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Em conversa sobre fotos e publicações do Instagram, cantora comenta sobre a relevância que o discurso de seu disco de estreia, Cavala, encontrou também fora da música

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Fotos: Monkeybuzz

“Tem a ver com a comunidade LGBTQI+ a desconstrução desses lugares de poder fixados. Tem isso da ‘roupinha de ir à padaria’, quando o pessoal coloca uma roupa bem glamourosa e fala ‘ah, vou só ali à padaria’ (risos). É uma brincadeira bem das gays, eu acho esse deslocamento massa”

Nas fotos, nos vídeos e nos palcos, Maria Beraldo não deixa dúvidas sobre os públicos com quem conversa. Seu discurso de igualdade e representatividade encontrou várias ilustrações ao longo de seu disco Cavala, da intimidade escancarada ao “suvaco cabeludo”, continuadas pela artista em todos os contextos nos quais se insere, mesmo quando não há música. “Acho que a imagem, a roupa, como a gente se veste, tudo é uma via forte de política de você dizer o que você pensa, com quem você está, com quem se identifica”, explica ela ao Monkeybuzz.

“Eu sempre amei moletom e descobri há pouco tempo que agora posso usar e achar chique. É todo um deslocamento ir a um puta negócio chique de moletom, sabe? Ao mesmo tempo, tem essa coisa meio ET. No meu show também, e nas maquiagens para fotos, é tudo nessa sensação meio ET… porque a gente não se sente ‘de dentro’, né? Você é tratado como um ET. Queer tem muito a ver com isso, com você falar ‘sim, eu sou mesmo isso, eu sou mesmo ET, eu sou mesmo sapatão’, se apropriar das palavras e transformar o sentido delas. Nesses lugares do poder, do status, como você deve se portar é uma questão política, e você abala as estruturas quando se veste de um jeito que não é adequado. Você chama atenção e promove reflexão – ‘por que eu acho isso estranho?’, ‘Por que essa pessoa tá fora?’”.

“Eu tenho descoberto cada vez mais como o meu corpo é essa potência de reflexão. Tipo o fato de deixar os meus pêlos crescerem. Eu sempre depilei, a vida inteira, parei deve ter uns dois anos no máximo. Isso aconteceu através do meu contato com mulheres que não se depilavam – contato amoroso, sexual mesmo – e isso foi transformando minha noção do que é belo, do que é sensual, do que é limpo, sabe? Isso sempre foi dado como uma coisa óbvia – ‘mulher com cabelo debaixo do braço é uma coisa feia’ – então foi muito revolucionário para mim deixar os meus pêlos crescerem, não foi uma coisa fácil. Então eu tenho percebido como toda minha existência é política”.

“Eu tenho a idade da democracia, tenho 30 anos, mas é uma democracia que também teve muita opressão. Eu, que sou uma mulher branca, ainda sofro opressão por ser uma mulher lésbica, ou por ser mulher. Mas as pessoas indígenas, as pessoas negras, das comunidades periféricas, enfim, estão em uma situação de risco e de luta há muito tempo que eu acho que está se agravando e vai se agravar pra todo mundo, agora mais ainda. A nossa existência é política, porque como faz para a pessoa viver em uma sociedade desse tamanho? É muito complexo. A história da humanidade é a história da opressão mesmo”.

Com o celular na mão, passeando por seu perfil no Instagram, Maria comenta como cada lembrança ao longo dos últimos seis meses (desde que Cavala saiu em 30 de maio) faz parte de uma narrativa sócio-política. Se todos no Brasil, de um jeito ou de outro, viveram um período eleitoral tenso, quem faz parte de uma minoria – ou se encontra na intersecção de duas ou mais – sofreu em dose extra. Quando foi a Porto Alegre para o que foi o primeiro show do disco fora de São Paulo, ela conta que “cheguei e dei de cara com uma foto da Marielle enorme. Meu olho encheu d’água, eu saí do ar. Foi muito forte”. Houve também uma apresentação no democrático CCSP, quando marcaram uma manifestação pró-Bolsonaro a poucas quadras dali. “Minha produtora chegou chorando na passagem de som, porque a galera estava muito agressiva no metrô, falando um monte de atrocidades”, comenta ela, “e várias pessoas me escreveram depois falando que chegaram destruídas, mas saíram bem. Eu fiquei com medo de ser atacada nesse show. A arma mais poderosa talvez seja o medo, né?”.

“Eu sinto que eu pisar o pé para fora de casa já é um ato político – pelo corpo que eu tenho, pela pessoa que eu sou, por eu ser uma mulher lésbica. Mostrar o corpo como sexuado é um dos meus movimentos, me mostrar como dona da minha sexualidade – como mulher e como mulher lésbica. É um super passo, os caras se sentem agredidos, porque a mulher na nossa sociedade não é dona do prazer dela, né? Esse é o movimento, falar ‘sim, eu sou uma mulher, eu sou uma mulher lésbica. Sim, eu tenho tesão, olha aqui meu tesão, eu sou dona dele’.

“A questão da nudez é muito rica. Tem a coisa dela ser muito doentia na nossa sociedade, porque ela está ligada sempre à sensualização. E não é assim, o corpo nu pode ser um corpo não sexual e o corpo vestido pode ser sexual. Essa associação tem muito a ver com nosso tabu, com nossa dificuldade de lidar com o corpo. Quando eu quero mostrar meus peitos, quando quero me mostrar pelada, é muito a ver com isso. Poder ser senhora da minha sexualidade”.

Há sequências de imagens no Instagram que mostram Maria despida da cintura pra cima, sempre com algum pequeno truque para ser aprovada pela inteligência artificial que regula o código de conduta da rede social. Em uma delas, tirada em uma cachoeira durante uma merecida pausa na turnê, ela é vista de outro jeito, de longe, de costas. “Pareço um menininho”, ela diz em voz alta sobre a publicação, que exibe a hashtag #mogli.

“Eu gosto de habitar esse lugar assexuado, bem queer, da pessoa não saber se eu sou menino ou menina. É muito interessante habitar esse território da androginia. Eu acho bonito, acho sensual. A minha relação com a sensualidade e com a sexualização tem a ver com ingenuidade. Ela é meio sem filtro. Gosto de ser uma mulher do jeito que eu quiser ser, não do jeito que a sociedade diz que eu preciso ser”.

Ver as fotos no Instagram enfileiradas pode dar uma percepção mais clara do quanto aconteceu nos últimos seis meses desde que Cavala saiu (“É pouco tempo, mas parece que faz mais”) e de como esses temas são repetidos ao redor do que Maria Beraldo faz. “Eu adoraria não precisar ficar falando que eu sou lésbica”, comenta ela, “mas há uma necessidade, porque eu sou discriminada como lésbica, então eu preciso afirmar para que se construa um cenário político no qual isso não importe”. É um caso de artista e obra que se confundem, de uma persona que carrega mensagem só por existir. “O que que é o figurino? Onde é o palco? Onde você tá propondo sua reflexão? Acho isso uma grande potência”.

 

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ARTISTA: Maria Beraldo
MARCADORES: Entrevista

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.