Cadê: Max De Castro – Samba Raro (1999)

Mesmo sendo um disco relativamente novo, obra do compositor parece ter sido esquecida

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Um lembrete aos leitores dos textos da coluna “Cadê?”: geralmente os escolhidos para a coluna tem em comum o caráter de “disco de colecionador”, geralmente por estarem fora de catálogo e, por causa disso, custarem muito mais que um CD normal. Peço licença a vocês para falar de um álbum não tão raro, mas que já está fora dos sites habituais de compras da Internet. Samba Raro é fácil de ser achado em sebos e nunca teve o reconhecimento que mereceu. Sendo assim, essas linhas aí embaixo vão tentar contribuir para seu maior conhecimento. Mas, não se engane: o disco é de uma beleza bastante rara, não só no título.

O panorama musical do Brasil era desolador no fim dos anos 1990. Ondas intermináveis de artistas de Axé Music, Pagode romântico e popstars de gosto duvidoso como Vinny (com seu hit Heloísa Mexe A Cadeira), Maurício Manieri e o grupo LS Jack dominavam as paradas de sucesso e nada parecia ser capaz de inovar. Os grupos do Rock brasileiro pareciam enfrentar um momento difícil em termos de criatividade, embebidos nas marés dos discos tributos (Titãs com As Dez Mais) e derivados de especiais de TV (Paralamas do Sucesso com Acústico MTV), aumentando ainda mais a aridez do cenário. Algo inesperado parecia acenar com possibilidades reais de alguma mudança nesse panorama: a chegada de duas novas gravadoras, a Abril Music (1998) e a Trama (1999). Das duas, a segunda parecia muito mais revolucionária e ligada no que acontecia além das fronteiras nacionais.

Com uma proposta inovadora, na qual estava incluído um abraço às possibilidades de uso da Internet para divulgação de artistas (algo impensável no Brasil de 1999), a Trama também vinha com uma fornada de novíssimos artistas, devidamente conectados com o que havia de mais moderno na música Pop internacional, sobretudo no seu segmento Eletrônico. Dentre os lançamentos que se constituíram numa espécie de cartão de visitas da gravadora, estava Samba Raro, disco de estreia de Max de Castro, filho mais novo de Wilson Simonal. É bom frisar que o pai de Max morreria cerca de um ano após o lançamento do álbum e experimentava grande angústia por seu banimento da indústria do disco e da mídia, erro que seria consertado só recentemente. O importante é que ele teve tempo de acompanhar esta verdadeira obra prima que Max concebeu. Seu irmão, Simoninha, também lançaria disco pela Trama pouco depois, o bom Volume 2.

Samba Raro é um daqueles álbuns que cumprem sua função de mapear pequenos universos, neste caso, aquele habitado por fãs e conhecedores de Black Music mundial, mas com pós-graduação nas sonoridades negras imaginadas e executadas no Rio de Janeiro do fim dos anos 60 até meados dos anos 70, com ênfase no que conhecemos por Black Rio. Mais que isso: Max se propunha a pegar essa lógica adquirida de melodias, discos raros, peregrinações por sebos e um certo sentimento de justiça por ser feita e reempacotar tudo, com vistas a fazer um salto warp para o futuro. O conceito de Samba Raro é de ser moderno naturalmente, totalmente contemporâneo, atual, ainda atemporal hoje. Para isso, além de nuances do passado, ele insere elementos atuais, como Hip Hop, Drum’n’Bass, efeitos e loopings de todos os tipos, cores e tamanhos. Composto, tocado, gravado e produzido por Max, o que temos é uma pequena joia de improviso e realização em laboratório/quarto dos fundos, apinhado de discos de vinil e aparelhagem de som obsoleta.

As batidas que permeiam o disco são maravilhosas e não parecem executadas em artefatos eletrônicos. Cada faixa é uma pequena homenagem a um baluarte da música nacional, partindo da faixa título, dedicada a Jorge Ben, desaguando na angulosa e dançante Afrosamba, que pega emprestado nome e conceito diretamente de Baden Powell e cita sua clássica Canto de Ossanha, que ele gravou com Vinícius de Moraes em meados dos anos 60. Pra Você Lembrar, parceria de Max com Bernardo Vilhena (letrista de gente como Lobão e Ritchie) cita explicitamente Sonhos de Um Carnaval, do primeiríssimo disco de Chico Buarque e a despe de qualquer esperança, trazendo um inesperado e inédito cenário de “carnaval cinzento” na cidade grande. Ela Disse Assim continua o passeio por essa galeria da música brasileira recente e conduz até Rapadura, com participação do grupo paulistano de Rap Camorra. A Banda Black Rio é a inspiração de Onda Diferente, graciosa e sensível como uma tarde de sol na Praia de Copacabana durante o outono. A parceria com Vilhena surge novamente em 1 Flash, que evoca décadas de música romântica brasileira não-bundona, conectando a proposta com a malícia e o veneno necessários. Não à toa, é dedicada a Carlos Imperial. 2 Bailarinas dá andamento através de uma recriação do que era conhecido como “Samba Pop” ou “Samba Rock”, romântico, oblíquo e próximo de gente como Bebeto e Originais do Samba. Você e Eu é o desfecho de Samba Raro, segundo Max, nas notas sobre cada canção contidas no disco, um aceno à obra de Roberto e Erasmo Carlos, algo palpável no clima de romance implícito.

Max de Castro tem outros três discos, Orchestra Klaxon (2002), Max de Castro (2005) e Balanço das Horas (2006), todos pródigos na missão de dar prosseguimento a uma tradição de artistas devidamente versados no idioma da música negra brasileira, mas com a consciência de que ela faz parte de um mundo que se atualiza. Todos são relativamente fáceis de achar por preços não abusivos. Se você se interessa pelo assunto, corra. Dos quatro, Samba Raro é o mais audacioso e triunfante. Conheça.

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ARTISTA: Max de Castro
MARCADORES: Cadê?

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.