Resenhas

Tricky – Adrian Thaws

Novo disco faz balanço de carreira com novas e velhas influências

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Ano: 2014
Selo: Republic Of Music
# Faixas: 13
Estilos: Trip Hop, Hip Hop, Eletrônica
Duração: 38:13min
Nota: 4.0
Produção: Tricky e Marco Adamo

Rapaz, Tricky. Lembro de quando o sujeito apareceu, era 1995, logo após Massive Attack lançar seu soberbo segundo disco, Protection. Até então integrante de primeira hora do grupo e do coletivo criativo de hip-hoppers, grafiteiros, DJs e coisadores culturais em geral Wild Bunch, Tricky deixava sua galera para trás e se aventurava em carreira solo pelos mares subterrâneos da vida urbana sob a perspectiva do Lado Negro da Força. Sua música sempre foi sinônimo de duas coisas: modernidade, através da fusão de sons da cidade (Hip Hop, Rap, Reggae, Rock) com a urgente visão da juventude de Bristol, terra do então nascente Trip Hop. E, mais que tudo, Tricky era sinônimo de terror. Ele parecia um personagem de Arquivo X, misterioso, sussurrante, sombrio, surgindo em relances e takes fugidios nos clipes que lançava. Tricky era, acima de tudo, novo.

Muito tempo passou desde então. Nestes quase 20 anos, o sujeito deixou de significar quase tudo. Tornou-se um artista comum, inserido num contexto de, pasme, nostalgia. É impressionante que a visão da novidade esteja tão atrelada à cronologia, porque Tricky ainda é novo. Sua visão de música urbana e urgente, misturada, com cara de caleidoscópio em tons de cinza, branco e preto, ainda guarda informações mais consistentes que a maioria dos artistas que militam no segmento musical correlato. Sua canção e estilo ainda não foram completamente traduzidos e mapeados. Para confundir tudo, ele continua ativo, já tendo lançado onze álbuns em 19 anos, descontando suas participações nos dois trabalhos de Massive Attack. Adrian Thaws é seu novíssimo disco, batizado com seu nome verdadeiro, sugerindo que o misterioso vulto agora busca fazer um balanço de sua vida. Ou não. O que importa é que as treze canções mostram uma atualização em sua visão sobre a urbe e a vida encerrada nela.

A associação subentendida com o Lado Negro ainda está presente, na forma dos sussurros ininteligíveis, mas sobrepassada pela outra vocação do sujeito: receber convidados em seus lançamentos e promover criações coletivas. O resultado é um vigoroso balanço de influências, passando pelos ritmos negros urbanos lá do primeiro parágrafo, mas também revelando algo, digamos, antropológico na coisa toda, com o enfoque nas nuances de vida noturna e cultura de ir e vir de boates e clubes de música eletrônica, coisa que ele certamente fez quando se deslocava de seu bairro de Knowle West rumo ao centro da cidade ou mesmo a Londres, em busca de raves, festas animadas por soundsystems e demais eventos celebratórios de sua adolescência/vida adulta.

Sendo assim, é louvável demais a aparição das nuances electro em faixas como Nicotine Love e Lonnie Listen, que contam com a participação da cantora Francesca Belmonte. As ambiências sonoras guardam climas noventistas e do início do milênio, ainda urgentes. I Had A Dream, novamente com Belmonte, guarda um arranjo jazzy lento e cinematográfico, com destaque para contraste entre os murmúrios subrepitícios de Tricky e a voz límpida da cantora. A cover adorável para Silly Games, de Janet Kay, certamente um hit da adolescência bristoliana, traz os vocais de Tirzah, um luminoso tesouro escondido. Sua voz é suave e doce, diferente das musas vocais que já participaram de álbuns do rapaz, de Martina Topley-Bird a Björk. Tirzah também confere linearidade a Sun Down, a faixa de abertura do álbum, que funciona como câmara de descompressão para o mundo que está por vir ao longo do álbum.

Adrian Thaws é uma pequena e inesperada autobiografia musical de Tricky, com canções encadeadas, abrangentes e capazes de mostrar ao ouvinte mais atento suas influências, interesses e noções de boa música, adquiridos ao longo destes anos. Em vez do sujeito soturno de outrota, ele mais parece um bom anfitrião que te dá um abraço na porta do apartamento. Mesmo assim, por via das dúvidas, olhe em volta.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.