Ouça: Mar de Marte

Banda instrumental do RS traz aridez e peso através de paisagens viajadas

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No último dia 28 de Setembro, uma importante notícia foi lançada nos principais meios de comunicação do mundo: há água em marte. Córregos sazonais em encostas montanhosas nos mostram que não tratamos mais de hipotéses do passado, mas confirmações do presente. Tal descobrimento nos fez vislumbrar a chance de encontrarmos vida extraterrestre mais rápido que o esperado e nos abriu um leque de possibilidades imaginativas e viajadas. Saindo do campo espacial e indo direto ao encontro de um novo movimento cultural gaúcho, Mar de Marte parece criar a paisagem ideal para tais viagens com seu som instrumental.

Misturando elementos de Hard Rock e Rock Psicodélico, o grupo de Erechin reune em sua pequena discografia de EPs e singles inúmeras possibilidades de composições. Por vezes árido e seco, como pede um “mar em Marte”, a banda constrói e descontrói elementos antes que o peso seja decididamente, o elemento sonoro principal. Meducq, por exemplo, vai crescendo e sendo moldada de forma mínima antes que um paredão de amplificadores tome conta de sua estrutura. Surpreendente é a constatação que a banda é um power trio, logo, cada instrumento corresponde muito bem o papel desenhado e suas atuações são complementares entre si. O baixo é a melodia e a guitarra é o peso ou a viagem, enquanto a bateria é o alicerce.

O único EP do grupo, Mar de Marte (2011), conta com ainda algumas pérolas de Rock Garageiro, como Lacobo, enquanto Anelar é a faixa mais criativa da pequena composição ao trazer diferentes elementos à mistura. Tais musicas nos fazem lembrar de outras e distintas bandas instrumentais brasileiras, como a companheira estadual e ótima Tape Disaster , Mahmed, HAB, Meneio e Macaco Bong. Consta por fim que a cena correspondente ao som sem palavras ganha cada vez mais destaque não só através de boas produções, mas também no próprio interesse de músicos em explorar novas possibilidades.

Se a primeira aparição de Mar de Marte já tem quatro anos, podemos dizer que a evolução do trio é ainda mais animadora. Oceano de Urano (2014) já começa a caminhar por um lado mais psicodélico da música através de acordes cheios de delay e foge um pouco da estrutura modular de seu EP – por vezes, bastante semelhante com os escoceses do grupo Mogwai. O trajeto é sempre traçado para alcançar ondas pesadas do Hard Rock e nos fazem inevitavelmente balançar a cabeça como se estivessemos em uma apresentação do grupo (algo que pode ser conferido nos diversos vídeos ao vivo de sessions do trio).

Mar de ½ Litro (2015) faz o papel inverso do que estávamos acostumados: ruge e grita para depois nos trazer uma das melhores melodias de guitarra que a banda já gravou. É Rock sendo feito para ser apreciado como nos velhos tempos – enzima para sonhar acordado e destruir-se em um concerto. A agressividade e a aridez sonora do trio corresponde muito bem ao ambiente desconhecido do planeta vermelho, nos fazendo criar batalhas e histórias imaginárias de povos desconhecidos enquanto o ouvimos. Recentemente, o psicodélico e belo vídeo ao vivo de Betelgeuse nos trouxe os tipos de timbres e sensações roqueiras cada vez mais espalhadas pelo Brasil: pequenos elementos que trocam a objetividade Pop espalhada nas paradas de sucesso e se transformam na subjetividade limiar do que é, sim, diferente.

Membro do selo Southern Crown Records (de Gravataí, de bandas como Frida e Dr. Hank), Mar de Marte é mais uma prova viva do rejuvenescimento da música gaúcha. Ao lado de outros atos pelo estado, como os selos Honey Bomb Records e Lezma Records, compartilham a ideia de subverter a expectativa clássica do Rock que vem do Rio Grande do Sul. Por fim, todos esses fazem com que o resto do país peça que essa água distinta da região continue a prover bons frutos e, quem sabe, não tragam mais ótimas surpresas tais quais os novos descobrimentos marcianos.

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ARTISTA: Mar de Marte
MARCADORES: Ouça

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.