Leitores e leitoras, vocês conhecem Fantômas? Não a banda esquisitona do não menos estranho Mike Patton, mas o personagem dos escritores franceses Pierre Souvestre e Marcel Allain? Provavelmente não, né? Pois bem, entre 1911 e 1915, estes dois sujeitos escreveram mais de trezentas páginas sobre ele e publicaram em 30 idiomas. A partir destas histórias, contos policiais ambientados nos subúrbios de Paris, foram feitos cinco filmes inspirados na lúgubre e sinistra figura central, um ladrão misterioso e especialmente hábil com disfarces. Como estamos falando de início do século 20, estamos também abordando o fato de que tais filmes eram mudos, todos com a direção de Louis Feuillade.
Como celebração do centenário dos filmes, alguns artistas foram convidados para elaborar uma trilha sonora para as histórias, cabendo a James Blackshaw a missão de prover temas e climas para o quinto e último episódio, Le Faux Magistrat. A escolha dele é interessante, pois trata-se de um hábil violonista, com obra calcada nos caminhos do Folk britânico, na mesma escola de um Bert Janch ou um Davy Graham, ou seja, lúgubre, existencial e misterioso, mas de uma forma distinta do que poderíamos imaginar como adequada à sonorização das sombrias andanças de Fantômas na noite parisiense. A trilha, no entanto, mostra-se muito adequada, totalmente cinematográfica, tensa, sinistra e imprevisível. Sai o minimalismo acústico e entra uma abordagem grandiosa, orquestral sem ser erudita, com presença de instrumentos como bateria (tocada por Simon Scott, do Slowdive), guitarras, pianos, saxofone, baixo e tudo mais. São quase 75 minutos de música que vão passar sem que você perceba, com as faixas batizadas apenas como Fantômas: Le Faux Magistrat, indo da Pt.1 até a Pt.13, todas enfatizando e favorecendo as habilidades de James como compositor.
A Parte 1 é pianística, sombria e climática, com um belo cello fazendo par em meio a bateria imprevisível. Ela prepara o terreno para a Parte 2, que chega com mais piano, fraseados insinuantes e um clima de tensão que vai aumentando em meio a aparições de saxofones no cenário. A parte seguinte tem o amálgama de piano, violão e guitarra, num processo de simbiose natural e inevitável. A Parte 4 tem proeminência de uma linha sinuosa de baixo, que pavimenta o caminho para o violão de Blackshaw percorrer distâncias na noite. Surpresas surgem na flauta que aparece subitamente na Parte 7, nos efeitos de guitarra da Parte 11 e sutilezas também tem lugar, seja nos arranjos de cordas da Parte 12 ou no falso final da Parte 13, sugerindo sequência, como era o traço comum dos episódios do Fantômas.
Um trabalho diferente, orquestral e orgânico ao mesmo tempo, que pode servir de ponto de partida para um mundo novo.