seu apelo e alcance expandem-se além da música, mas, mesmo assim, Kanye é louvado e respeito pelo que ele fez e faz dentro do Hip Hop. A história de seu debut, o início de seu reinado, conta muito sobre a pessoa que West é, no que ele se tornou e que muitos questionamentos acerca do conteúdo lírico de Yeezus – orgia, poder, riqueza-, tem um certo fundamento, independente de sua qualidade musical.

Poucos sabem, mas Kanye produziu um dos discos mais famosos de Jay-Z, The Blue Print. Nele, o estilo de composição (retoques e criação de batidas melódico e cheio de Soul) chamou atenção de todos em 2001. Jay estava em um período desacreditado, enfrentando julgamentos criminais por posse de armas e agressão, e o trabalho que se tornaria um dos melhores de sua carreira, mudaria de novo a vida deste outro rapper, que curiosamente viria a dividir o trono com West. No entanto, mesmo demonstrando as incríveis habilidades de produção de Kanye, não acompanhou o respeito no sentido que este desejava: ninguém queria investir nos raps de West.

Batendo de porta em porta e sendo rejeitado por diversos selos, como Capitol Records, o rapper enfrentava recusas constantes em relação ao seu trabalho. O fato do Gangsta Rap estar no auge e seu estilo lírico e musical partir na direção oposta dificultavam ainda mais sua aceitação. Quando um contrato surgiu junto a Roc-A-Fella Records do seu parceiro Jay-Z, um fato mudaria toda a sua vida. Kanye se viu dormindo ao volante quando bateu seu carro após as gravações em um estúdio na Califórnia, no final de 2002. O acidente quase fatal o deixou com o maxilar destruído, levando-o a diversas cirurgias. Como cantar agora que seu instrumento de trabalho estava comprometido?

As dificuldades se tornaram um combustível para que o músico entrasse em um período extremamente criativo, algo que aparentemente tomou conta de Kanye até agora. Duas semanas depois, gravaria o single Through The Wire, tijolo necessário para que o início das gravações de seu primeiro disco pudessem ser feitas com aquilo que ele buscava mais: respeito. A faixa, um impressionante sucesso que chegou ao topo das paradas norte-americanas, expressava o que músico sentia após o seu acidente, seu título, “através dos fios”, é um retrato do músico, estático no hospital após ver a morte de perto. Dizem que quando enfrentamos uma situação grave em nossas vidas e podemos constatar a fragilidade e fugacidade da mesma, uma chave é ligada e algo muda.

Podemos dizer que o resto é história e o ímpeto do músico em finalmente mostrar o seu valor e ao mesmo tempo ter espaço para isso não poderiam trazer algo além de sucesso. No entanto, estamos lidando com arte, produto e entrega, logo, se o seu primeiro disco não tivesse qualidade musical suficiente para se sustentar, Kanye cairia antes mesmo de subir. Mas, quando vemos o line-up de artistas presentes em The College Dropout, percebemos que dificilmente o disco seria um fracasso. Jay-Z, Mos Def, Common, Ludacris, Jamie Foxx e Sylenna Johnson, entre tantos outros, marcariam presença no trabalho em parcerias marcantes.

No entanto, do que adiantaria uma constelação de amigos e parceiros se a qualidade musical não estivesse à altura? Vemos inúmeros casos em que o produto final não é tão bom assim, e um trabalho posterior do músico, no coletivo G.O.O.D Music, é uma prova viva disso. Kanye procurou então fugir do mainstream da época, o Gangsta Rap, criando faixas com samples interessantes, cheias de Soul e melodia ao mesmo tempo em que abordavam um conteúdo lírico distinto. Saiam as letras sobre dinheiro, mulher e estilo de vida “ostentação” e entravam as letras sobre religião, família, batalhas pessoais entre outros.

Músicas como Jesus Walks (excelente faixa que aborda a fé em umas melhores batidas criadas por West), a balada viciante de All Falls Down, a divertida música sobre ginástica escrachada e com frases gravadas por mulheres que tinham aderido ao New Workout Plan do rapper e a intensa Breath in Breath Out, feita com Ludacris, são só alguns exemplos que podem ser escutados aqui. A qualidade musical da obra, a coloca entre os melhores discos de Hip Hop já feitos e, de longe, um dos melhores discos de estreia de um músico. Com quase uma hora e quinze minutos de duração, 21 músicas, se tornou o disco mais vendido da carreira de Kanye nos EUA fato notável, dado que o músico é um dos artistas de com maiores vendas no país ianque. Subverteria para sempre um ritmo que parecia viciado em seu próprio sucesso. Batidas orgânicas, inteligentes, humor sarcástico e idealismo juvenil seriam mais alguns temas vistos aqui. Posteriormente com o sucesso, talvez os temas que West se opôs no começo, viessem a tona. Foi o que ocorreu em Yeezus, obra que teve um enfoque crítico muito forte em suas letras mas que mesmo assim foi o melhor disco de 2013.

The College Dropout, é, no entanto muito mais do que isso, é o cartão de visitas de um artista que criaria obras distintas entre si, nunca se contentando com o status quo de seu estilo musical. Rupturas e vanguarda seriam os adjetivos que acompanhariam o artista posteriormente. Pegue, por exemplo, 808s & Heartbreak, disco sintético e emotivo que abordava temas como a morte de sua mãe e término de um casamento para depois surgir My Beautiful Dark Twisted Fantasy, disco épico e provavelmente sua obra prima. Antes veríamos Late Registration e a formatura em Graduation, disco que traria parcerias famosas com Daft Punk e Chris Martin, criando singles marcantes até hoje. O Punk-Eletrônico-Hip Hop de Yeezus foi somente mais uma tentativa e acerto do músico, e provavelmente terá as suas consequências na produção musical do gênero daqui pra frente, algo usual na carreira do rapper. Logo, seu disco de estreia não se resume somente a um dos melhores trabalhos do gênero mas também ao surgimento do ícone com o ego do tamanho da via láctea mas que pode dizer como poucos: “sou foda”. Se em 2004, há dez anos, escutávamos Jesus Walks, agora vemos e temos certeza de que “Yeezus Walks”.

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ARTISTA: Kanye West
MARCADORES: Aniversário

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.