Resenhas

Justin Townes Earle – Single Mothers

Cantor americano entrega álbum sincero e belo

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Ano: 2014
Selo: Vagrant
# Faixas: 10
Estilos: Alternativo, Alt-Country, Rock
Duração: 29:52min
Nota: 3.5
Produção: Adam Bednarik

Eu sou um crítico ferrenho da modernidade. Acho que a atual conjunção de tecnologia e grana tende a esvaziar o significado de muitas coisas, entre elas a música e as artes em geral. Mesmo assim, não posso deixar de enxergar o lado bom disso tudo, que reside na facilidade e na existência de condições para que surjam artistas “menores”, ou seja, gente que nunca vai ser sucesso mundial de público, mas que, justo pelo espaço aberto para consumidores e artistas, tem assegurada uma audiência fiel e identificada, ainda que em número muito reduzido. Esses artistas não terão a chance de tocar num estádio lotado, mas sempre contarão com a quentura e o carinho dos pequenos espaços, de frente para um monte de gente cantando, olhos nos olhos.

Essas divagações surgiram na mente do velho escriba enquanto as dez faixas deste adorável Single Mothers tocavam na vitrola virtual. Ele é um disco pequeno, intencionalmente curto, com dez canções enxutas, levadas com gentileza por Justin Townes Earle. Talvez você nunca tenha ouvido falar pai de Justin, o genial guitarrista, cantor e compositor texano Steve Earle, muito menos no mentor dele, Townes Van Zandt, amigo de um tal de Johnny Cash. Pois bem, as influências são boas e este já é o quinto álbum que o jovem lança. O ponto de partida é o Country mais clássico, porém, o que seria este gênero hoje? Certamente não é o mesmo que há cinquenta, quarenta anos. Muito mudou, a cidade tornou-se cada vez mais próxima do campo, o fluxo de pessoas aumentou, a interseção cultural é outra, a quantidade de gente é muito maior. Tudo isso modifica e soma ao ponto de partida do estilo que é, sem dúvida, a canção do homem comum e seus desafios diante do que o mundo propõe. No caso de um cara de 32 anos como Justin, podemos cravar que seu assunto predileto é o fim do amor, algo que o Country também entende e se oferece como abrigo. Sendo assim, Single Mothers é sobre isso: desamor, fim do amor, saudade do amor, idealização do amor, tudo visto de uma forma triste o bastante para nossos dias.

Justin toma uma série de cuidados ao longo do disco, mas deixa as canções fluirem com naturalidade, sem querer misturar nada que não sejam as ambiências do estilo. Sua maior influência é a apropriação que Ryan Adams fez do Country no início do milênio, a partir de seu primeiro trabalho solo, Heartbreaker. A primeira canção, Worried Bout The Weather até despista um pouco isso, procurando enveredar na fronteira do que chamava de “countrypolitan”, ou seja, o avô do que entendemos por AltCountry, neste caso, simbolizado pelo andamento de balada sessentista clássica. A pisada funda no cânon de Adams vem na faixa título, linda que só ela, cheia de guitarras sutis e vocal na medida certa. Justin aumenta a velocidade do andamento com My Baby Drives e prepara o terreno para a contemplação adorável que é Today And A Lonely Night.

Até este ponto, é só mais um disco bonitinho e linear, situação que vai mudar a partir de Picture In A Drawer, que mais parece cantada por alguém sob a luz da lua numa esquina de Memphis, Tennessee. O clima segue triste na bela Wanna Be A Stranger, mais uma daquelas canções que fazem mais sentido se você está numa estrada à noite, indo do nada para lugar nenhum, estas duas cidades tão queridas quando estamos solitários e tristonhos. White Gardenias vem lânguida e triste, se esgueirando da luz do sol que ilumina o jardim nesta tarde, enquanto Time Shows Fools disfarça num andamento mais linear o olhar apaixonado que teimamos em dar para quem não nos olha de volta. A barra pesa com a solidão de It’s Cold In This House, que só funcionará como convém se você sabe o que significa, de fato, uma casa outrora cheia estar vazia agora. Justin tenta mais um número rapidinho com a canção de encerramento, Burning Pictures.

Single Parents é um álbum singelo, fruto das sutilezas pessoais e dos caminhos da vida. É frágil, para se ouvir de uma vez, sem escalas e adornos maiores. Parece um amigo te contando da vida mas com uma banda acompanhando.

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BOM PARA QUEM OUVE: TWEEDY, Ray Lamontagne, Ryan Adams

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.