Desvendando TETO PRETO

CARNEOSSO fala sobre planos da banda, que prepara disco e tem novo integrante

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Fotos: Divulgação

Já deu para sentir que a perfomance explosiva do grupo TETO PRETO vai causar o momento de epifania do Dekmantel. Escalado para a versão noturna do festival, a banda encabeçado pela cantora Angela CARNEOSSO destila uma combinação musical difícil de explicar para quem nunca os assistiu ao vivo. É Techno, mas tem MPB. É House, mas tem cuíca no meio. As drum machines são pesadas, mas as notas mais fortes são do atabaque.

Nesta conversa com o Monkeybuzz, a corajosa CARNEOSSO relata os planos do grupo, fala de influências, nudez feminina e a mudança após saída do L_cio, substituído por Savio de Queiroz (ex-Domina). No mais, Bica continua impressionando na inusitada cuíca techneira ao lado de Zopelar nos synths e todos estão praticamente abençoados pela performance visceral do artista franco-congolês Loïc Koutana. Laura Diaz também contou sobre a parceria com o instrumentista Filipe Massumi, com o qual tem a dupla Angela CARNEOSSO e a Peste.

Monkeybuzz – Soube que vocês estão produzindo mais um disco. Tem alguma previsão de quando vai sair? Tem participações especiais de outros artistas? CARNEOSSO: O ano passado foi muito importante pra gente. O lançamento do 1o EP, Gasolina (MAMBArec), em agosto de 2016, abriu caminhos para o Brasil inteiro. No ano passado, tocamos em várias festas de SP, performamos nas ruas pela primeira vez (e mais de uma vez), fomos pro Sul, pro Rio, BH, Goiânia e Recife, o videoclipe recebeu o prêmio de Melhor Direção Nacional do Music Video Festival 2017 e até remix da Badsista a gente ganhou. Deu pra sentir que a mensagem bateu e foi muito além do público da nossa cena underground eletrônica independente de São Paulo.

A oportunidade de tocar em festivais grandes também deu espaço para o nosso som crescer. No segundo semestre também encerrou-se um ciclo da gente com a saída do L_cio, grande amigo e super produtor que co-fundou a banda. O trabalho dele tem crescido bastante no Brasil e no mundo, então não foi uma saída em clima de derrota. Pelo contrário, foi um tesão ter o L_cio com a gente, uma oportunidade inesquecível .Fato é que, no meio do ano passado, e no olho do furacão, estávamos com uma liga muito boa, vindo de shows surreais na nossa vida e com muita gente inspiradora em volta produzindo. Achar outra pessoa pro TETO, tinha muito a ver com o disco, long play, que queríamos começar a produzir.

Esse de processo de tocar e achar quem iria tocar com a gente, tomou corpo na nossa rotina de shows pelo país e festas menores do rolê experimental nas OFFs, Existe Pista Após a Morte, Sangra Muta, Metanol, onde a gente vê o que tá rolando de velho e de novo. Escutar música junto, é também um exercício de intimidade, aprender a respirar. Parece hippie, mas é bem material. Então saímos só escutando o que a gente achava de mais enlouquecedor, em vários sentidos. A gente sempre curtiu não se limitar por gêneros. E agora estamos em pleno processo de composição. Sairemos novamente pela MAMBArec, produção independente, provavelmente para o meio do ano. Ainda no dá pra falar muito, acho que o disco vai falar por si só.

Mb: Loïc virou mais um integrante da banda. De que forma ocorreu essa conjunção artística entre a música e a performance? CARNEOSSO: Nos conhecemos um ano antes e gravar “Gasolina”, no Festival da Despatriarcalização em 2015. De incógnitos na multidão, ao que parece nos reencontramos, combustão instantânea. O dado do corpo já existia na minha pesquisa de CARNEOSSO no TETO e obviamente nas pistas de São Paulo toda, mas sem dúvida, a presença e inspiração que o Loïc representa, deram estrutura e matéria prima para um salto adiante na nossa identidade. A dança-linguagem que criamos é som, imagem em ação. É também o que acontece ao redor. É urgente, agonizante, e potente, barulhento, vivo. A gente se agarra, se joga no inesperado, há muita energia corpórea nesse encontro.

Então entendo, enquanto artista e performer, que a contribuição de Loic como VIRGO no TETO, é mais do que a presença de um quinto elemento, de um gêmeo-negro, mas o desdobramento natural de um conteúdo que extravasa o palco italiano, a vitrine e o carão. Acima de tudo, o grande estrago é que o TETO é um happening coletivo.

Mb: De que forma a nudez dialoga como signo e artisticamente no seu trabalho musical como Angela CARNEOSSO?
CARNEOSSO: Desde que comecei a cantar e me apresentar, em 2010, o corpo da mulher foi uma questão incontornável e fundamental. Minha primeira performance na banda ANGELA CARNEOSSO E OS BACANAIS, já trazia os olhos pretos, o peito nu, com um figurino bastante “minimalista”, por assim dizer. Acho que a questão é, de uma maneira provocativa, entregar de cara a premissa de que, para ser cantora, no Brasil, aqui e agora, parece que ainda se trata de cumprir o papel de respeitável e/ou frígida e/ou delicada, e/ou folclórica, e/ou vítima… mas sempre e invariavelmente pedaço de carne. Acontece que os pedaços de carne tomam a vida para si. E querem vingança.

O corpo é campo de combate, a nudez da mulher é apenas permitida quando em função da objetificação do feminino. Apresentar-se nua, de CARNEOSSO, é libertar, durante um suspiro, as idéias sobre o corpo, sobre tornar-se o que se é. Quem vê os shows sabe muito bem como não é um passeio ao parque. É um ritual de esgotamento, os figurinos são sufocantes, induzem estados extremos de performance. Então enxergo como uma espécie de ritual contemporâneo, entre a boca do lixo de Helena Ignez e Rogério Sganzerla, a loucura de Artaud, a agonia do butoh e o sadomaso de Iggy Pop, Andy Warhol e Sonic Youth. Fala sobre as submissões cotidianas veladas e sobre a a característica feminina de conseguir transformar a violência em algo frutífero, em gerar vida frente a morte. É meio por aí que vem o tesão.

Mb: Como rola a escolha de figurinos com a Fábia Bercsek? As fendas, texturas e desenhos das roupas intensificam alguma mensagem a ser dada pelo corpo? Acompanhando seu trabalho no TETO, eu senti que sua presença corporal como mulher ficou muito potencializada por causa do figurino. CARNEOSSO: A Fábia Bercsek é mais que uma figurinista, é uma mulher e artista independente muito foda de longa data. Nos conhecemos pela Igi Ayedun, outra figura absolutamente potente da cena artística e, principalmente, da moda. Sobre os figurinos da CARNEOSSO no TETO, criamos muito além e partir das questões já comentadas sobre o corpo. Transpusemos isso em desenho e construção de imagem. Não é apenas a nudez, mas como o corpo é construído e revelado. Transformamos o corpo em suporte para volumes que trabalharão em movimento, ação, temperatura, junto com a dança. Não me interessa me deformar para ser uma bonita branca privilegiada da MPB brasileira.

Não está tudo bem, a indústria é uma bosta. Não quero que seja sexy. É convulsivo, é foda subir no palco assim. E ao mesmo tempo é o que quero. A mulher objeto está todo dia nos jornais, na novela, na rua, marginalizada. Nosso corpo nunca é exatamente nosso. E não entendo como faria sentido estar quieta sendo artista, cantora, trabalhadora da cultura, o que quer que seja. Mas, na personagem, a repressão impelida a mulher ganha essa dimensão provocativa, de que a mulher, aparentemente manipulada pelo sistema, possa escapar a posição de vítima. Não foi uma idéia brilhante que eu tive, foi algo que vi e aprendi com as manas ao redor.

Mb: A banda tinha antes L_cio na formação, agora quem ta tocando é o Savio. Como essa mudança se refletiu sonoramente no TETO? CARNEOSSO: Nosso encontro com o Savio de Queiroz foi muito natural. Já éramos amigos, conhecíamos a produção um do outro, já havíamos tocado juntos, etc. Com a saída do L_cio, a gente tinha um desafio enorme pela frente, que também era inadiável. Então usamos essa situação que poderia ser de pressão para ficar muito à vontade, encontrar alguém pro TETO tinha muito a ver com começar junto com essa nova formação a composição do disco.

E com o long play estamos no melhor dos mundos, com vontade, ânimo e energia para ficarmos incubados produzindo essa narrativa da nossa identidade em longa duração. Esperamos algumas participações espaciais para esse momento emocionante. Ainda não queremos falar muito, o público sabe que nunca dá pra saber o que esperar da gente, e isso é demais. É a melhor situação possível de criação e tesão. Para o Dekmantel, o show já será inteiro novo em termos de beats, timbragens, instrumentos e arranjos, mas ainda assim, estamos mantendo algumas músicas clássicas do repertório em novos arranjos. É o começo de um novo momento, estamos concentrando energia em nós cinco antes de qualquer participação. O público vai escutar algumas novidades contundentes autorais que preparamos com muito, muito carinho e que estarão no primeiro disco longo da banda. Dedo no cu, gritaria e confusão.

Mb: Numa edição do WME, a Marina Lima falou que curtia muito o TETO e queria conhecer vocês. O que acabou rolando. Como foi para você essa troca de energia com uma cantora como ela? CARNEOSSO: A Marina é uma cantora e compositora muito importante pra música brasileira. O que nós fazemos hoje dificilmente aconteceria sem o trabalho dela e o de muitas outras mulheres. A gente respeita e admira muito o trabalho da Marina e, o fato de ela ter vindo buscar a gente foi super inesperado. Mais inesperado ainda é ver que uma ícone pop dos anos 80 como a Marina é uma pessoa tão sem carão, com tesão de produzir, pesquisando música e gente o tempo todo. Quis conhecer a gente, conheceu, foi na Mamba Negra, foi pra pista, foi pra rua com a gente, ela é demais! Nesse disco que ela vai lançar agorinha, Novas Famílias, temos a participação do Massumi e até um fantasminha da Gasolina assombrando a sua mente.

Mb: Alguma novidade, shows, lançamentos e afins, da Angela CARNEOSSO e a Peste? CARNEOSSO: Teremos show no dia 8 de março no Teatro de Rotina. Todo dia é dia da mulher, mas achamos que essa era uma ocasião importante. Estou totalmente incubada, esse ano é ano de parto duplo. Por enquanto estamos a todo vapor no disco de TETO. No meio do ano, volto pro Massumi retomando a pré produção do primeiro disco da PESTE. O projeto mudou bastante desde o que apresentamos para o Natura Musical. Resolvemos fazer totalmente as próprias custas, com liberdade máxima e do jeito que quisermos. Por enquanto é isso, hapenas haguardem que o ano é longo. Vão ao show!

Mb: O que mais te instiga em fazer uma parceria musical com o Massumi? Quais sonoridades e outros ares musicais você se aventura quando trampa com ele?( e não rola no TETO, por exemplo) CARNEOSSO: O Massumi é muito sensível, é sem dúvida um dos músicos que mais admiro ao redor. Na Peste, nós temos uma espécie de campo de liberdade ilimitado, sem qualquer compromisso com a pista, ou com “funcionar”. Somos nós dois, nossas sombras, pedais e composições. É um show denso, imersivo, hipnótico. É também onde sou obrigada a atuar como uma espécie de produtora e compositora do som também. Nesse último ano cortamos a cabeça da banda inteira em plena crise financeira e de direção. Ficamos só nós dois, o cello, voz, pedais e o live. Isso foi libertador e percebemos que tínhamos tudo o que precisávamos. Do formato de “pocket show”, “nós dois” virou o oficial e cresceu bastante musicalmente. Tocamos em na Casa do Mancha, Trackers, Disjuntor, em Porto Alegre no Kino Fórum, na Mamba e foi chocante como as pessoas ficaram de pé, sentadas, dançando, chorando, mas ficaram do começo ao fim. Eu realmente não entendo nada, às vezes. É um processo de criação aberto e vivo ao público.

Mb: Fale um pouco do seu processo criativo quando aplicado a videoclipe. Como é para você transformar em vídeo uma música? Como foi filmar Gasolina? Quais serão os próximos vídeos dos lançamentos da MAMBArec? CARNEOSSO: Acho que os vídeos, as imagens em movimento, ainda tem esse potencial onírico-incendiário de criar idéias sobre o que a gente não conhece. Acredito que a liberdade seja um horizonte distante para nós, atualmente. Gasolina foi a corporificação da dança dessa revolta amordaçada, a sugestão e revelação de um montão de coisas em São Paulo e no mundo. Ou seja, antes de tudo, esse videoclipe é produto de uma época, do aqui e agora, da juventude insubmissa que atravessa as gerações. Gasolina foi gravado por mim, pelo Alexandre Furcolin Filho, pelo Loïc Koutana.

O Rapha sabiamente resolveu acompanhar a mim e o Loïc no Ato contra as Olimpíadas, carregando o bandeirão do TETO. Foi feito com muita paixão e nenhum dinheiro, literalmente, e fez um estrago bem além do que imaginávamos. Foi engraçado quando ganhamos o prêmio de melhor direção nacional no Music Video Festival.

Depois lançamos o MNR#02 – Serra do EXZ_, que trouxe um videoclipe com Loïc e Rapha numa fuga abstrata pela serra entre São Paulo e Santos. Para o MNR#03 – Demolição de Entropia-Entalpia, preparamos um videoclipe gráfico com os desenhos infantis que recebemos. Matheus Câmara, aka Entropia, é um dos nossos jovens produtores. Diante disso, fizemos uma chamada aberta para envio de desenhos foda de crianças de 3-8 anos de idade. Selecionamos alguns e fizemos a identidade do lançamento. Nesta semana estamos lançando o esperado MNR#04 – Contaminassão de L_cio e Massumi. Operando os lava-jato, rave, espuma e dramaticidade.

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