Resenhas

Onagra Claudique – Lira Auriverde

Disco de estreia dos paulistas é sensível, complexo e arrebatador

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Ano: 2014
# Faixas: 10
Estilos: Folk Rock, Rock Alternativo, Folk
Duração: 50:59
Nota: 4.5
Produção: Fabio Pinczowski e Mauro Motoki

É com seu palavrório rebuscado e sonoro que Onagra Claudique nos brinda com o encantador Lira Auriverde. Dentre as figuras de linguagem usadas pelos próprios como auto-descrição – ou como forma de confundir ainda mais os desavisados – as que talvez melhor os introduzam seja a complementaridade entre “É o cenho franzido, lendo as entrelinhas, arqueando as sobrancelhas” e “É o farfalhar da relva, os doces gorjeares da fauna gentil”.

O fotógrafo americano Stephen Shore costuma fazer uma distinção entre a pintura e a fotografia que talvez ajude a desvendar o que se passa na cabeça de Diego Scalada e Roger Valença. Segundo ele, “Um pintor começa com uma tela em branco. Cada marca que ele põe na tela aumenta a complexidade. Um fotógrafo, por seu lado, começa com o mundo inteiro. Cada decisão tomada traz ordem.” Onagra Claudique é um pintor, já que a busca aqui não parece de forma alguma ser pela ordem, mas pelo belo.

Esta beleza vem através da dança entre a complexidade das letras e a simplicidade e pureza das melodias. Por isso que ouvir o disco é uma experiência constante entre momentos de “cenho franzido” e outros de pura contemplação, como ao apreciar o tal “farfalhar da relva”.

O encanto por esta proposta é o que une as mentes e corações complementares dos dois músicos, que deixam suas diferenças bem claras nas quatro primeiras músicas. Diego parece se enxergar mais como parte de um todo, mesmo que desconfortável dentro dele. Roger parece mais isolado de um contexto social, ainda com seus conflitos pessoais falando mais alto.

Trechos de Teses Taxistas e Empirimístico (de Scalada) caberiam como inteligentes citações de Facebook, externando os conflitos contemporâneos (questões sócio-políticas na primeira e as oscilações de humor na segunda). Já Roger desenvolve com delicadeza ímpar suas percepções sobre as relações a dois, como o esfacelamento de uma paixão em Urtica Ardens, que na maneira de contar uma história com trechos avulsos pincelados, lembra o filme Amor Pleno, do diretor Terrence Malick.

Isto não significa também que haja uma divisão absoluta de propostas. Os dois parecem compartilhar das raízes destas preocupações, é apenas uma questão de preferir beber de fontes de inspiração diferentes para compor.

O que ouvimos portanto, é uma heterogeneidade de temáticas e referências, envolvidas por melodias mais pesadas do que no EP A Hora E A Vez De Onagra Claudique. O violão continua fazendo parte de tudo isso, mas divide seu lugar com guitarras e sintetizadores. As melodias, no entanto, parecem amenizar as angústias percebidas nas linhas e entrelinhas.

A música funciona como nossas aparências diárias, tentando sem muito sucesso esconder os sentimentos mais profundos, mas apenas dos mais desatentos. Quem decide se preocupar de verdade, percebe o “vulto da culpa que habita o oculto, velado no canto do quarto”. É um disco tanto para os desencanados que perceberão os bons solos de guitarra e violão, quanto para os obsessivos que pescarão a perfeição que está presente na forma de detalhes muito bem inseridos, como em Rosa Ferrugem, em que após um trecho longo de violão, a parte cantada recomeça exatamente no primeiro instante da segunda metade da faixa. Mesmo assim, não é uma obra completamente melancólica, apenas muito sincera, que consegue traduzir as contradições das mentes sensíveis desta geração.

Aliás, Onagra Claudique triunfa no que pouquíssimas jovens bandas brasileiras conseguem. Cria uma personalidade incrivelmente única, descolada o bastante do restante do som feito hoje em dia a ponto de se destacar, mas ao mesmo tempo, está inserida o suficiente para ser perfeitamente contemporânea.

A importância dos músicos adicionais também fica clara e aponta um caminho necessário para futuras apresentações ao vivo. O peso conseguido pelos toques de produção precisos de Fabio Pinczowski e Mauro Motoki deram uma cara muito mais épica a todas as faixas, característica percebida principalmente na nova roupagem de Arrebol e nos quase nove minutos de Sagração, a “Ópera Rock” da banda, que dispensa descrições e já cavou seu lugar entre as grandes faixas deste ano.

Onagra Claudique é a aceitação da complexidade da vida, que, diferente do que ironicamente é dito em Rosa Ferrugem, de doce tem pouca coisa. Um dos lançamentos mais belos do ano, merece uma audição caprichada e atenta, seguida de outras despretensiosas e rotineiras, só assim para tirar suas próprias conclusões sobre o que cantam estes trovadores contemporâneos.

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Autor:

Nerd de música e fundador do Monkeybuzz.