“The Downward Spiral”: 20 anos do maior disco do grupo Nine Inch Nails

Importantíssimo e marcante álbum do grupo completa duas décadas mostrando-se atual, intenso e único

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The Downward Spiral é provavelmente o disco mais importante da carreira da banda Nine Inch Nails por alguns motivos. O trabalho, que obteve a maior vendagem do grupo em sua história, se tornou um sucesso imediato ao revolucionar não só a produção musical da época, mas também por abraçar alguns temas que estavam latentes no início da década de 1990. Conceitual, o disco aborda um personagem central que pode muito bem ser interpretado como Trent Reznor, mente por trás do projeto desde seus primordios, e que se vê em um estado niiliístico e descrente em relação a todos os padrões e hábitos comuns: religião e crenças são esquecidas em um dos discos mais pesados já feitos.

Coincidentemente, o segundo trabalho do NIN se afastaria da música eletrônica de seu debut, Pretty Hate Machine, para se aproximar do Techno, Rock Industrial e Heavy Metal, elementos que tornariam o disco uma experiência densa, carregada e intensa. Gravado na mansão que Sharon Tate, uma das vítimas do famoso serial killer Charles Manson, fora morta, traz ainda mais obscurantismo ao álbum que completa 20 anos de idade.

Sentimos a raiva de Trent em cada acorde e verso de Downward Spiral. Escute por exemplo, Heresy que já denuncia em seu nome a evidência de um pensamento subversivo. “God is dead and know one cares”, afirma o músico, e se o criador está sepultado no meio das texturas sonoras carregadas de peso e intensidade em suas batidas e guitarras, nada pode ser feito além de esperar que nos encontremos todos nos inferno. Logo, a letra não implica em uma falta de fé e sim em uma constatação de que estamos diante do apocalipse.

No entanto, se um elemento sempre nos chamou atenção em relação ao grupo e principamente a Reznor, é a sua capacidade em alternar a raiva com momentos sensuais, calmos como se fossem o remédio anterior à tormenta. Em March of Pigs, temos o puro Heavy Metal que, entretanto, sugere com quebras sonoras baseadas no piano a destruição todo o peso anterior. Sem nos deixar pensar, retornamos ao ponto em que a respiração leve não poderia ser nem imaginada, e sentimos repentinamente todo o poder de uma música vibrante. Piggy é uma ótima balada que lida com a figura do capitalista, seu chefe, e aborda as frases que são continuamente exploradas ao longo do disco “Nothing can stop me now cause I don’t care”.

Esta característica niilista era o retrato de uma juventude que renascia muscialmente na figura do Grunge, movimento artístico que respirava ares Punks ao mesmo tempo em que trazia a distorção, a gritaria e um espírito de descrença na sociedade e economia norte-americanas que viam-se conservadoras e estaganadas, ao mesmo tempo em que nos aproximavamos do final do século 20. Este sentimento pode ser muito bem expresso em Downward Spiral, um disco que bebe na fonte da escuridão para criar uma experiència extremamente pessoal e intensa. O industrialismo desfragmenta-se em Ruiner, faixa que explora as capacidades de produção de Reznor, que há mais de 20 anos já utilizava de Macintoshs e programas como Pro Tools, equipamentos extremamente comuns nos dias atuais na música, para fazer seu trabalho mais ambicioso até então. Sentimos as válvulas, o sintético se sobrepondo ao orgânico em cada um dos momentos aqui.

Talvez pela sua aura apocalíptica que poderia muito bem estar presente em qualquer trilha sonora de um filme pós-moderno, o disco tenha recebido tanta amplitude: levava a um futuro dissonante mas coerente em que o homem se vê perdido em meio ao capitalismo devastador. Percebemos o caos e a poluição em The Becoming, e uma das criações mais tensas e assustadores em I Do Not Want This, faixa que ainda traz em seu baixo sintético as características iniciais para o grupo, ao mesmo tempo em que Reznor pede para o ouvinte não lhe dizer como esse se sente, o sofrimento é muito pessoal para o músico e retórica alheia não traz nada de novo. Dentro do trabalho, temos singles famosos como Closer, com seu teor atualmente sexual e pornográfico, descrevendo como Trent deseja penetrar uma mulher e que teve seu videoclipe censurado, ou Eraser, pura expressão do Rock Industrial e que, mesmo 20 anos depois, ainda demonstra sua inventividade.

The Downward Spiral é o retrato do homem que se perde (ou se encontra) em meio a todas as rupturas que pratica em relação aos paradigmas da sociedade. Neste processo de queda em uma espiral invertida, ele parte de seu desejo inicial de ser autodestrutir em Mr. Destructive Man para depois colocar um fim ao seu sofrimento em Hurt. Entre estes dois atos podemos nos jogar em uma música pesada, confessional e de díficil compreensão porém de rápida constatação de que estamos diante de uma obra única. Maior trabalho do grupo, colocaria o Rock Industrial, ao alcance do ouvido de todos. Escute Reptile , por exemplo, faixa que te faz sentir os timbres de maquinário pesado sendo sampleados enquanto uma guitarra extremamente distorcida toca e entenderá a criação ou consolidação de um estilo musical bastante único.

Se nada disso for interessante, perceba que a música que finaliza a obra foi um dos últimos sopros de vida feitos por Johnny Cash, uma versão maravilhosa e emocionante com uma letra que se encaixa perfeitamente na vida do ícone, o que logo nos indica o porquê da importância deste disco na história da música. Caso nada disso baste, o aquecimento para uma das apresentações mais aguardadas do Lollapalooza 2014 se faz necessário para que no meio de tanto barulho, imagens e distorção, o expectador não se veja perdido ou atônito no meio de tanta informação. Para todos os fins, o álbum deve ser explorado do começo ao fim para que uma experiência sonora distinta possa ser verdadeiramente aproveitada, mesmo 20 anos depois.

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MARCADORES: Aniversário

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.