Bossacucanova: Bossa Novíssima e Atuante

Novo disco lançado em fevereiro faz o nome da banda permanecer atual e de importância inquestionável

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Atualizar, modernizar, reinterpretar, reempacotar. Estes eram verbos que faziam certo sentido na década de 1990, sobretudo no que diz respeito à música. Haviam discretos movimentos de releitura de clássicos, revisão de períodos musicais e tudo isso vinha com um invólucro dançante, principalmente das boates e clubes noturnos ingleses. Era a época do Acid Jazz, estilo surgido na noite britânica, levado adiante por combos formados por DJs, produtores, conhecedores e colecionadores de música, que, ao fim de algum tempo, arregimentavam formações para “existirem de carne e osso”. Os subterrâneos ingleses foram responsáveis por um movimento de reavaliação crítica da própria MPB, algo que fica para outro artigo no futuro.

Bossacucanova, brasileiríssimo, carioquíssimo, surgiu com o olhar e os ouvidos nessa tendência gringa de reavaliar a música feita aqui, com uma atenção especial à Bossa Nova. Marcio Menescal (baixo), Alexandre Moreira (teclados, engenheiro de som) e o DJ Marcelinho da Lua estavam no lugar certo, neste caso, os estúdios da gravadora Albatroz, de Roberto Menescal, pai de Márcio e um dos pioneiros do estilo, na virada dos anos 50/60. Fãs de Bossa Nova e familiarizados com as técnicas contemporâneas de produção, gravação e fãs de sons eletrônicos, não demorou muito para que percebessem uma demanda importante: reempacotar a Bossa Nova misturando-a com esses ritmos novíssimos e mostrar para um público mais jovem e antenado com a música do período. O nome veio do consequente arejamento em pensar um ritmo tão brasileiro e tradicional de forma cosmopolita e moderna, sem esquecer que, a rigor, “Bossa Nova” em inglês poderia ser traduzida como “new wave”. Neste primeiro momento, o objetivo era empreender releituras dos clássicos do início da Bossa, algo que foi facilitado pela descoberta de várias gravações da época, inéditas, nos porões da Albatroz.

Essa garimpagem inicial deu origem ao primeiro disco, Classics Revisited, lançado em 1999, já com a participação dos vocais de Cris Delanno, que ajudou a recriar belezuras do passado como O Barquinho (Reinaldo Bôscoli e Roberto Menescal), Influência do Jazz (Carlos Lyra), Consolação (Baden Powell), Só Danço Samba e Se Todos Fossem Iguais a Você, ambas de Tom Jobim e Vinícius de Moraes. A simples existência de um grupo de música brasileira contemporânea, mas com a capacidade de olhar e abraçar um aspecto do passado musical do país, gerou grande burburinho nos grandes centros da produção mais antenada. Logo Bossacucanova estaria se apresentando em rádios universitárias e o DJ Da Lua sendo convidado para dividir palco com gente como Fatboy Slim e Basement Jaxx. O sucesso foi tamanho (lá fora) que o trio (mais Delanno, que integraria a trupe como vocalista oficial), embrenhou-se logo no segundo álbum, Brasilidade, que seria indicado ao Grammy Latino na categoria Melhor Álbum Pop Contemporâneo Brasileiro em 2002. Além de repetir a fórmula do primeiro trabalho, o grupo já inseria três composições inéditas: Guanabara, Brasilidade e Mais Perto Do Mar, todas de criação coletiva e em parceria com Roberto Menescal. Participações mais que especiais de gente como Ed Motta, Trio Mocotó e Marcos Valle credenciaram o disco para um patamar de “quase clássico” da novíssima música feita no Brasil, numa época em que a gravadora Trama iniciava suas atividades e lançava no mercado um monte de discos de gente nova, bem intencionada e cheia de informação musical.

Novamente com sucesso maior no exterior, mas ainda atuante no contexto da novíssima geração de músicos brasileiros, Bossacucanova soltou seu terceiro disco, Uma Batida Diferente (2004), sintomaticamente, pela Trama. Agora não era mais uma questão de revisitar e recriar clássicos antigos, mas fazer nova música que se inserisse numa mesma tradição de canções, a qual o grupo abraçava neste terceiro trabalho. Uma constelação ainda maior de convidados dá as caras ao longo das composições, inclusive assinando novas canções com o grupo, como Celso Fonseca (Just A Samba) e Adriana Calcanhotto (Previsão), além de Marcos Valle, que cede a inédita Queria e Nelson Motta, que assina Bom Dia Rio. Ainda há uma grande profusão de releituras, nas quais participam Trio Mocotó (Vai Levando, de Chico Buarque), Simoninha (Essa Moça Tá Diferente, também de Chico) e Zuco 103 (Samba da Minha Terra, de Dorival Caymmi).

O grupo retornaria à carga cinco anos mais tarde, com o lançamento de um CD/DVD chamado Bossacucanova Ao Vivo, em homenagem ao cinquentenário da Bossa Nova. A celebração ocorreu com um show no Canecão, Rio de Janeiro, gravado em 2007, do qual participaram, além do sócio-proprietário Roberto Menescal, gente como Carlos Lyra, Ed Motta, Leo Gandelman, Simoninha e Jaques Morelembaum, abrilhantando um setlist que ia de Águas de Março a Água de Beber, oferecendo uma bela releitura do melhor produzido dentro dos limites do estilo. No DVD também vinha o documentário Na Base da Bossa, com depoimentos de gente importante de ontem (Miele, Marcos Valle, Menescal, Wanda Sá, Oscar Castro Neves) e hoje (Fernanda Takai, BNegão, Thalma de Freitas), além de performances inéditas dos grandes clássicos. Com as comemorações se prolongando, o grupo continuou a se apresentar, já como um legítimo perpetuador das tradições da Bossa Nova, sem qualquer diferença em relação aos monstros sagrados do passado. Em fevereiro deste ano, foi lançado internacionalmente o novo disco do grupo, Our Kind Of Bossa, seguindo o mesmo modelo dos trabalhos mais recentes.

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ARTISTA: Bossacucanova
MARCADORES: Redescobertas

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.