Domingo: o Triunfo do Palco Perry

Segundo dia foi marcado por apresentações dinâmicas e tenda lotada do começo ao fim

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O domingo não estava de brincadeira. Enquanto o sábado tentava iniciar um processo de música-conceito, já em voga na gringa, o segundo dia de festival vinha para quebrar o que ontem tinha ficado intacto. Parecia outro festival, outra audiência, a energia era de festival digno da temperatura quente de São Paulo no dia 6. O público jogou fora a timidez de sábado e veio preparado para trocar experiência com os nomes escalados do último dia.

Baauer

A mesma impressão que tive no sábado com Flume, tive com Baauer no domingo. O público não caiu ali de paraquedas: Era formado por fãs dos agudos predominantes do trap que estavam ansiosos por isso. Seu produtor de palco deu play na sua faixa de abertura e deu espaço para que o DJ entrasse. Com simpatia única, Baauer vestia a camisa da seleção brasileira e se mostrava mais animado do que sua pista ,que não parava de dançar.

Mesmo competindo com Vampire Weekend, a tenda foi se enchendo aos poucos até se ver completa no meio do set. Improvável foi o relapso de Baauer ao repetir o mesmo remix de Watch Out For This, da dupla Major Lazer, com pouco tempo de diferença. Apesar do deslize, a escolha musical foi de se aplaudir em pé. Com extrema técnica, era quase que impossível ouvir o mesmo drop duas vezes, sempre emendando a progressão de uma com o refrão de outra. Além de suas últimas produções lançadas no Soundcloud- e, é claro. Harlem Shake pra fechar – o produtor se apoiou em remixes de Hip Hop pesado (e até censurado). Kanye West, M.I.A., Diplo, DJ Fresh e Boys Noize foram só alguns dos mais ovacionados.

Suas projeções eram coerentes com a temperatura do sua apresentação (nem a toalha enrolada no rosto adiantou). Baauer fez um set digno de surpreender até quem não conhece nada do gênero.

Krewella

“Não contem a ninguém, mas vocês foram os melhores da turnê na América Latina”. É óbvio que isso não poderia morrer ali. As irmãs Yousaf desembarcaram no Brasil pra fazer história. Quem conhece de EDM entende a importância de Krewella e sua ascensão no gênero. O mais engraçado é ver o boato de que elas não cantam (ou não surpreendem) ao vivo cair por água abaixo. Mesmo sem a presença do produtor (e terceiro membro do grupo) Kris Trindl devido a problemas de saúde, as americanas não deixaram a peteca cair. Pelo contrário, fizeram até os mais céticos ficarem de queixo caído em um show que talvez o Palco Perry nunca tenha vivenciado antes.

As meninas não paravam. A energia que tinham pra tocar, cantar, bater cabelo e correr pelo palco era inédita para os amantes da tenda eletrônica. Sem dó alguma, começaram já surrando Dubstep e acertando na escolha. O resultado disso foi um público ensandecido como eu nunca vi. Os sintetizadores pesados e rasgados do gênero só animavam ainda mais a audiência. E ainda a surpresa de ter flexibilidade de ir do Trap ao Drum’n’Bass sem matar a pista, mesmo parando para fazer comer de Human acústico com o empresário no violão, acreditem ou não. Enquanto isso, o coro das pessoas era facilmente audível.

Minha apatia já tinha sumido, mas foi surpreendente ver que não só o som comercial de Get Wet, álbum recém-lançado, funcionava, mas também o pesado trabalho de Play Hard e Play Harder, de 2012. Meu respeito às meninas de Chicago foi consagrado, principalmente pela maturidade que atingiram. Estavam completamente à vontade, interagiam com o público a todo momento e era possível sentir a empolgação de pisar em terras brasileiras – afinal, a frase do início não foi à toa. Elas não são mais aquelas meninas inconsequentes que se mostraram no UMF, no ano passado. Destaque para Killin’ Me, Legacy e a incrível Alive.

The Bloody Beetroots

Embaixo do nome, no logo que estampava o palco atrás dos instrumentos, ainda continha a palavra Live. Leiam isso no pé da palavra mesmo. Não só ao vivo com direito a piano, uma guitarra e bateria, mas a penúltima apresentação do Palco Perry mais parecia uma peça teatral. Bob Rifo e seus comparsas mascarados deram uma aula a todos os outros DJs no quesito performance. Não se tratava apenas de um trabalho, mas de uma premissa que música é arte e aquilo tudo ali era uma exposição.

“Teatro” porque tudo parecia ensaiado, positivamente falando. Uma apresentação começava no piano, as luzes estavam marcando somente o músico, quando a bateria ou a guitarra entrava, as luzes se difundiam. Mesma coisa quando havia solos dos outros instrumentos, sempre o músico ia à frente e tinha destaque. O mais incrível disso é que Spank, Warp, The Beat e Volevo un Gatto Nero, entre outras, pareciam atos de uma peça. Bob Rifo terminava sua performance no piano e ia para o lugar marcado no palco, abria seus braços, e o resto era só por conta da iluminação quase que epiléptica. Tudo milimetricamente pensado.

Quem achava o trabalho da dupla pesado e repetitivo nos álbuns, como no meu caso, se surpreendeu com uma apresentação contagiante. O fluxo era rápido, já que a dinâmica à la Soulwax (mixadas de forma orgânica, pela própria marcação da bateria) não dava tempo pra pensar: a pista estava na inércia, pulando sem parar. Saíam de falsetes para sintetizadores rasgados no piano, para uma apresentação cinquentista como uma banda de Elvis. Tudo sem parecer incoerente e sim artístico. The Bloody Beetroots trouxe o final dos anos 1970 para uma galeria de arte musical dos anos 2000 e não empurra guela abaixo. É aceito por uma tenda circular completamente lotada e dopada por um desfecho de uma peça punk.

No domingo, o público já estava acostumado com a dinâmica do festival e, por isso, a impressão é que foi um dia sem defeitos. Apesar da falta de personalização/decoração do Palco Perry (em relação a 2013) e alguns problemas técnicos que rechearam as apresentações de sábado, uma coisa não se pode negar: a produção estava atenta com os horários. Flume, Gartner, Flux Pavilion, Baauer e Krewella entraram, assustadoramente, em ponto. Com exceção de Axwell e seus 20 minutos de atraso. Competindo com New Order e Arcade Fire, o produtor se apagou diante de tanto efeito pirotécnico e overdose de EDM, mesmo arriscando tocar alguns hits do Swedish House Mafia.

Depois de muito perrengue no dia anterior, domingo foi o triunfo do Palco Perry. Não sei se notaram, mas, diferente da cobertura de sábado, preferi não citar a melhor. Cada uma conseguiu surpreender por um ponto. Baauer na ousadia, Krewella na maturidade e Bloody Beetroots pela veia artística. Domingo era difícil criticar ou sair de uma apresentação frustrado. Parabéns à produção pela preocupação de uma tenda “asfaltada” e um line up mais diversificado, mas fica a promessa de um cuidado maior com o som, não só no Palco Perry, mas em todo festival.

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Publicitário que não sabe o que consome mais: música, jornalismo ou Burger King