Resenhas

Neil Davidge – Slo Light

Novo disco do produtor sabe dosar inovação com o influências do passado

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Ano: 2014
Selo: The End
# Faixas: 10
Estilos: Eletrônica, Alternativo, Rock
Duração: 53:11min
Nota: 3.5
Produção: Neil Davidge

Onde? Bristol, Inglaterra. Quando? Meados dos anos 1990. Neil Davidge, amigo dos integrantes do grupo Massive Attack, era frequentador assíduo dos estúdios da cidade, dos clubes, das festas, era um objeto de estudo de micro-história, através do qual seria possível identificar as características gerais daquela cena Trip Hop que se erguia na virada dos anos 80/90. Egresso da escola de artes, compositor, cantor, fã de trilhas sonoras de filmes obscuros e Soul, Davidge era também ex-participante do DNA, trio de produtores da cidade que ficara famoso mundialmente por remixar o sucesso Tom’s Dinner, faixa à capella, cantada por Suzanne Vega em seu álbum de 1987, Solitude Standing. Àquela altura, no entanto, o DNA era passado, uma vez que Davidge recebera um convite bem interessante: produzir a versão que Massive Attack gravaria para The Hunter Gets Captured By The Game, a ser incluída na trilha sonora do filme Batman & Robin.

Este foi o primeiro dia do resto da vida de Davidge, em pouco tempo convidado para fazer parte do próprio Massive Attack e produzir seu próximo disco, Mezzanine, que ganharia o mundo em 1998 e renovaria a fama do grupo, justamente pela adição de um potencial obscuro e misterioso em sua música, muito pela presença do novo integrante. A partir daí, Davidge manteve-se relevante e importante, não só dentro da banda, mas emprestando seu talento de produtor a gente tão distinta quanto David Bowie e Snoop Dogg, passando por trilhas sonoras de filmes e sonorização de um game famoso, Halo 4, cua trilha foi lançada em 2012. Só agora, mais de uma década após seu ingresso no Massive Attack, Neil Davidge sentiu-se à vontade para colocar seu nome num disco solo.

Slo Light é um trabalho sólido e interessante, cheio de convidados ilustres, nuances triphopianas por toda parte, toques de dark side of the force sempre que possível, mas padece do mal que assombra todos os “projetos de produtor”: Davidge não é um performer, ele é quem concebe, compõe, engendra e viabiliza as canções, algo que não rima sempre com a exposição e os holofotes da superexposição. A faixa título, que abre a sequência de canções do disco, é uma espécie de Teardrop revisitada, trazendo as batidas hipnóticas do grande sucesso de 1998 de sua antiga banda, que acabou parando na abertura do seriado House. Em vez dos vocais de Liz Frasier, temos Stephonik Youth, vocalista da banda americana Living Days. O clima obsessivo e claustrofóbico é contrabalançado com uma progressão de cordas e teclados belos, que lançam pequenas luzes na escuridão total. Uma batida mais rápida introduz Gallant Foxes, conduzida pelos vocais eficientes da galesa Cate Le Bon. A ambiência da canção fica no meio termo entre uma pista de dança intencionalmente decadente e algum tipo de vanguarda estética, tudo bem legal e interessante. Mais batidas decadentes e os vocais orbitais da inglesa Karima Francis pontuam How Was Your Day, canção que não chega a fazer alguma diferença. A participação de Low Roar (projeto islandês-americano do produtor Ryan Karazija) confere certo clima clássico a Home From Home, opressiva e crescente.

Os vocais de Stephonik Youth retornam em They Won’t Know, canção urdida novamente a serviço das profundezas mais escuras da paleta musical de Davidge, algo como uma trilha sonora alternativa para uma versão subversiva do clássico menor de Francis Ford Coppola, Depois de Horas, revisitado e reempacotado para a noite bristoliana. A suíça, de ascendência polonesa, Claire Tchaikowski, confere claustrofobia e confusão a That Fever, sutil e onipresente em cordas, loopings e marcação hipnótica de ritmos. A cantora favorita de Morrissey, Sandie Shaw, é a grande convidada de Riot Pictures, canção solene sobre as manifestações ocorridas na Inglaterra há dois anos, devidamente revestida de ambiência Electropop, mas nunca dançante, no sentido eloquente do termo. Pianos e cordas dão os temperos necessários, enquanto Zero One Zero é bem próxima do ideal estético dançante da década de 1980, novamente trazendo os vocais de Stephonik Youth. Sleepwalking, a canção seguinte, novamente se volta para o canon do Trip Hop, misturando levada econômica de bateria, vocais femininos e etéreos, a cargo da bela cantora australiana Emi Green. O fecho se dá com outra faixa com vocais de Claire Tchaikowski, Anyone Laughing, com início climático mas que desemboca na levada mais Pop de todo o disco.

Slo Light é um álbum interessante, sobretudo por ter nuances revisionistas em relação, principalmente, ao Trip Hop, mas que também ousa apontar caminhos que poderiam ser de evolução do estilo. Davidge não se prendeu ao passado, mas não abriu mão de suas influências para criar um painel cinzento mas belo o bastante para manter a expectativa por seus próximos trabalhos e, acima de tudo, um novo disco de Massive Attack.

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BOM PARA QUEM OUVE: Portishead, Massive Attack, Tricky
ARTISTA: Neil Davidge

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.