Resenhas

Bob Mould – Beauty & Ruin

Pai do Hardcore mostra mais uma vez como ainda é jovem, mesmo aos 54 anos

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Ano: 2014
Selo: Merge Records
# Faixas: 12
Estilos: Indie, Rock Alternativo, Hardcore
Duração: 36:16
Nota: 4.5
Produção: Bob Mould

Senhoras e senhores, é com felicidade que chegamos a mais um capítulo da admirável trajetória de Mr. Robert Arthur Mould. O homem esteve à frente de uma das formações mais importantes formações do Rock independente americano dos anos 1980, Hüsker Dü, responsável, ao lado de R.E.M. e Sonic Youth, pela tradução desta produção subterrânea ianque para as bandas como Pixies e Nirvana, motivo do surgimento das grandes massas que lotariam os primeiros Lollapaloozas no início da década seguinte. Sua banda chegaria ao fim antes mesmo da década de 1980, mas Mould seguiria carreira solo, montaria outro trio sensacional em 1992, Sugar, que só duraria três anos e dois discos e viria até os dias de hoje, levando adiante sua visão de Rock alternativo, enguitarrado, lírico e bastante influente.

Com seis álbuns à frente de Hüsker Dü, dois com Sugar e mais doze trabalhos solo, Mould é um artista com muito a dizer e vários tesouros a serem escavados, principalmente pelo pessoal que ostenta orgulhoso a sua camiseta com Kurt Cobain estampado ou adora a discografia de Pixies: sem a influência deste jovem de 54 anos, nada disso aconteceria da forma como se deu, com essas bandas arrombando o palácio que só tocava o máximo a música pasteurizada dos anos 1980. Mould sempre preferiu formações em trio, com ele na guitarra e vocais, secundado por baixo e bateria, com eventuais intervenções de outros instrumentos ocasionais. Sua fórmula permanece inalterada neste novíssimo Beauty & Ruin, que traz um pequeno simpósio do Rock Alternativo dos anos 1990 em seus 36 minutos. No baixo está Jason Narducy e Jon Wurster (Superchunk) assume a bateria. A capa, com a justaposição de fotos de Mould em épocas diferentes de sua vida, já anuncia o caráter reflexivo das letras e o clima ameno que o álbum traz. Só que não.

Não é possível dizer que o início com guitarras formando uma muralha sonora na abertura com Low Season é ameno. Mas é certo e justo dizer que é muito bonito, com apontamentos sobre a passagem do tempo. Little Glass Pill é um raro exemplo de Hardcore Psicodélico, algo que tem avalanches de guitarras e bateria furiosa, mas que não soa alto ou ruidoso. É como observar uma tempestade tropical de uma distância segura, a faixa tem uma espécie de dimensionamento, algo complicado de descrever, mas bem fácil de notar à medida que vai avançando. I Don’t Know You Anymore é uma daquelas canções Pop perfeitas, só que devidamente turbinadas por guitarras altas, uma espécie de atualização do Powerpop setentista, algo que o Hüsker Dü empreendeu nos anos 1980 e que respingou em mestres do ofício a partir da década seguinte, como Teenage Fanclub. Kid With Crooked Face é uma pancadaria furiosa, mas melódica e justificada, mas Nemeses Are Laughing é melodia pura, enguitarrada e com vocais noventistas admiráveis. Dave Grohl, fã confesso de Mould, tentou a vida toda reproduzir essa sonoridade sem chegar nesse nível de majestade.

The War, como o título adianta, não é exatamente uma canção plácida, mas traz toda aquela maravilhosa mistura de melodia e peso que Mould desenvolveu, sobretudo a partir da curta – mas brilhante – existência do Sugar. Forgiveness tem uma outra direção, com introdução mais aerodinâmica e voltada para a faceta mais radiofônica do Rock alternativo americano, com discretas reminiscências de Losing My Religion (R.E.M.). Hey, Mr. Grey é outra revisita aos primeiros anos dos “90’s”, poderia estar sem qualquer problema na trilha sonora de filmes como O Balconista (1994). Fire In The City traz outra característica da sonoridade mouldiana, a voz soterrada na mixagem, dando a impressão que ela vem das profundezas de um poço ou da garganta, dependendo do clima. Tomorrow Morning é outra belezura, mostrando o quanto Evan Dando (Lemonheads) também bebeu nessa fonte melódica turbinada por esporro. Let The Beauty Be traz uma rara aparição de violão no cânon de Bob Mould, com levada mais próxima da placidez acústica que também deu as caras a partir dos programas da MTV de mesmo nome. A guitarra volta triunfante para o final do disco, a bordo de Fix It, uma maravilha de canção de encerramento, com direito a guitarra apitando e final abrupto, um clássico.

Bob Mould pode e deve ser valorizado, (re)descoberto e reconduzido ao posto de grande vocalista, compositor e figuraça dos anos 1990. Você precisa conhecer a obra dele, há vários pontos de partida possíveis e convidativos e eu te garanto o sorrisão no rosto. Caia dentro.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.