Ouça: Carne Doce

Banda goiana é exemplo da alta qualidade da música no Centro-Oeste brasileiro

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“Temos antipatia pelos temas fofos, por cenários de alegria constante, mas temos simpatia pelo riso. Queremos soar bonitos, não bonitinhos” é assim que Salma Jô nos respondeu quando perguntamos a respeito da essência de Carne Doce banda da efervescente Goiânia, pólo cultural da nova música brasileira. Talvez ela possa ser interpretada nas entrelinhas como a expressão do amor que existe na banda – a cantora divide as funções de composição com seu companheiro, o guitarrista Macloys Aquino – as imperfeições fazem parte de um relacionamento e de sua construção.

O som, tampouco fofo, é sincero, no entanto. Sua levada suingada se mostrou uma das gratas surpresas de 2013, quando a banda lançou o EP Dos Namorados, delicioso Rock Brasileiro sem rótulos, original e sereno – ácido e melancólico em faixas como Cliche Deprê (“quero morrer, perder você pra ser mais infeliz, sofrer e mendigar em algum outro país”). Objetivo como o título promove, tem na cadência da guitarra o complemento à voz de Salma, simbiose que somente um convívio natural poderia trazer e que se mostra ainda mais interessante em faixas divertidas, “pro riso”, como Fruta Elétrica, ou nas feitas na pura poesia, como Dignos. A poderosa cantora nos lembra os cortes verticais que Juçara Marçal faz em sua carreira solo e junto a Metá Metá, mas sem o experimentalismo que acompanha esses projetos. Entretanto, expressa a mesma brasilidade e qualidade instrumental em ótimos arranjos, o mesmo ritmo cativante em levadas permissivas, amorosas e cruas sem excessos: “Somos pretensiosos e queremos falar da nossa pretensão, do quanto ela é importante, do quanto ela é ridícula, do quanto ela é comum”, terminaria a nossa conversa com os goianos.

Se no ano passado você já deveria ter os ouvido, ou pelo menos os visto ao vivo em suas performances pelo estado de Goiás e mais recentemente no festival Vaca Amarela, podemos dizer que as coisas mudaram de lado, agora com um previsto novo disco para ser lançado em meados de outubro. Vemos mais soltura nos arranjos e mais Psicodelia, consequência clara devida à divisão de espaço de trabalho com os Boogarins e Luziluzia, dois grupos que bebem de águas psicoativas deliciosas. Em suas palavras, o disco representa muito para a banda: “É uma estreia como tem que ser, pra dizer para que viemos, de que coisas queremos falar e em que tom queremos falar, pra mostrar nosso talento ate agora e dar um sinal do quanto podemos crescer”. A verdade é que eles querem viver disso e batalham para realizar o seu sonho, tão tangível com esta qualidade exemplar em tão pouco tempo. O teaser pode ser visto abaixo e já revela um clima de boas vibrações contagiante.

Seu primeiro single, Passivo, já se mostra mais ousado que todo o primeiro EP ao utilizar-se de imagens do livro Erotica Universalis, publicação do historiador Gilles Néret que reúne um apanhado do erotismo ao longo da história, e também pelas letras explícitas, nuas de medo ou convenções. A deliciosa faixa traz sensualidade em cada acorde guitarra ou batida seca da bateria e se complementa no refrão direto: “você não machuca ninguém, você não humilha ninguém, você só quer fazer o bem/ mas eu não, vem me fuder, vem me fazer dar”, depois abre para um solo que é puro gozo e deleite, acabando em dois minutos com gosto de quero mais. Podemos esperar um disco, ousado, revelador e com mais complexidade instrumental, além de composições conjuntas com Boogarins, já reveladas na faixa Benzin; “feita a quatro mãos entre eu (Macloys), Salma, Dinho e Benke.”

Se tudo isso não é o bastante, aguarde mais alguns dias para entender por que nós do Monkeybuzz estarmos tão ansiosos para que este disco chegue ao ouvido de vocês, um dos maiores exemplos de poder e atitude na música no Brasil em 2014. Não só pela sinceridade, mas pela maturidade também, a Carne Doce se revela como um dos grupos a ser acompanhado de perto, de canto de ouvido seja com amigos ou numa maliciosa relação a dois, três, o que o amor permitir dado que o exemplo amoroso aqui é rico, sincero e nem um pouco fofo, mas sim, bonito demais da conta.

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ARTISTA: Carne Doce
MARCADORES: Ouça

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.