A Sensualidade Das Mulheres do Pop

Um panorama desse recurso tão utilizado na história da música por mulheres de Madonna a Grimes

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Há cerca de quinze dias, o clipe de Can’t Remember To Forget You chegava ao conhecimento do público planetário. A canção, apenas razoável, antecipa o novo e homônimo disco de Shakira, que achou (corretamente) uma ideia interessante dividir os vocais com Rihanna. As duas cantoras pertecem à categoria das superestrelas da música Pop, com clipes em altíssima rotação pelos telões e telinhas do mundo (Can’t Remember… já bateu os 130 milhões de visualizações no Youtube), canções nos primeiros lugares das paradas e aquela modalidade de carreira em que já não há mais distinção entre música e imagem. E, neste último caso, quase sempre o conteúdo visual dessas donas sugere que elas estão a um passo da cama, seja com quem for, de preferência, sem muita complicação e com muito luxo envolvido no esquema. Já aviso que não é machismo, até porque a mulher pode e deve fazer o que tiver vontade, quando e como. O que incomoda é o reducionismo da visão que associa liberdade sexual à liberdade latu sensu e é disso que tentaremos tratar por aqui.

Um pouquinho de história pra vocês, antes de tudo: sabemos que a vida das mulheres não foi (e ainda não é) fácil por aí. Após séculos de opressão, a Revolução Sexual, capitaneada pelo advento da pílula anticoncepcional e pela oportunidade de divórcio e demais mecanismos legais de separação, veio tornar mais igual à situação das mulheres. Com o passar do tempo, vários direitos foram garantidos e ela conseguiu aos poucos (e ainda falta muito) equilibrar um jogo em que sempre estavam em desvantagem. Claro, essas e outras conquistas científicas, jurídicas e de outros âmbitos, bateram forte na cultura pop e adubaram o solo para o surgimento de uma geração (a primeira) de mulheres com possibilidades mais amplas de vivência e posicionamento na sociedade. Na música, por exemplo, após uma década de 1960 com cantoras como Janis Joplin, Grace Slick, Diana Ross (então nas Supremes), Aretha Franklin, Dusty Springfield, Nancy Sinatra, entre outras, os anos 70 ofereceram mulheres ainda mais capazes de associar arte (no caso, a música Pop) às posturas recém-conquistadas. Era o tempo de Patti Smith, Carly Simon, Linda Ronstadt, Stevie Nicks, até que Punk/Pós Punk/New Wave chegaram e revelaram uma novíssima geração de estrelas femininas, todas cientes da capacidade de encantamento musical, sem abrir mão da consciência e da possibilidade de relevância feminina.

Gente como Debbie Harry, Chrissie Hynde, Joan Jett, Siouxie Sioux, cada uma a seu jeito, em pé de igualdade em relação a artistas masculinos, e bem longe de qualquer underground mais permissivo. Eram estrelas Pop. Madonna foi a última dessa leva do início dos anos 80 e já surgiu com uma postura em que cabia a noção de independência e autonomia femininas, mas também com algo novo até então: um raríssimo tino marketeiro para a imagem. Se era o início da década em que a MTV surgiu, Madonna enxergou uma possibilidade de marcar território na nascente arte dos clipes. Mostrou ser a mais capaz nesse terreno e, logo a partir do seu primeiro disco, homônimo, lançado em 1984, delimitou uma nova noção de artista Pop através de canções como Lucky Star e Borderline, em cujos clipes aparecia com um visual que comportava crucifixos, renda negra, cabelos tingidos de louro, maquiagem pesada e um coeficiente de dança forte o bastante para atrair tanto homens em busca de apelo visual-sensual, quanto mulheres, atrás de um modelo, um exemplo, um ídolo feminino. Madonna, senhoras e senhores, foi o primeiro ídolo dos anos 80 para cá, aquela que se posicionou da forma certa. Depois dela, tudo mudou.

Bem verdade que a maioria das superestrelas atuais se espelhou no modelo “madonnístico”, insinuado no primeiro disco e adotado como prática a partir do segundo, Like A Virgin, de novembro de 1984, lançado quando Beyoncé, por exemplo, tinha três anos de idade. O modelo em que o apelo visual era parte determinante, talvez decisiva, mostrou-se dominante ao longo dos anos 80 e fez com que Madonna se tornasse a artista feminina mais influente da década, como uma espécie de contraponto de outro artista, igualmente fluente na linguagem visual: Michael Jackson. Os anos 90 tiveram início e Madonna radicalizou e lançou Erotica, disco em que avançava no terreno do sexo como uma forma de expressão possível na música Pop. A sensualidade dos anos anteriores ficara para trás em favor de uma estética porno chic, expressada nas imagens do clipe do primeiro single do disco, Justify My Love, no qual contracena com homens e mulheres. Era novo em 1990, significava um avanço sobre área polêmica e ainda inexplorada pelas mulheres com um aval generoso da mídia. Madonna não voltaria ao território de Erotica novamente, mas sua incursão pelo terreno modificaria sua música e, curiosamente, ela não repetiria o mesmo sucesso. Ao mesmo tempo, a música Pop parecia tomada pela absorção de estilos como Grunge e Britpop, essencialmente masculinos, num tempo em que não havia muito espaço para cantoras.

O bloqueio foi quebrado em duas frentes: as Spice Girls, inglesas, bonitas na medida certa, com o DNA da diversão Pop, com canções elaboradas o bastante para figurar em antologias das melodias assobiáveis. Além delas, Alanis Morrisette, egressa do circuito canadense de estrelas teen, numa mutação feminista, que tinha lugar e espaço para existir no disco Jagged Little Pill, lançado em 1995 pelo selo Maverick, de propriedade de quem? De quem? De Madonna. Alanis conseguiu existir como artista pop, sempre com esse viés de atitude roqueira aplicada à mulher dos anos 90, mas, na virada do milênio, a música Pop deu o troco e inundou a mídia com variantes do mesmo produto: artistas femininas sensuais, aparentemente dispostas a enfatizar um lado sedutor/sexual em favor de alguma relevância musical. Jennifer Lopez, Britney Spears, Christina Aguilera, vieram na frente, equilibrando-se na fronteira da música dançante e das coreografias sensuais herdadas da música negra recente inspirada nos passos de Michael Jackson. Logo vieram novas participantes do desembarque, de Destiny’s Child (de onde surgiriam Beyoncé e Kelly Rowland), passando pela mutação loura da colombiana Shakira, que deixou seu decalque de Alanis Morrisette de lado em favor do modelo platinado exportado dos USA, com direito a danças sensuais, canções mais apropriadas e todo um approach menos identificado com algo mais importante/relevante que o ato de dançar.

Ao longo da segunda metade da década de 2000 vieram novas e rebolativas integrantes deste patamar: Lady Gaga, Rihanna e Katy Perry vieram se juntar ao panteão em que Beyoncé parece dar as cartas, tendo ultrapassado Britney Spears na ordem do dia. Este modelo de popstar parece longe de ser superado, uma vez que é capaz de vender bem em disco, show e ainda alimenta a engrenagem da mídia em termos de fofocas, notícias e demais sub-informações vazias. Não há muita diferença entre a música que produzem, algumas com mais inflexões herdadas da música negra, outras mais próximas do Pop mais clássico, todas preocupadas com imagem antes de qualquer outro elemento. A lista de 100 mulheres mais sexys em 2013, sempre publicada pela revista Vip, aponta a presença dessas megapopstars, começando por Beyoncé, que ocupa o 33º lugar. Depois vêm Katy Perry (43), Miley Cyrus (44), Britney Spears (46), Rihanna (48), Lady Gaga (56) e Shakira (72), com a bela chanteuse indie Lana Del Rey em 94º lugar.

É claro que o modelo dominante não exclui outras possibilidades de artistas femininas capazes de exibir elementos equilibrados de sensualidade e relevância artística. Abaixo estão alguns exemplos de cantoras (solo ou integrantes de bandas) que têm cacife musical/visual para marcar presença em sua lista pessoal de mulheres bonitas, interessantes, legais, independentes, não necessariamente exageradas no rebolado, esfregação que se vê por aí. Claro, nada contra isso, ninguém aqui vai tapar os olhos diante de um belo clipe com a Rihanna, por exemplo ou esquecer dos encantos da coreografia de I’m A Slave 4 U, sucesso de Britney Spears, de 2001.

Grimes (Claire Boucher) – canadense de Vancouver, dona de visual incomum e estranheza no limite do aceitável, mas nada que possa encobrir sua beleza de menina. Destaque para Oblivion, seu maior hit até agora. Relembre entrevista exclusiva dela para o Monkeybuzz.

Melody’s Echo Chamber – francesa – é o nome do projeto formado pela francesa Melody Prochet e produzido por Kevin Parker (Tame Impala. O som é de sonho e tem uma agradável psicodelia de álbum de figurinhas. A moça entrou na lista de Melhores Estreias de 2012 do Monkeybuzz .

Adele – inglesa, responsável pelo hit mundial de 2012, Rolling In The Deep, dona de bela voz e uma beleza que avança audaciosamente sobre os padrões esquálidos dos nossos dias.

Kimbra – neozelandesa – herdeira do bocão de PJ Harvey, mas imersa num Pop que tangencia a eletrônica, a moça tem atributos de sobra e canções bem legais como Cameo Lover

Lily Allen – inglesa – linda, com cara de gente real, bom humor e influências de Ska. Lily é dona de uma das melhores canções da década 00, Smile.

Nina Persson – sueca – ex-vocalista dos Cardigans, dona de voz personalíssima e beleza gelada, Nina tem cara de quem esconde vários segredos e acaba de lançar seu primeiro disco solo Animal Heart.

M.I.A. – inglesa – misturando tudo, de Reggae, passando por Ska, Pop, Garage e vários outros estilos originados no submundo Dance da Inglaterra, a moça surgiu como um furacão em 2005, a bordo de sua estreia Arular.

Lykke Li – sueca – mais uma detentora da beleza gélida, típica das habitantes da Escandinávia. O som de Lykke é derivado das misturas celestiais do Cocteau Twins, com algumas inflexões de synths igualmente abaixo de zero.

Lana Del Rey – americana – Elizabeth Grant adotou o nome de Lana Del Rey e cravou sua imagem nas mentes do mundo. Sua música não é tão relevante, mas ela tem potencial e pode ainda tornar-se integrante do primeiro time. Lançou recentemente um média metragem, Tropico, em que alia imagens sensuais e uma narrativa distópica e confusa. Ela tem talento.

Cat Power – americana – Chan Marshall, dona de voz peculiar e senso Pop, ela soube aparar as esquisitices de sua produção inicial em favor de uma discreta emulação de tiques Soul convincentes, como em discos como The Greatest (2006) e Jukebox (2008).

E no Brasil?

A mesma lista de 100 mulheres mais sexys de 2013 aponta a presença de algumas popstars brasileiras. A funkeira Anitta aparece bem colocada, em segundo lugar. As duas maiores cantoras brasileiras no segmento Pop (independente de juízo de valor, apenas levando em conta exposição na mídia, venda de discos e frequência de shows), surgem logo em seguida: Ivete Sangalo aparece em 18º e Claudia Leitte, em 25º. Além delas, Sandy surge em 32º e Paula Fernandes em 40º.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.