Resenhas

Sharon Van Etten – Are We There

Disco convida a observar o presente da artista que nos apresenta, de forma bela e direta, algumas boas lições sobre o amor

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Ano: 2014
Selo: Jagjaguwar
# Faixas: 11
Estilos: Indie, Pop Folk, Singer-Songwriter
Duração: 46:57
Nota: 4.5
Produção: Sharon Van Etten
SoundCloud: /tracks/137098034

Como um convite à sua intimidade, Sharon Van Etten nos brindou com Are We There, seu quarto álbum. Após audições atentas, a sensação é do ouvinte atuar como um observador onisciente, assistindo aos seus conflitos no presente, com toda a sinceridade, impulsividade e paixão que é normal a momentos como estes. Letra após letra, ela parece discutir com paixões passageiras, com amores verdadeiros e principalmente com ela mesma.

Tendo produzido pela primeira vez seu próprio disco, espantando os fantasmas de Tramp, seu último lançamento, cheio de importantes participações especiais e com a produção de Aaron Dessner do The National, no qual a artista admite naturalmente ter sentido seu ego abalado, com muita gente atribuindo a beleza de sua obra ao trabalho de seus amigos de nomes mais consagrados. Aluna de Dessner, desta vez Sharon decidiu trabalhar em todas as etapas do álbum e o resultado é impressionante.

Letra, melodia e produção caminham juntas do começo ao fim. A temática usada nas composições de Sharon traz a sinceridade da música alternativa guiada por melodias vocais bonitas e marcantes, um dos grandes trunfos do disco, sabendo unir palavras de maneira pouco óbvia, casando com o timbre da cantora. As melodias tem estrutura Pop, o que passa uma sensação de conforto, de familiaridade, parece que nosso cérebro já está programado para se emocionar com aquilo, o que potencializa todos os outros elementos de sua arte.

O álbum mais direto ao ponto de sua carreira já dá a partida com uma das trincas de abertura mais emocionalmente intensas do ano, ao lado talvez apenas de Benji, de Sun Kil Moon. Em seus trabalhos anteriores, havia sempre a sensação de que ela não estava atingindo todo o seu potencial, o impacto de cada faixa não era tão grande, não grudava tão facilmente melodicamente e nem sentimentalmente, apesar de ser tudo sempre muito bonito.

Aqui, dois elementos contribuem para uma potência maior em cada canção. De início, é nítido que Sharon trabalhou preenchendo mais os espaços vazios, o que transmite uma sensação bem leve de faixas mais recheadas e inconscientemente mais emocionantes, carregadas de sentimento. E, em seguida, vai se destacando a simplicidade carregada de significado que ela consegue incorporar em alguns de seus versos.

A objetividade e a assertividade em traduzir sentimentos tão comuns em trechos como “I can’t wait ’til we’re afraid of nothing” ou “I love you but I’m lost” tranquiliza, faz parecer que terceirizamos com ela o trabalho de entender nosso próprio coração. Outro truque simples que tem o mesmo resultado é a frequente repetição de frases com a mesma melodia, mas onde uma única palavra é trocada ou adicionada, mudando todo o sentido da frase inicial, passando uma sensação de continuidade de raciocínio, de passagem de tempo durante a faixa.

No refrão de Our Love, a repetição excessiva fortalece ainda mais a mensagem que varia entre “It’s our love/In our love/It’s all love”, assim como em “Maybe something will change/Nothing will change” e “Everytime the sun comes up I’m in trouble/Even when the sun comes up I’m in trouble.”. Não por acaso, quase todas as letras citadas são os títulos das músicas, o que reforça a pressa de Sharon em dividir aquilo conosco, ou na verdade, intensifica a sensação de que ela não está nos passando nada, pois estamos acompanhando o presente enquanto ele acontece.

Discos assim parecem se agarrar com mais força à nossa memória afetiva em um momento com tanta oferta do que ouvir, em tão pouco tempo. Sharon Van Etten consegue transmitir sua mensagem com precisão, embalada por melodias fáceis de ouvir, mas que parecem ter demandado um cuidado artesanal em sua produção tão equilibrada, fisgando seu receptor mais rapidamente, mas deixando margem a uma interpretação mais aprofundada de quem se apegar. De forma direta mais uma vez, ela quis nos mostrar algo óbvio, mas que parecemos nos esforçar para ignorar, o fato de que a única certeza do amor é ser sempre incerto.

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Autor:

Nerd de música e fundador do Monkeybuzz.