Fernanda Takai: Inventividade e Respeito pela Música Popular

Com o lançamento de novo disco, fica claro que a compositora ainda é um nome muito relevante na MPB

Loading

Já são quatro discos na carreira, além de uma coexistência pacífica e necessária com sua banda original, Pato Fu. Fernanda Takai está lançando seu novo trabalho, Na Medida Do Impossível, cheio de facetas, influências e referências, mas, como toda cantora de personalidade, Takai consegue imprimir sua marca registrada ao longo do disco. Além dessa condição de cantora solo, da qual desfruta desde 2007, Fernanda é a imagem doce e frágil do Pato Fu, banda que segue firme e forte. E qual seria essa característica que confere a noção de que estamos ouvindo sua voz ou algo familiar nos arranjos da canções? O vocal, doce e suave? O bom gosto das escolhas? A preocupação em respeitar as canções? Tudo isso?

Fernanda diz que este é seu álbum mais pessoal: “Quando gravei os outros trabalhos, estava inserida em repertórios de outros artistas, no caso, Nara Leão (no primeiro disco, Onde Brilhem Os Olhos Seus, 2007), canções ao vivo deste álbum inicial (Luz Negra, 2009) e as canções compostas pelo (guitarrista, ex-The Police) Andy Summers, no terceiro disco, Fundamental, de 2012. Eu sempre tive um dilema ético de deixar minhas melhores músicas para Pato Fu, mas eu deixei isso um pouco de lado. Só mantive a condição de não ter parcerias com o John (Ulhoa, seu marido e guitarrista de Pato Fu, responsável pela produção de Na Medida Do Impossível) e me senti mais à vontade para dizer o que ele deveria fazer como produtor do disco. Estou exercendo o autoritarismo!”, ri. A questão das composições próprias parece bem resolvida, assim como a participação dos instrumentistas arregimentados para a banda de apoio durante as gravações.

“Fiquei feliz em poder chamar músicos que admiro, como o PJ (baixo, Jota Quest), que considero o melhor baixista do Pop Rock nacional da atualidade, além do Glauco (baterista, Tianastácia), que, mesmo pertencendo a uma banda que faz uma música mais pesada, ficou superfeliz com o convite. As pessoas acham que os músicos só podem tocar um ritmo, um tipo de música”. Fernanda diz que ficava muito mais simples encontrar com esse pessoal mineiro no estúdio caseiro que mantém com John. “Era só atravessar o jardim de casa”, diz. Além deles, Samuel Rosa, Zélia Duncan e Pitty também participam de Na Medida do Impossível.

O repertório, um dos grandes trunfos do disco, foi escolhido totalmente com base em canções muito queridas. “Quando eu fui convidada para fazer o álbum Um Barzinho, Um Violão, e soube que iria gravar um dueto com Rodrigo Amarante, pensei numa canção que me é muito querida, A Pobreza, que é do Renato Barros, mas que eu conheci cantada pelo Leno (cantor da Jovem Guarda, fazia dupla com a cantora Lilian). Por uma questão burocrática, não pudemos gravar a música para o disco, acabei cantando Ritmo da Chuva, da qual eu também gosto. Mas A Pobreza entrou na fila desde então. A Meu Amor, Meu Bem, Ma Femme, que foi sucesso com o Reginaldo Rossi, eu cantei com a Zélia Duncan no carnaval de Recife em 2011, num evento do Lenine. A gente só mudou o arranjo, que era de frevo, marcha, para algo mais chique e caprichado”. “A música do George Michael, Heal The Pain, já tem mais a ver com minhas preferências Pop”.

Pergunto se ela acha que a Jovem Guarda é um movimento musical discriminado pela inteligentzia brasileira. “Eu morei dos dois aos oito anos no interior da Bahia. Tudo o que eu ouvia era música popular. Ouvia no rádio AM e via os programas na TV. Não existia esse termo -brega – com tom pejorativo, as pessoas não se sentiam diferentes por ouvir aquelas canções. Ouvia muito Roberto Carlos, muita música romântica. Acho que a música depende da dignidade que você empresta a ela. Se alguém fizer versões dessas canções com a intenção de debochar, não estará fazendo nada de positivo, agora, se você se dispõe a enxergar os compositores livres dos rótulos, estará prestando um serviço às canções. Eu sinto falta da ingenuidade e do romantismo dessa produção musical. Parece que toda canção de amor hoje é violenta e possessiva, não há a corte, não há aquela sensação de não saber o que falar e o que fazer, que a gente sente quando está apaixonado. Tudo é muito violento. Acho que a Jovem Guarda tem esse estigma de ser considerada ingênua, boba, quando não é, é sincera e cheia de canções de amor que são lindas. A mesma coisa eu digo sobre o Benito Di Paula (de quem Fernanda regravou Como Já Dizia O Mestre). Ele tem umas 20 canções maravilhosas e quase ninguém sabe que ele existe”.

O disco também tem algumas surpresas, como o resgate de uma canção em parceria com o ex-baterista de Legião Urbana, Marcelo Bonfá. “Eu compus De Um Jeito Ou De Outro para o primeiro álbum dele, O Barco Além Do Sol(2000) e gostei muito da gravação com a voz dele, suave, uma beleza. Daí veio a idéia de resgatar essa música, que a gente aproveitou pra fazer num arranjo oitentista, tendo New Order como referência principal. Eu lembro que o Bonfá e o Dado (Villa Lobos, ex-guitarrista da Legião) vinham sempre aos shows do Pato Fu. O Renato (Russo) era um grande simpatizante da gente, posou pra foto com camisa da nossa banda, dizia que era fã e tal. Mesmo gostando de Legião, minha banda predileta dos anos 80 é a Blitz. Eu sabia todas as músicas de cor”. Outra surpresa é a inclusão de uma canção do Padre Zezinho, Amar Como Jesus Amou, com a participação do Padre Fábio de Melo, dividindo os vocais. Fernanda explica: “eu não sou católica, mas estudei um bom tempo em colégio católico. Minha mãe era católica, meu pai era budista. Eu levava meu violão pras aulas de religião e tocava sempre as músicas religiosas. O meu primeiro público foi formado pelos colegas de turma, que ouviam e cantavam junto nessas aulas. Eu tenho lembranças muito felizes dessa época, então escolhi essa música e chamei o Padre Fábio pra participar comigo e ele aceitou, mesmo depois de ouvir o arranjo Super Mario Bros. que o Toshiyuki Yasuda fez. Ele é moderno, é desses caras (assim como o Papa Francisco) que estão resgatando nas pessoas aquele orgulho de dizerem que são católicas. A música religiosa, seja de qual for a religião, sempre tem uma mensagem positiva”.

Sobre Lepo Lepo, ela é enfática: “eu cresci numa casa em que meu pai ouvia sambas e minha mãe gostava de Carpenters e Beatles. Um pouco mais tarde, eu estava ouvindo Rock inglês dos anos 80. Parecia haver mais espaço pra vários estilos musicais, diferente desse bloqueio da mídia de hoje. Tem tanta gente fazendo músicas incríveis no país e poucas pessoas tomam conhecimento disso porque não sabem que existe. Quando eu vejo músicas como essa do Lepo Lepo, fico pensando que a minha filha Nina (de dez anos) nem conhece isso, não ouve isso e também me dou conta que a gente tenta trazer um pouco de luz pra esse público novo (se refere ao disco Música de Brinquedo, lançado pelo Pato Fu em 2010, com regravações de clássicos da música Pop com instrumentos infantis). Como as pessoas podem se indignar com questões no país e não se importar com Lepo Lepo? Parece que a gente vive uma bola de neve sem controle, fazemos uso dos meios alternativos de divulgação para que o nosso trabalho chegue nas pessoas, temos que cobrar satisfações das empresas que usam leis de incentivo”.

Mesmo indignada com alguns aspectos, Fernanda se anima quando peço para que destaque alguns artistas brasileiros interessantes – e desconhecidos da maioria da população: participei do novo disco do SILVA, eu adoro ele. Também gosto muito de Leo Cavalcanti, de duas cantoras mineiras, a Erika Machado e a Roberta Campos. Tem muita coisa legal por aí. Quando tocou Sobre O Tempo (canção de 1994, do segundo disco de Pato Fu, Gol de Quem?) na trilha sonora de Malhação, o nosso público aumentou demais. Fico pensando como seria bom se isso acontecesse com essa produção mais nova.

Talvez em agosto seja possível esperar uma turnê centrada no repertório desse novo trabalho, enquanto isso, Fernanda segue teimando em respeitar canções, gravar com bom gosto, escolher bons músicos, cuidando de sua carreira como deve ser. E isso não deveria ser exceção. Certo?

Loading

MARCADORES: Entrevista

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.