Vermelho, o Químico dos Beats

DJ e produtor fala sobre suas influências e confirma EP do projeto Vermelho Wonder

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Fotos: Felipe Gabriel

Como explicar a criatividade de um artista que se expressa em tantos meios? O DJ e produtor Márcio Vermelho se encaixa nessa categoria. Além de manter a performance solo como Vermelho, atração já confirmada no Main Stage às 15h, no domingo (dia 4 de março), ele ainda se divide como cara metade do Sphynx (ao lado de Pedro Zopelar) e do Vermelho Wonder, em parceria dos vocais de Ivana Wonder. Ao lado de Davis e Zopelar, ele encabeça a festa ODD, conhecida em São Paulo pela cuidadosa escolha de atrações, que ainda se desdobra no programa ODDcast.

Mas não é “só isso”: ainda rolam as performances audiovisuais de Video-Sistema. Neste bate-papo com o Monkeybuzz, ele fez um verdadeiro dossiê perfeito para agradar tanto fãs das antigas como os que agora conheceram nas pistas. Não é pouca coisa: são quase duas décadas transitando nos grooves, do underground ao grandes festivais internacionais.

Monkeybuzz: Conta um pouco das suas origens familiares, primeiros contatos musicais… Vermelho: Eu nasci em Araraquara, no interior de São Paulo, onde passei toda a minha infância. Tive o privilégio de crescer em um lugar tranquilo, onde se podia brincar na rua sem medo, numa época em que ouvir fitas K7 no boombox e treinar passos de dança era o máximo da diversão na minha turma de amigos. O meu sonho era trabalhar em uma rádio. Passava horas e mais horas ouvindo a programação para poder gravar as músicas preferidas e fazer a minha própria seleção. Os meus pais sempre gostaram muito de música. A minha mãe tinha uma infinidade de vinis de MPB, coletâneas de Disco Music, trilhas de novela, e o meu pai tinha uma coleção enorme de fitas K7.

Mb: Como foi seu primeiro contato com o universo da discotecagem? Vermelho: Com a discotecagem profissional, em 2000, quando comecei a investir tempo e dinheiro em discos e equipamentos. Aprendi a mixar usando os toca-discos dos DJs que dividiam apartamento comigo e fui ampliando a pesquisa de música de pista mais alternativa. Gastava a maior parte do meu salário para importar discos, naquele tempo o acesso à música era totalmente diferente. Nessa época eu tocava em festinhas de amigos e algumas festas que aconteciam em bares. Em 2001, a coisa foi ficando séria e a minha primeira gig importante foi com os DJs que mais me influenciaram: Luiz Pareto e Marcos Morcerf. Logo depois, no começo de 2002, comecei a produzir a minha primeira festa, chamada Nectar, com o Victor A., em uma sauna na Santa Cecília.

Mb: Em quais festas você ia na época quando conheceu o Pareto? Vermelho:Uma das minhas festas preferidas quando comecei a sair em São Paulo era a Rebolado, festa do Pareto. O som era muito diferente do que rolava na maioria dos outros lugares da cidade. O Lov.E era o principal clube para quem curtia música eletrônica mais “underground”, o after hours era obrigatório. Nesse período eu circulava pelas festas de House, Techno e Drum n’ Bass, tinha uma curiosidade muito grande para conhecer outros estilos e novidades de música Eletrônica. Voltando ao Pareto, ele foi o DJ que fisgou a minha atenção, sempre com sets envolventes, cheios de novidade, extremamente dançantes. Definitivamente, ele foi a maior influência para me eu tornar DJ. Em todas as suas apresentações eu estava lá, de ouvidos atentos. As festas que ele e o Morcerf fizeram na época foram incríveis.

Mb: Qual é a sua formação? Como foi o dilema de trocar um carreira de trabalho por outra como DJ? Vermelho: Sou químico por formação e já tive trabalhos em áreas completamente diferentes umas das outras. Trabalhei com fotografia por quase uma década em um grande jornal de SP, o que correspondeu praticamente a todo o início da minha carreira de DJ. Conciliei as duas rotinas por um bom tempo, até que chegou um momento em que o excesso de trabalho no jornal começou a me esgotar. Foi quando decidi deixar o emprego fixo e me dedicar inteiramente à música. Um dos meus anseios era ter mais tempo para produzir e mergulhar completamente no universo que sempre foi a minha prioridade. Apesar de muitos apertos, essa foi umas das decisões mais acertadas que já tive na vida.

Mb: Conta um pouco sobre a criação e trajetória da LAÇO? Vermelho: No início de 2011, eu e o Bruno Nogueira, criamos a LAÇO, um espaço de multilinguagem e experimentações artísticas. A primeira edição foi em galpão no Butantã. Depois, tivemos uma residência no subsolo do Paço das Artes, com várias edições memoráveis, sempre abertas ao público. A LAÇO envolve uma série de atividades e apresentações, como um pequeno festival multimídia independente, com cine aberto, instalações, exposição de obras, oficinas e performances visuais e musicais.

Mb: Quero saber mais sobre sua atuação no audiovisual. Qual é a história do Video-Sistema? Vermelho: O Video-Sistema é um projeto de experimentos audiovisuais bem livre, onde crio e/ou manipulo imagens a partir de equipamentos de vídeo modificados e sintetizadores de vídeo. O som é parte fundamental desses experimentos, costumo usar alguns sintetizadores e um teremim, por exemplo, para gerar sinais de vídeo ou compor uma trilha para um vídeo que já tenha feito.

XXX from VIDEO-SISTEMA on Vimeo.

Vídeo mixer analógico, câmeras diversas, videocassete e algumas mídias obsoletas também fazem parte do sistema. Outro projeto audiovisual que participei é o VINTESSETE, em parceira com a Astronauta Mecânico. A proposta é apresentar uma obra audiovisual ao vivo, na qual manipulamos sons e imagens em tempo real. Fizemos duas apresentações de uma de nossas obras na Bienal de Havana, em Cuba, em 2015.

Mb: Sobre a ODD: Origens, desafios, curadoria. Vermelho: Comecei a ODD sozinho, fiz algumas edições vespertinas e depois de um tempo achei que a festa pudesse acontecer em um formato mais noturno. Nessa época, o Davis e Zopelar tinham o mesmo desejo e acabamos unindo forças e criando um espaço maior para colocarmos todas as nossas ideias em prática. Com quase quase três anos, a festa tem uma trajetória bem legal. Já recebemos uma série de artistas visuais e sonoros, além de um público maravilhoso, que nos enche de orgulho e estímulo para fazer mais e melhor.

Queremos que a festa se fortaleça cada vez mais como um espaço de inclusão e tolerância, que tenha representatividade para grupos diversos e seja segura para todos. Queremos discutir mais sobre redução de danos, sustentabilidade e maneiras de atingir um público que não tem acesso ou condições para frequentar a festa. A curadoria artística parte da confluência de nossas pesquisas, uma longa lista de artistas que admiramos, apostas e novos talentos. Musicalmente, a festa explora vertentes da House, Techno, Electro, novidades da nova música eletrônica em geral. Os visuais – luz, performances, instalações e o design gráfico são pilares essenciais para a completa experiência sensorial e identidade da ODD.

Mb: Conta mais sobre o Vermelho Wonder. Como você se conectou a Ivana? Vermelho: O meu primeiro contato com a Ivana foi quando a convidei para se apresentar na ODD, por indicação do Dudu Araújo. Logo depois, descobri a sua voz impressionante por um vídeo no Facebook, e a convidei para sessões de música no meu home studio. No primeiro dia, conversamos muito, ouvimos vários sons, referências e arriscamos gravar algo. No final do encontro, já tínhamos gravado a nossa primeira faixa. A partir daí, a parceria foi fluindo naturalmente. Temos uma grande afinidade artística e sempre nos divertimos trabalhando juntos, o nosso processo de criação no estúdio e nas apresentações ao vivo funcionam bem, é prazeroso.

Temos uma série de músicas prontas e estamos preparando outras novas, além de um videoclipe. Nas próximas semanas teremos o nosso primeiro disco lançado, o EP da Rock The Box, pelo selo In Their Feelings, com a versão original e remixes do ROTCIV, R H R, Davis e Zopelar. Além do EP estamos preparando outro lançamento com três faixas originais, que vai inaugurar a página Vermelho Wonder no Bandcamp.

Mb: Quais são os planos para o Sphynx? Vermelho: O Sphynx nasceu dos encontros musicais que tenho com o Zopelar, amigo de longa data. As nossas produções transitam por timbres oitentistas, pelo baleárico obscuro, Electric Funk, New Beat, Acid House. Recentemente começamos uma pequena festa onde tocamos em formato DJ set todas as influências que permeiam o projeto. Proto house, Synthwave, Italo Disco, Electro, Synth Funk e o que mais se relacionar com o que imaginamos fazer parte do universo Sphynx.

Mb: Como vc consegue conciliar todos esses projetos musicais, analisando pelo seu lado criativo? Vermelho: Acho desafiador e ao mesmo tempo divertido canalizar um trabalho extenso de pesquisa e criação em diferentes projetos. Quando começo a compor algo, ou organizar o garimpo de músicas, sei exatamente a direção que o material vai tomar. Tempo e dedicação é primordial. A estética sonora e visual são os denominadores para criar as identidades, é importante que cada projeto tenha a sua personalidade e consiga se comunicar com as pessoas de alguma forma.

Mb: Expectativa para o Dekmantel… Vermelho: São altas as expectativas para a segunda edição do Dekmantel em São Paulo, onde terei o prazer de tocar novamente. Me identifico muito com a curadoria musical do festival e tenho certeza que será um sucesso mais uma vez.

Mb: Você tem algo agendado para tocar na Europa neste ano? Vermelho: Embarco no final de maio e volto no início de julho, estou empolgado para tocar em novos lugares e visitar os amigos de lá.

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